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terça-feira, abril 24, 2012

Estão sempre a dizer que vão voltar!



















Minas de jales - o cavalete do poço de Santa Bárbara.

Estão sempre a dizer que vão voltar
Lê-se nos jornais e ouve-se falar
O ouro está lá, no fundo ou no princípio
O ouro está lá no interstício
Da matéria maternal
Só falta juntar o capital
E descer às entranhas do planalto
Fora, nos rodados do asfalto
Correm as notícias da retoma
Respira-se o aroma
Da urze e da carqueja
Está mais aberta a porta da igreja
E fala-se em alargar o cemitério
O ouro é mistério

quarta-feira, abril 11, 2012

Alguns compassos de uma melodia provisória













Não a compus sozinho, foi criação a duas mãos, num exercício de desejo e de consumição mútuos.
A primeira criação foi na ponte velha da Régua e já a deixei ao tempo. A segunda produção foi um exercício de imitação, um decalque sobre o tempo de outros, um regresso imaginário às vinhas de meu tio Alfredo Rua, em Nogueira, teria eu uns seis ou sete anos, quando as vindimas no Douro me deixaram marcada uma escola da vida, aquela de que meu pai se orgulhava apenas entrava em matérias de sermão familiar. Foi na estação do comboio do Pinhão. Os azulejos contêm os ecos da música tradicional portuguesa, sobretudo aquela melodia do meu rio douro, meu rio famoso, ó rio doirado, não sejas vaidoso. «Apanha os bagos, miúdo, / não te mostres desleixado / que de bagos uma velha / fez cem pipas de tratado!» - foi esta a quadra de meu primeiro concurso à poesia de outros.













Outra inspiração se deu nesta estação de Almendra, onde chega uma estrada sem saída que se afunda quase no Douro, do outro lado da linha, um espaço abandonado, umas ruínas contemporâneas, umas paredes escritas a descuido, um vazio de sentidos. Toda a humanização do lugar está uma chaga aberta. Ali se perde um desejo de ternura, ali se fica sem vontade, ali se gera só a obrigação de subir de novo e vir apanhar um atalho de terra batida até Barca d'Alva, desvio desaconselhado pelos mais velhos, mas consentido pelo atrevimento da aventura. Um escape para necessidades que o corpo nem sempre regula a nosso interesse próprio, antes obriga a partilhar.













O tempo solar da tarde ajudou nesta invenção da subida ao Penedo Durão, ali quase na vila de Freixo, nos limites de um encontro de surpresa, não só pelas vistas, mas pelas vertigens e pela sensação de voo livre, logo mesmo inspirado por um grifo oportuno, num bailado cervical muito exigente. Dali tudo pareceu acolhedor de nossas fantasias, mesmo a Senhora do Douro, tão bem baptizada na pia do embalse espanhol de Saucelle. Destas pedras soltas do cimo se hão-de comtemplar melhor as nossas quedas lá em baixo, quando nos formos saciados de beijos e de abraços ou de simples palavras de estímulo, promessas de acerto, juras e compromissos, que outra não é a função dos miradouros que ficam mais perto do céu ou do voo dos grifos.

Já a precisar de um estribilho que cumprisse a repetição e o descanso de improvisos, acolhemo-nos a uma das casas da praia da Congida, por si uma criação admirável de arquitecto inspirado. Um regresso ao ventre da terra, para fantasias de outros ventres, encontro de olhos e de mãos, desaperto de músculos. Todo o sossego vem do esmagamento que a grandeza da paisagem obriga a sentir, um esmagamento de localização de pontos de fuga densos e alternados, um esmagamento da serenidade do rio, do piar das aves, até do ronronar do motor do barco ou das motosserras longínquas que estonam oliveiras ou cortam madeiras precisadas. Ali abre-se a cama e os olhos mergulham onde lhes parece andar prazer: a mesa posta fora, a sala transparente, o varandim de mãos, o rio e a montanha, os campos cultivados, a paciência de ver e cuidar do que se guarda.


Ó cavalo do Mazouco,
ó pedra divâ de pescadores,
ó margens afiadas pelas águas?
Dai-me a ilusão de meu tesouro
estar inteiro ainda nestas fragas
e ser inspirador de meus valores!

A última invenção começou naquele museu em que se transformou a cadeia de Freixo, depois continuou no de Guerra Junqueiro, dois lugares que se acumulam de memórias sintomáticas do que somos cada vez mais contra nossa vontade inicial. Mas também o amor se cansa de compor e pede descansos à idade.

sábado, abril 07, 2012

Tempo de ressurreição e/ou de insurreição

No cristianismo é nuclear a fé na ressurreição. Na política é nuclear a ideia de insurreição. Os dois sujeitos frásicos anteriores têm a mesma origem, um indicando o movimento do interior para o exterior, outro indicando o movimento contrário. A preparar, ou a anteceder estes dois momentos, temos a ideia das trevas, ou seja, a ideia nuclear de noite, ou de falta de luz, ou de falha humana, ou de pecado. Ressuscitamos vencendo as trevas, insurgimo-nos para vencermos as falhas. Esta ideia da necessidade do vencimento de uma limitação é que nos move, no interior daquelas isotopias de sentido, a de ressurreição e a de insurreição.

Em Freixo de Espada à Cinta pratica-se um ritual de expiação da noite, ou da falha de luz, ou do pecado, ou da morte, que, por estranho que pareça que o não é, se compreende melhor pelo lado da paródia humana que pelo lado da tragédia preparada. Alguém arrasta pela noite escura os grilhões da culpa, concretizada nas relhas do arado e nas correntes de ferro, em sete tempos ou passos espaçados. Um coro interpreta uma salmodia em latim estropiado e outra a seguir em vernáculo, a primeira percebendo-se que invoca a morte e a sua superação, a segunda rezando pelas almas e invocando a paixão vivida por Maria. Uma velha curvadíssima conduz uma candeia de azeite, dando de beber, pela bota do vinho que leva dependurada, a quem lho solicitar, representação que é geradora do momento mais paródico do ritual, que a noite do escuro das ruas disfarça quanto pode. Pela vila fica a ouvir-se por tempos o arrastar dos grilhões e a polifonia masculina.

Na política, cada vez é mais difícil viver sem a ideia de insurreição instalada no processador central.

Nota: já procurei explicações para esta tradição de Freixo de Espada à Cinta. De quanto li e do que vi, inclino-me para o interpretar mais pelo lado da seriedade paródica do teatro de rua. Todavia também aceito que lhe pareçam bem todas as explicações e descrições que o ligam à encomendação das almas. Mas, ao vê-lo, consolidei a ideia de que ele pode acolher culturalmente vivências quaresmais mais participadas, ganhando densidade.

quinta-feira, abril 05, 2012

Caminhos reparados.













Quando fui estudar para a Régua, concretamente para o seminário espiritano de Godim, no ano sessenta e quatro do século passado, a ponte do caminho de ferro já era um monumento inutilizado, dizia-se que ali o comboio passara uma vez e que nunca mais haveria de passar. Lembro-me de terem sido tristes todas as vezes que olhei aquela ponte, frustrada ao comboio para a outra margem, exemplo acabado da infelicidade nacional, mancha acarvoada na paisagem.













Mas no dia 30 de Março deste ano de 2012, atravessei a pé a ponte do comboio da Régua, a mesma ponte que se enegrecera de tristeza e que agora até me parecia da cor das asas dos pássaros como corvos e melros e milhafres. O chão é de madeira tratada, tem luzes e luzinhas, é espaçosa para além da estreiteza dos carris, é linda. A minha mulher até estranhou o meu contentamento, a minha alegria infantil por atravessar a ponte, para lá e para cá.













De quem quer que tenha sido a iniciativa e a acção e o investimento está de parabéns. Só se fica agora a lamentar todo o tempo que foi preciso para dar reparação a uma linha que a sorte coroara de tristeza, negrura e ferrugem. As margens do Douro estão mais humanizadas, mais suadas, é certo, mas porventura também mais gostosas de se gozarem. Saia um cálice de tratado!