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sábado, abril 07, 2012

Tempo de ressurreição e/ou de insurreição

No cristianismo é nuclear a fé na ressurreição. Na política é nuclear a ideia de insurreição. Os dois sujeitos frásicos anteriores têm a mesma origem, um indicando o movimento do interior para o exterior, outro indicando o movimento contrário. A preparar, ou a anteceder estes dois momentos, temos a ideia das trevas, ou seja, a ideia nuclear de noite, ou de falta de luz, ou de falha humana, ou de pecado. Ressuscitamos vencendo as trevas, insurgimo-nos para vencermos as falhas. Esta ideia da necessidade do vencimento de uma limitação é que nos move, no interior daquelas isotopias de sentido, a de ressurreição e a de insurreição.

Em Freixo de Espada à Cinta pratica-se um ritual de expiação da noite, ou da falha de luz, ou do pecado, ou da morte, que, por estranho que pareça que o não é, se compreende melhor pelo lado da paródia humana que pelo lado da tragédia preparada. Alguém arrasta pela noite escura os grilhões da culpa, concretizada nas relhas do arado e nas correntes de ferro, em sete tempos ou passos espaçados. Um coro interpreta uma salmodia em latim estropiado e outra a seguir em vernáculo, a primeira percebendo-se que invoca a morte e a sua superação, a segunda rezando pelas almas e invocando a paixão vivida por Maria. Uma velha curvadíssima conduz uma candeia de azeite, dando de beber, pela bota do vinho que leva dependurada, a quem lho solicitar, representação que é geradora do momento mais paródico do ritual, que a noite do escuro das ruas disfarça quanto pode. Pela vila fica a ouvir-se por tempos o arrastar dos grilhões e a polifonia masculina.

Na política, cada vez é mais difícil viver sem a ideia de insurreição instalada no processador central.

Nota: já procurei explicações para esta tradição de Freixo de Espada à Cinta. De quanto li e do que vi, inclino-me para o interpretar mais pelo lado da seriedade paródica do teatro de rua. Todavia também aceito que lhe pareçam bem todas as explicações e descrições que o ligam à encomendação das almas. Mas, ao vê-lo, consolidei a ideia de que ele pode acolher culturalmente vivências quaresmais mais participadas, ganhando densidade.

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