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terça-feira, dezembro 25, 2012

O nosso peru de Natal

 
Dizia-se que era muito grande, os preparativos foram cuidadosos e o assamento no forno minuciosamente controlado, mas chegou à mesa com este aspecto. O sabor foi elogiado por todos os comensais. Fizemos votos para que no próximo ano se continue a tradição. Em pequeno, em Jales, não comíamos o peru assado no dia de Natal, mas havia quem o fizesse. Lembro-me de ver os perus no galinheiro da senhora Glorinha, mas nunca os vi matar ou morrer, embebedados que eram por ela e pelo seu marido, o senhor Henrique. Mas também nunca os vi tomar a piela. Também nunca criámos perus em nossa casa. Galinhas, sim, e galos; agora, para o caso, temos lá um galo que se atira a meu pai e a quem for ao galinheiro, atira-se e pica, não desiste, está um galifão de primeira, autêntico rei da dezena de poedeiras que o vassalam. Mais tarde, ao jantar, voltaremos a acertar contas com a espécie.

domingo, dezembro 02, 2012

NATAL 2012



A vaca, o burro, o papa e o futuro

À manjedoura vão os animais
E um dia lá encontram o Menino.
À espera de qual seja o seu destino,
Põem-se, então, ao lado de seus pais.

Muitos anos depois, veio nos jornais
Que um papa considerara desatino
Ver vaca e burro junto do Divino,
Sem tal constar nos textos factuais.

Fui ler que disse o Papa e percebi
A junção de pobreza e humildade
Que a Tradição fazia em textos seus:

A própria natureza estava ali,
Com Reis, pastores e pais, em unidade;
Chegara a hora de conhecer Deus.

E com esta história,
O burro e a vaca
Cantaram vitória
Porque até o Papa
Fez compreender
Que nenhum presépio
Os deve esquecer.

Com votos de Boas Festas.
José Machado e esposa.
Braga. 2012.




domingo, novembro 18, 2012

No S. Martinho de Tibães

 
Registo como novidade etnográfica, para mim, este facto de a fogueira do magusto, em S. Martinho de Tibães, se fazer com as cascas de feijão, quantidade desejada que só se obtém com farta colheita e descasque, portanto a indiciar um costume que implica guardar as sobras para este fim, embora as datas da colheita do feijão e sua secagem e as da fogueira de S. Martinho não estejam muito afastadas. Em conversa, algumas pessoas moradoras na freguesia confirmaram-me o costume de sempre, dado que as cascas ardem com a lentidão desejada para assar as castanhas e estas ficam ali na borralheira com o calor suficiente para estalarem e abrirem. Provei e gostei. Na minha terra, o magusto faz-se com pruma de pinheiro, ali dita agulheta.
 
 
Cantámos cantigas relativas a castanhas, percorrendo a região minhota e entrando até nas faldas do Marão e do Alvão, pelo lado de Mondim e pelo de Vila Pouca. Uma das cantigas foi criada pelo escritor António Cabral (Castedo do Douro 1931- Vila Real 2007) e publicada no livro de Jorge Lage Castanea, uma dádiva dos deuses. A lírica remete-nos para a absorção literária da lenda de S. Martinho, reinterpretando-a na personificação do castanheiro como o santo distribuidor de uma capa alimentar, as castanhas.

 
A Associação dos Amigos do Museu de S. Martinho de Tibães, através da Dra Aida Marta, foi quem nos convidou e bem. O Convento e o Museu são sempre um lugar de visita obrigatória e muito se aproveita ir lá e visitar o edificado e as exposições em vista. Eu fora lá a última vez ver uma instalação dos encontros da Imagem e não ficara sensível nem à mesma nem à sua revelação nas salas e corredores do Museu, tudo me parecera descuidado em organização, escolha de temas e disposição de percurso visual, mas relativizei atendendo à própria natureza da fotografia, já que a sua contínua presença em tudo quanto seja lugar privado e público não atende a preocupações de conveniência de lugar: em tudo está e em tudo se dá a ver. Desta vez vislumbrei que o Factor de Deus, actual instalação, me faz lá voltar em breve para tirar dúvidas quanto ao diálogo que várias artes desejam manter com o público a partir de lugares como este.


segunda-feira, novembro 05, 2012

Magusto de S. Martinho!

 
 
(As fotografias foram-me enviadas por RM e são do magusto de 2009 em Vilar de Perdizes / Montalegre)
 
Estamos no S. Martinho, festa cíclica que integra componentes religiosas e profanas de muita intensidade, as primeiras em torno da vida do santo e da sua exemplar solidariedade, as segundas em volta das castanhas, essa dádiva dos deuses, como assim intitulou Jorge Lage várias edições da sua obra sobre este recurso alimentar e florestal. Um dos meus primeiros textos para a gaveta foi precisamente sobre o corte e arranque desta árvore, tão marcado que fiquei por algumas vivências desses dois atos na minha infância; marcação essa que não foi outra senão espanto pela grandeza dos cortes no tronco e pela fundura e largueza da escavação no aproveitamento das raízes, que sempre as vi serem consumidas na fogueira do natal.

 
Os castanheiros de Jales haviam de ficar bem nas fotografias de antiguidades ou de fenómenos da natureza, sobretudo pela configuração dos troncos, alguns em forma de arco outros em estilo de caverna ou gruta. Ainda há dias fui visitar o tronco de um castanheiro onde brinquei na minha infância aos castelos de reis, aos fortes de cobóis, às casinhas de bonecas, ao esconde-esconde, ao vazadouro de necessidades, ao abrigo de ventania e mau tempo. Hoje essa caverna está cheia de lenha seca, com duas portas a fechar o encastelamento. As castanhas de minha terra são as melhores do mundo, assim o digo eu e atesto quando provo todas as outras, assim o começo a ouvir dizer cada vez mais. Dizem-me alguns que são fazedoras de gazes, coisa que o riso comenta sempre como obra de criação simbólica do mundo, naquela diatribe que remete a coprolalia para os domínios da escatologia. Já os ouriços as deixam cair quando se abrem em risadas, já as castanhas arreganham quando cozidas ou assadas, já o corpo as festeja também de muito modo e em magusto de ar livre o estouro é coisa que fica no imaginário e espólio verbal de muita gente. Não faltam coisas ou pessoas ou assuntos que estoiram como castanhas ao lume.
 
 
O escritor transmontano e duriense AntónioCabral (nascido em Castedo do Douro, Alijó, em 1931 e falecido em vila Real em 2007) perspectivou a lenda de S. Martinho no próprio castanheiro, sendo a capa a dádiva das castanhas e ficando o contrato da solidariedade sujeito a padres-nossos. O nosso cancioneiro é diverso no aproveitamento simbólico de ouriços, folhas e castanhas, souto e chão, casca e tronco, ramos e flores, associando a árvore à vida. Quatro castanhas assadas e duas pingas de água-pé remetem os olhos para muita ansiedade e as castanhas são carta de muita comedoria, até os ouriços sugerem voltas e revoltas da vida quando o vento os toca pelos soutos, e a renda bicada das folhas deixa a sugestão de escolhas amorosas por beleza e jeito de ser. Andar às castanhas é trabalho duro de costas e de mãos, até de olhos e de pés, primeiro nos soutos depois na loja para escolha e ensacamento.
 
De minha infância recordo com saudade a vantagem e minha mãe cozer castanhas e batatas em conjunto, estas com a tona ou casca, mas partidas a meio, que depois ficavam metade avermelhadas e metade brancas, uma vez retirada a pele; as castanhas cozidas sabiam bem no dia seguinte, aquecidas no fogão de lenha, em cima ou no forno, logo de manhãzinha, ao pequeno-almoço; as assadas sabiam bem como bilhós, descascadas e levadas nos bolsos para comer na escola ou pelo caminho de canseiras e trabalhos, sempre mais uma, até acabarem. Encher a barriga de castanhas era pecado de gula, pois era, mas de bom perdão. E aquelas cruas que se comiam rilhadas muito depois de passar o tempo delas, por terem ficado escondidas entre as folhas ou debaixo de ervas. O tempo as deixou intactas na memória e no gosto.
 
Bom S. Martinho a todos os leitores, que não faltarão magustos na cidade. O da casa de Trás-os-Montes é sábado, dia 10, às 17:00 horas e junta as castanhas ao livro de Bento da Cruz sobre as andanças de Camilo CasteloBranco por terras de Barroso e outros lugares.

terça-feira, outubro 23, 2012

Esta ideia de festa permanente...

 
(Esta fotografia é do S. João de Braga, festa que marca o tempo da cidade)
 
Todo o caminho anterior assentou numa ideia de mais e mais e mais, sinal matemático que bem espelha o nosso tempo contemporâneo, mas agora este mais requer uma interrogação sobre si próprio e sobre o seu sustentamento futuro. Não estou a dizer que o mais se retire dos projectos, apenas estou a constatar que o mais se tornou o sintoma mais nítido da crise a que chegámos e em que agora estamos a enterrar-nos cada vez mais. É tempo de adoptarmos o sinal menos, o da subtração de gorduras e de excessos, o da anulação de métodos de casino ou de aposta frenética em golpes de asa.

quarta-feira, outubro 17, 2012

Cascas e aparas - uma crónica da RFS


(fotografia que me foi enviada por RM/imprensa)

Cascas e aparas – programa da Rádio Francisco Sanches; a emissão semanal deste ano lectivo vai começar no próximo sábado, 20 de outubro de 2012; ouve-se na Antena Minho, entre as 11:00 H e as 12:00 H. Esta rubrica semanal é de minha responsabilidade e vai manter a denominação. Como gravo com antecedência, vou começar a deixar por aqui alguns excertos.

Caríssimos ouvintes, a Rádio Francisco Sanches quer continuar a integrar a minha rubrica semanal na sua programação. (...)

Recordo que esta rubrica «cascas e aparas» tanto se pode interpretar como a junção de dois verbos, no sentido de afirmar no presente que se casca e apara algo, isto é, que se critica ou depura algo, como se pode considerar a junção de dois nomes comuns, ambos relativos à camada protectora das árvores ou às sobras da sua utilização. Lembro que na minha infância, nas Minas de Jales, e durante muito tempo depois, havia, entre os vários serviços ou secções da empresa mineira, uma serração de madeiras donde saíam as cascas e as aparas para aproveitamento, umas, as cascas, aquelas cascas sobretudo de pinheiro, para aquecimento em estufas e fogões de lenha, outras, as aparas, para lenha ou para construção de paliçadas, cortes de gados, galinheiros e taipais de construção civil. Estas eram quase sempre tábuas costaneiras, com algumas marcas ainda das cascas e das curvas exteriores do tronco donde provinham.

Posto isto, siga a conversa para a matéria desta primeira crónica, que há-de ser inevitavelmente o orçamento de Estado com que nos vamos cozer, este cozer tanto de cozinha, como coser também de costura, sendo significado comum aos dois o facto de nos transformarmos em algo que não éramos, ficando ora mudados na natureza, ora mudados no aspecto, sendo que a primeira mudança, a de mudarmos na natureza, será bem pior e definitiva.

Andamos na escola, e assim começámos o ano, com a ideia de que o futuro tem de valer os sacrifícios do presente e a melhor maneira de o fazermos é esta mesma de prepararmos as novas gerações com toda a nossa generosidade de sacrifício. Com isto não quero dizer que sou um defensor desta austeridade orçamentada pelo Estado para nosso progressivo alevantamento económico e financeiro, mas não tenho por mim e de mim e em mim outra forma de me manifestar que não seja esta de colocar a braçadeira do descontentamento, quiçá mesmo a da revolta, porventura mais lá no fundo a de provável fautor de alguma maluqueira inesperada, e continuar a assumir que devo investir quanto sou no ensino. (...)

Diz-se que andar em tensão de nervos é uma forma de sustentar a adrenalina necessária, mas é bom saber que esta tensão pode andar também ligada a uma alteração sub-reptícia do nosso horário de trabalho que se viu alongado em horas e em tarefas por via desta introdução das horas de apoio ao estudo dos alunos. (...)

sexta-feira, outubro 05, 2012

O caminho faz-se caminhando...


Quem disse, disse bem, António Machado (1875-1939) de nome, lá para trás de nós no tempo, convicto de que o passo seguinte revelava a força definitiva do detrás.
 
Caminante, son tus huellas
el camino, y nada más;
caminante, no hay camino,
se hace camino al andar.
Al andar se hace camino,
y al volver la vista atrás
se ve la senda que nunca
se ha de volver a pisar.
Caminante, no hay camino,
sino estelas en la mar.

Com esta sabedoria, andamos hoje às voltas, com receio de avançar, convictos de que olhar para trás nos faz ver melhor o caminho a seguir. Tudo bem, desde que se avance. Há quem veja nestes intuitivos versos uma recusa da tradição, tomando esta como repetição, quando a força desta é seguir fazendo como outros assim fizeram, não necessariamente as mesmas coisas mas fazendo transitivamente outras. Fico-me com este pensamento no dia em que a bandeira nacional foi içada ao contrário e ninguém teve a coragem de mandar parar o baile, corrigir o erro e sorrir: ficou a bandeira trocada e assim o confirmaram os discursos dos políticos que a ergueram: o de Costa apelando mesmo a que a bandeira se vire de vez contra si própria e o de Cavaco apelando a que a bandeira se vire para outros lados...

sábado, setembro 22, 2012

Em memória do professor Manuel Maia (1950-2012)


Faleceu hoje, dia 22 de Setembro, após um tempo crítico de doença, Manuel António Soares Maia, o professor, dirigente associativo e animador cultural , entre as outras dimensões que a sua vida determinou e que ele soube honradamente desempenhar. Natural de Palmeira, contava 62 anos (09.04.1950), estava aposentado do ensino, dedicava a sua vida à família e a alguns trabalhos livres na esfera da sua competência técnica, mas sobretudo ao trabalho de direcção e dinamização da Associação Recreativa e Cultural de Palmeira, de que foi e era presidente.  


Como professor, desempenhou o cargo de presidente do conselho directivo da Escola Preparatória de Barcelinhos durante alguns anos, sendo conhecido pelas suas qualidades de colaboração partilhada do poder, dos problemas e das soluções. Como cidadão interveniente, com uma dinãmica cívica declarada de serviço público, esteve ligado ao poder local integrando a assembleia de Freguesia da sua terra, mas foi como dirigente associativo que deixou marcas na freguesia e junto de quantos com ele colaboraram. Foi o grande impulsionador da construção da sede própria da ARCP, dinamizando todas as valências da mesma, à última das quais, o concurso do vestido pintado, presidiu de forma já indirecta enviando uma mensagem escrita.


Como dirigente folclórico, Manuel Maia, que foi também impulsionador da constituição de uma federação regional dos grupos folclóricos, infelizmente de curta duração, teve um papel decisivo na manutenção e desenvolvimento artístico do Grupo Folclórico e Etnográfico de Palmeira, ao qual ficou indelevelmente ligado nas páginas da Revista do Festival. Homem de boas falas e de bons conselhos, partilhou comigo muitos momentos da sua vida e deixa na minha alma um recheio de ânimo, temperança, optimismo e determinação. Rezo pela sua alma, convicto que estou de que ele passou a integrar o panteão dos justos, à direita de Deus.




segunda-feira, setembro 10, 2012

Abertura do ano escolar 2012/2013


Teatro de vozes para abertura do ano escolar 2012/2013
no Agrupamento de Escolas Dr. Francisco Sanches, em Braga

(Ouve-se a melodia de José Afonso «Canção de embalar» em versão instrumental, acompanhada com toque de caixa, marcial. Ouvem-se as 3 vozes recitadas e o coro no fim de cada série. O coro canta a melodia.)

Voz 1 (da rua)

Todo o nosso tempo é de crise,
Rápida erosão do que era estável,
Crua exibição do improvável,
Fundo abatimento e deslize.

Voz 2 (da casa)

Mas foi sempre assim, diz a história,
Bem disse Camões que a mudança
Não era valor de temperança,
Era de si mesma transitória.

Voz 3 (da escola)

No meio de nós há uma fragância,
Toda ansiedade, voz primária,
Fonte da ternura visionária,
Posta no vergel jardim-de-infância.

Coro

Levanta a cabeça, professor,
Enche o peito na fúria do tempo,
Que os jovens requerem teu fulgor
E o futuro é o teu alento.

Voz 1

Votos e promessas andam juntos
Quando ao poder se quer chegar;
Mais tarde virá quem vai pagar,
Sapatos de vivos e defuntos.

Voz 2

Ontem, como hoje, já se viu,
Sofre, quem não tem, piores tormentos,
Que em mar de maiores contentamentos,
Nada quem roubou, comprou, fugiu.

Voz 3

No meio de nós há o bulício
De olhos, mãos e mentes inquietas,
Ávidas por novas descobertas,
Por saber das letras o ofício.

Coro

Levanta a cabeça, professor,
Enche o peito na fúria do tempo,
Que os jovens requerem teu fulgor
E o futuro é o teu alento.

Voz 1

Cursos ou estudos apressados
Dão-nos outro acesso a mordomias,
Poupam e libertam energias
Pra voos mais altos e ousados.

Voz 2

Bom senso e bom gosto retemperam
Jogos, equilíbrios e partilhas;
Voraz é a fome das matilhas
Que à dextra e sinistra nos governam.

Voz 3

No meio de nós, a adrenalina
Corre pelas turmas, pelos rostos,
Dá-se em euforias e desgostos,
Vive como estrela peregrina.

Coro

Levanta a cabeça, professor,
Enche o peito na fúria do tempo,
Que os jovens requerem teu fulgor
E o futuro é o teu alento.

José Machado / 2012/ Setembro / Braga

domingo, setembro 02, 2012

Vem, ó mãe,

Vem
Ó mãe
Água pura
Raiz do bem
Fonte da ternura
O céu tem o teu rosto
Nas estrelas encrustado
Eu trago em mim exposto
Teu amor sagrado
Mas sou refém
Da saudade
Que arde
Mãe

Fiz este poema há uns anos, minha mãe ainda falava vagarosamente, recorria ao andarilho para se deslocar; musiquei-o como pranto de saudade, cantarolo-o para mim, há dias interpretei-o para ela, ouviu certamente. O poema começa com uma sílaba, vai até às sete e regressa a uma. Publiquei-o num blogue, em homenagem à mãe de amigo conhecido. Penso nesta ousadia infantil de partilhar a minha mãe como ideia que recebi dela própria e de meu pai, pois eles sempre partilhavam os filhos com quem metessem conversa, uma prática familiar enraizada de curriculum vitae.



Na sexta-feira passada, em Raiz do Monte, alguém declarou que meu pai passara a ser o homem mais velho da aldeia, com 85, sendo a mais velha a Tia Gracinda, com 92, esposa do senhor Quintino, já falecido. Seja, por muitos anos!

(As fotografias foram tiradas por meu irmão António na festa dos 88 anos de minha mãe, dia 25 de Agosto p.p. )

segunda-feira, agosto 20, 2012

Os dias de férias

Andei por aqui, neste ir e vir de casa para a praia de Esposende e de lá quase sempre para casa, não fosse um desvio de convite amigo ou uma ougada passeata por lugares próximos. Ocupei-me com ver e ler, também tocar e compor, que os prazeres impõem-se e pesam como obrigações. A praia esteve soberba, em termos de gente, calor, banhos e conversas, passeios miúdos e provas de comes e bebes. Em livro, andei com os irmãos Grimm e com uma série de ensaios de Claude Levi-Strauss sobre o Japão; entretanto meteu-se-me na linha de leitura um atrevimento inventivo para um caso da obra de Graça Moura Os Lusíadas para gente nova, felizmente ainda sem resultado final.

Mas as leituras mais intensivas foram no Kindle, primeiro um conjunto de contos de que terei de falar em Outeiro Seco no próximo dia 1 de Setembro, para os apresentar como Memórias do Arco-da-Velha, um trabalho editorial de Altino Rio. Depois, Meu Nome é Vermelho, um livro de Orhan Pamuk, que me fascinou e agarrou em horas consecutivas naquelas cadeiras amarelas de plástico que a senhora das barracas da praia consentiu que nós tivéssemos como equipamento extra. Esta narrativa do turco martelou-me o pensamento analógico, sempre a empurrar-me para o mecanismo da conservação das tradições a que ando folcloricamente apegado, ainda não sei bem com que fundamentos plausíveis ou com que aproximações miniaturais de guarda e transformação.

Entretanto andei por festas e romarias, no encontro de concertinas de S. Bento da Porta Aberta, em Pitões da Júnias, em Tourém, nesse encontro transfronteiriço para o qual me atrevi a criar um hino; a mesma ideia tiveram os galegos que apresentaram uma belíssima composição como hino do couto misto na voz de Maria do Céo e que tem uma evocação claríssima de José Afonso e do apelo «o povo é quem mais ordena». Lá encontrei o padre Fontes, uma personalidade institucional; gostei do seu aspecto saudável e sempre acolhedor, estivemos na sua mesa ou de sua família, melhor, de sua irmã, que nos apaparicou com um bolo de carne em que a cebola tinha uma função de requinte paladar; tive o atrevimento de lhe pedir metade para saborearmos gulosamente em grupo. No domingo, foi o evento do Sameiro que correu bem e deixou emocionadas impressões em muita gente. Agora estou atido ao disco que homenageia Fernando Alvim, irmão do engenheiro  Alvim que trabalhou nas Minas de Jales e a quem eu fui, um dia, tinha os meus 12 anos, pedir um violino para tocar em férias e ele mo emprestou depois de eu lhe demonstrar os sons de uma cantilena clássica que tinha aprendido. Vamos a ver como ocuparei o resto das férias.



quarta-feira, agosto 08, 2012

Sameiro 2012 - dia 19 de Agosto

Vamos bailar à Senhora – 4ª edição – 19 de Agosto de 2012
Danças e cantigas religiosas – uma dimensão criativa do nosso folclore
No pretérito domingo, dia 5 de Agosto, nas tardes de domingo, nome que identifica o programa que o pelouro da cultura da CMB instituiu há uns anos dedicado à exibição de grupos folclóricos do concelho, o Grupo Folclórico de Tibães apresentou um vira com o sugestivo nome de «Senhora do Ó» e o Grupo Folclórico de Macada-Vimieiro apresentou um malhão com letra dedicada aos santos da freguesia: Santa Ana, Santo Amaro e S. Bento.
Trago aqui estes apontamentos para realçar a importância do evento «Vamos Bailar à Senhora» que vai acontecer no Sameiro na sua 4ª edição desde 2004, ano em que, por iniciativa de Monsenhor Cónego Eduardo Melo, tive o privilégio de organizar, simultaneamente como projecto cultural e como conteúdo prático das actuações dos grupos folclóricos. Frequentemente, desde então, me confronto com casos singulares de concretização da dança e da cantiga como dimensões da vivência religiosa das populações, através dos grupos folclóricos ou de grupos dedicados à cultura popular, naturalmente.
Li num catecismo ou manual de doutrina cristã que quem canta reza duas vezes e quem dança reza três vezes. Viajo pela net e encontro nas diversas práticas religiosas dos povos as manifestações coreográficas e as cantigas populares integrando o seu património imaterial.
Àqueles que me perguntam se o nosso folclore tem danças religiosas, tanto aqueles que têm curiosidade pelo assunto, como aqueles que estão convencidos de que a resposta tem de ser negativa, aconselho a que pesquisem em tudo quanto é grupo, aldeia e canto ou documento e logo verão que sim, que as há e que estão presentes nos repertórios. Acresce que, para entretenimento de quem quiser estudar melhor o assunto, aproveito para esclarecer que as festas religiosas não passam sem a integração de todos os conteúdos na sua programação, pelo que devemos afirmar com propriedade que todos os conteúdos da festa são de foro religioso ou encontram na dimensão da vivência religiosa a sua plenitude de explicação.
Isto não quer dizer que tudo se deva aceitar e permitir, mas quer dizer que a vivência religiosa sobre tudo se deve pronunciar e reflectir. Não ignoro os movimentos depurativos que a Igreja, enquanto instituição criada por Deus mas gerida por homens, teve no passado e possa ainda ter no presente e no futuro, mas toda a história acumulada desses movimentos aí está para provar que as questões e os problemas existem e fazem parte da natureza social que vamos construindo. Tudo quanto se tende a afastar de um canto se vai realizar noutro, pelo que a melhor maneira de encarar as diversidades culturais é dar-lhes uma visibilidade construtiva e adequada à sua realidade, mínima que seja, ou provisória, ou esporádica.
A actual Confraria de Nossa Senhora do Sameiro continua a acarinhar esta iniciativa, portanto aqueles que a promovem e realizam devem honrar o compromisso de a culminarem com o maior brilho e a melhor competência. No dia 19 de Agosto os grupos folclóricos de Cervães, Macada-Vimieiro, Nogueira, Marrancos, Cruz Vermelha, Sinos da Sé, Cabreiros, Josephine-Morreira, Palmeira, no todo ou em parte de seus elementos, mais outros indivíduos que fazem questão de participar individualmente, como José Lages, Francisco Vieira e Rosa Ferreira, Carla Castro, darão corpo a este projecto de mostrar a dimensão religiosa das danças e dos cantares minhotos.
Na rusga à Senhora do Sameiro, uma cantiga que Gonçalo Sampaio (1865-1937) testemunhou como sendo de «genuína» criação popular, incluem-se aqueles versos afirmativos de que «a Senhora do Sameiro deita fitas a voar, vermelhinhas e branquinhas, todas vão parar ao mar», versos estes que constituem uma clara verbalização simbólica das relações entre o humano e o divino, sendo as fitas os elementos físicos dessa ligação vital, a mesma que está no crescimento das plantas – a fita do linho namora / cortar as fitas ao milho – e sendo o mar essa concepção húmida e massiva da humanidade criativa. Para além da música, o coletivo das coreografias visará representar este sentimento estético e religioso da comunidade em festa, conciliada consigo mesma e com Deus, por intermédio de Maria sua Mãe.

sexta-feira, julho 27, 2012

Saudoso amigo Borralheiro

Assim te lembramos como o rio e as suas margens, uma corrente de saudades e uma fixidez de memórias: o tempo passsa e conservamos de ti as imagens, as conversas, os contactos, os livros, os planos, as músicas, as danças, as anedotas, as peripécias, os comes e bebes, a política, o desporto, as casas e as terras, as estradas e os caminhos e as pessoas, sim as pessoas, agora mais umas que tu esperavas que um dia fizessem parte de ti. Estás sempre presente e passas por nós, por entre nós e sem nós, que outros te reconhecem e te lembram e te sentem a ausência. Tudo mudou um pouco depois de partires, para pior do que alguma vez terás pensado ou teremos conversado, ainda que continuemos agarrados à teimosia e à esperança, coisas que em ti se cultivavam juntas. Ah, homem, que fazes falta e assim te vemos.

Hoje eu e a Tininha andámos contigo em viagem, primeiro pelo Porto e depois por Raiz do Monte, nas mesmas passadas em que nos conheceste desde o princípio: a saúde e a família, dois limites de tudo quanto somos. Vieram-me as lágrimas e parei. Bem saberás por onde ia...

quarta-feira, julho 18, 2012

Expostos


Dar a camisa pelo amigo ou dar a camisa ao pobre ou dar a camisa às causas - a camisa tem um percurso político muito marcado - qualquer predicado se pode tomar como figura do corpo que se consome na vida, por ela própria e pelas suas consequências. As camisas, hoje reinventadas pela T-shirt, são a nossa pele, nela inscrevemos o mundo e elas nos situam nele. Em tempos foram usadas como página de texto ou de figurado, marcadas a linha bordada com sentido de pertença e de função, hoje verbalizamo-las com toda a espécie de mensagens, continuam a ser denúncia e a denunciar-nos, umas vezes como festa, outras como paródia, muitas como desconcerto, algumas como causa. Elas e a marca delas já dizem muito de si, mas nós teimamos sempre em que digam um pouco mais de nós.

A primeira encontrei-a numa casa de lavoura, porventura de proprietários abastados, já marcada para queima ou lixeira de monturo, juntamente com aqueles suspensórios. Expusemo-la, eu e meu grupo «Os Sinos da Sé» numa mostra de vestuário tradicional no ano passado na Casa dos Crivos, em Braga. Ficou assim suspensa, fantasmagórica de si e de seu consumidor primeiro, ou de posteriores, se os houve. Todo o encantamento a fez ressuscitar, tão cheia estava ainda de pormenores de produção e tão cheia ficou, certamente, de comentários sintomáticos.


As segundas vi-as dependuradas em Guimarães, este ano, numa praça de plátanos, ocupando a abertura de céu que as copas frondosas consentiram, numa combinação de cores atractiva e curiosa. São camisas felizes, estas que estão em cordas, penduradas pelas mangas e pelo colarinho, encaixando-se como telhas, parecendo um pára-quedas. O proprietário destas é a cidade capital europeia da cultura e determinou-lhes o uso e a função de levitarem, com tudo o que se pense ou diga ou sinta. Estas instalações são graciosas e cumprem o destino. 



segunda-feira, julho 02, 2012

Reconstituir para se precisar...

A fotografia documenta uma malhada em Paredes do Rio, Montalegre; mas também podia ser em Raiz do Monte, terra de minha mãe, onde esta prática se reproduz como «tradição de trabalho comunitário» para ilustração da dinâmica local da Associação de Danças e Cantares e onde, no próximo dia 14 de Julho, terá lugar o evento, com segada, malhada, rusga de regresso a casa do lavrador, entrega do ramo e merenda ou jantar ou ceia, conforme os sentidos de quem fala sobre os costumes.
Todos os prazeres de situar estes acontecimentos anteriores ao aparecimento das máquinas se somam agora às fotografias com as autoridades locais e às curiosidades de experimentação de turistas ou curiosos. As memórias do sacrifício e da necessidade também emergem, os trabalhos e as técnicas dos expeditos conservam-se com vitalidade e o evento ganha então a dimensão da reconstituição fiel, até na festa que se lhe segue e sobretudo na comezaina que o satisfaz, hoje sempre acrescentada de iguarias.
O evento já é uma interpretação de si próprio: isto faz-se para mostrar que noutros tempos...
Não custa muito, nestas ocasiões, fazer paralelismos com a situação actual de trabalhos e necessidades, toda a gente o faz, sobretudo para o fixar nesses limites de memória e de não retorno.
Todavia, o acontecimento contém todos os sinais de «aviso para se a gente um dia precisar de...», ou «isto podia continuar a fazer-se caso as autoridades não precisassem dele para se promoverem...».

quarta-feira, junho 20, 2012

No dia dos meus anos!

1953-2012
Pronto, aqui chegado, olho para a frente e sinto-me bem. Vamos então a ver!
Obrigado a todos.
O que fica para trás há-de servir de contrapeso na avaliação final.

terça-feira, junho 12, 2012

É meu dever cantar!


Foi meu deslumbramento na infância:
De voz tranquila, pura, maternal,
De rosto luminoso, madrigal,
Ficou raiz de minha circunstância.

Por onde vou a levo como ânsia
E musa inspiradora original,
Motivo, forma, força, grão de sal,
Que o mundo me requer em abundância.

Aquela catequese criativa,
Em chão mineiro foi amostra viva,
Inversa aos sortilégios do poder,

Demanda de outro ouro e capital
Preciso àquela fome natural
Que tem a gente humilde de mais ser.

José Machado / Braga / Junho / 2012

sexta-feira, junho 08, 2012

A Rusga de Guadalupe

A Rusga de Guadalupe
Siga Braga minha gente
Bota-me esse pé no ar
Dá vivas ao S. João
Bora Braga sempre em frente
A cantar e a dançar
Na terra que mais o curte     
Siga Braga minha gente
Bota-me esse pé no ar
E mais lhe faz tradição    
Bora Braga sempre em frente
A cantar e a dançar

Na folia
deste dia
a descida
da Avenida
 é um dever ao S. João 
E a noitada
bem passada
já não passa
sem a graça
 do «patego olha o balão»

E a cruzar
a recruzar
a marchar
que é dançar
cada qual com o seu par
E agora salta
mas toda a malta
que faz falta
quem exalta
o arraial mais popular

A Rusga de Guadalupe
Siga Braga minha gente
Bota-me esse pé no ar
Dá vivas ao S. João
Bora Braga sempre em frente
A cantar e a dançar
Na terra que mais o curte
Siga Braga minha gente
Bota-me esse pé no ar
 E mais lhe faz tradição
Bora Braga sempre em frente
A cantar e a dançar

Corropio
desvario
é no rio
com o brio
do baptismo do Senhor
Sempre à pinha
a capelinha 
encaminha
manhãzinha
a S. João o nosso amor

Vai dar a mão
e faz cordão
da multidão
o encontrão
é condição que faz caminho
Só falta ir
tornar a vir
para sentir
e consentir
o retinir do martelinho

A Rusga de Guadalupe
Siga Braga minha gente
Bota-me esse pé no ar
Dá vivas ao S. João
Bora Braga sempre em frente
A cantar e a dançar
Na terra que mais o curte
Siga Braga minha gente
Bota-me esse pé no ar
E mais lhe faz tradição
Bora Braga sempre em frente
A cantar e a dançar


(Fotos tiradas pela Tininha, por telemóvel)

quarta-feira, maio 30, 2012

De cócoras se cuida o chão!

(fotografia de meu irmão António, que ma enviou com encomenda de texto e de que me cuidei esquecido por noutras ruas andar a reparar calçadas)

todos os dias me debruço em meu ofício
de experimentar o rendilhado das palavras
para deixar noutras calçadas artifício
com marca mínima de provas ensaiadas
se o não consigo
a mim somente me castigo
saiu-me ao ver Cesário Verde no bulício
de um piquenique de cerejas partilhadas

Fotografia de Orlando Correia, Resende 2012

domingo, maio 27, 2012

No alto do monte se apura a visão?

Ontem subi ao Sameiro com muitas dúvidas, mas acabei por descer mais determinado a resolvê-las, todavia se subi também com algumas certezas sobre o meu grau de ilusão melhor desci com elas aumentadas. É assim: um homem sobe iludido, desce desiludido, porque lá em cima tudo parece ter outro horizonte, mas volta para baixo decidido a meter-se nos mesmos caminhos de ilusão, porventura mais atento, porventura mais consciente de suas responsabilidades.

Nestes lugares tudo se pode querer como ideal,  e tudo se pode reconhecer como impossível. Fica então uma vontade de prosseguir caminho mais vigilante e mais assessorado pelos valores últimos em que se acredita. A ideia de mãe, seja a nossa real ou aquela que a transcendência celebra no alto do monte Sameiro, tem o condão de aconselhar um filho a ser digno de si.

De lá de cima sempre se traz uma vontade de chegar cá abaixo com o nome dos bois na boca e com a vontade de os chamar ao rego. Só que mal se põe o pé no chão plano da fundura, que ainda é planalto em relação ao mar, logo se ouvem as vozes do desamparado deixa andar.

Levei duas pedras no sapato e as duas trouxe: uma, a de não conceber como pode um político usar todo o poder que lhe é conferido para desgovernar, outra, a de não compreender como pode o meu ministro da educação dar uma no cravo e outra na ferradura em matéria de organização curricular.

Então, terei de continuar a pensar, quase um ano depois de eleito, que este governo decidiu mesmo ser pior que o anterior em tudo quanto criticou e de quanto fez arma de arremesso? Então terei de me começar a convencer que Nuno Crato decidiu imitar quem tanto criticou?

É contra estas vozes do baixo que um homem tem de subir lá acima.






sábado, maio 12, 2012

Os lugares propícios a ver mais longe!

Estas duas fotos foram tiradas numa viagem que fíz aos alpes franceses, ao santuário de La Salette, uma subida paciente de autocarro com regresso pela mesma estrada, dizendo-se assim que o lugar da visão é o ponto terminal da visita. Isto foi há dois anos, no Verão, mas tem a ver com o dia de hoje, véspera do dia 13 de Maio, como tem a ver com tudo, até com a crise política em que nos encontramos. A gente quando viaja leva todas as cargas em que não quer pensar, depois da viagem guarda-as em fotografias e quando vai ver estas, recorda-se das que não foram na viagem e se acumularam entretanto. Há-de haver sempre lugares onde alguém, pastores, crianças, gente sofrida ou desatenta até, se confronta com suas visões de absoluto. Depois da fulguração, tudo se há-de explicar em conversas de mesa e de rua, em estudos do simbólico e em hermenêuticas do sentido.
O importante é que as imagens reproduzam uma ansiedade de lugar, de percepção física do território, para nos instalarmos na tradição de o ver. Inseridos na tradição do roteiro, a polémica pessoal passa a precisar de uma catarse: pelo turismo faz-se com facilidade: fomos para ver; pela curiosidade, faz-se com resignação: vimos o que lá estava; pela provocação, faz-se com acinte: tudo interessa a quem o acha. Mas, depois, o tempo regressa sempre com a mesma inquietação: a paisagem fica mesmo para além de nós. O sentido de transcendência é uma poética de desafio.

Hoje é dia de Maio, como um dia que o foi há 40 anos e eu encontrei a minha metade, um desafio de vida que todas as subidas têm consolado.

terça-feira, abril 24, 2012

Estão sempre a dizer que vão voltar!



















Minas de jales - o cavalete do poço de Santa Bárbara.

Estão sempre a dizer que vão voltar
Lê-se nos jornais e ouve-se falar
O ouro está lá, no fundo ou no princípio
O ouro está lá no interstício
Da matéria maternal
Só falta juntar o capital
E descer às entranhas do planalto
Fora, nos rodados do asfalto
Correm as notícias da retoma
Respira-se o aroma
Da urze e da carqueja
Está mais aberta a porta da igreja
E fala-se em alargar o cemitério
O ouro é mistério

quarta-feira, abril 11, 2012

Alguns compassos de uma melodia provisória













Não a compus sozinho, foi criação a duas mãos, num exercício de desejo e de consumição mútuos.
A primeira criação foi na ponte velha da Régua e já a deixei ao tempo. A segunda produção foi um exercício de imitação, um decalque sobre o tempo de outros, um regresso imaginário às vinhas de meu tio Alfredo Rua, em Nogueira, teria eu uns seis ou sete anos, quando as vindimas no Douro me deixaram marcada uma escola da vida, aquela de que meu pai se orgulhava apenas entrava em matérias de sermão familiar. Foi na estação do comboio do Pinhão. Os azulejos contêm os ecos da música tradicional portuguesa, sobretudo aquela melodia do meu rio douro, meu rio famoso, ó rio doirado, não sejas vaidoso. «Apanha os bagos, miúdo, / não te mostres desleixado / que de bagos uma velha / fez cem pipas de tratado!» - foi esta a quadra de meu primeiro concurso à poesia de outros.













Outra inspiração se deu nesta estação de Almendra, onde chega uma estrada sem saída que se afunda quase no Douro, do outro lado da linha, um espaço abandonado, umas ruínas contemporâneas, umas paredes escritas a descuido, um vazio de sentidos. Toda a humanização do lugar está uma chaga aberta. Ali se perde um desejo de ternura, ali se fica sem vontade, ali se gera só a obrigação de subir de novo e vir apanhar um atalho de terra batida até Barca d'Alva, desvio desaconselhado pelos mais velhos, mas consentido pelo atrevimento da aventura. Um escape para necessidades que o corpo nem sempre regula a nosso interesse próprio, antes obriga a partilhar.













O tempo solar da tarde ajudou nesta invenção da subida ao Penedo Durão, ali quase na vila de Freixo, nos limites de um encontro de surpresa, não só pelas vistas, mas pelas vertigens e pela sensação de voo livre, logo mesmo inspirado por um grifo oportuno, num bailado cervical muito exigente. Dali tudo pareceu acolhedor de nossas fantasias, mesmo a Senhora do Douro, tão bem baptizada na pia do embalse espanhol de Saucelle. Destas pedras soltas do cimo se hão-de comtemplar melhor as nossas quedas lá em baixo, quando nos formos saciados de beijos e de abraços ou de simples palavras de estímulo, promessas de acerto, juras e compromissos, que outra não é a função dos miradouros que ficam mais perto do céu ou do voo dos grifos.

Já a precisar de um estribilho que cumprisse a repetição e o descanso de improvisos, acolhemo-nos a uma das casas da praia da Congida, por si uma criação admirável de arquitecto inspirado. Um regresso ao ventre da terra, para fantasias de outros ventres, encontro de olhos e de mãos, desaperto de músculos. Todo o sossego vem do esmagamento que a grandeza da paisagem obriga a sentir, um esmagamento de localização de pontos de fuga densos e alternados, um esmagamento da serenidade do rio, do piar das aves, até do ronronar do motor do barco ou das motosserras longínquas que estonam oliveiras ou cortam madeiras precisadas. Ali abre-se a cama e os olhos mergulham onde lhes parece andar prazer: a mesa posta fora, a sala transparente, o varandim de mãos, o rio e a montanha, os campos cultivados, a paciência de ver e cuidar do que se guarda.


Ó cavalo do Mazouco,
ó pedra divâ de pescadores,
ó margens afiadas pelas águas?
Dai-me a ilusão de meu tesouro
estar inteiro ainda nestas fragas
e ser inspirador de meus valores!

A última invenção começou naquele museu em que se transformou a cadeia de Freixo, depois continuou no de Guerra Junqueiro, dois lugares que se acumulam de memórias sintomáticas do que somos cada vez mais contra nossa vontade inicial. Mas também o amor se cansa de compor e pede descansos à idade.

sábado, abril 07, 2012

Tempo de ressurreição e/ou de insurreição

No cristianismo é nuclear a fé na ressurreição. Na política é nuclear a ideia de insurreição. Os dois sujeitos frásicos anteriores têm a mesma origem, um indicando o movimento do interior para o exterior, outro indicando o movimento contrário. A preparar, ou a anteceder estes dois momentos, temos a ideia das trevas, ou seja, a ideia nuclear de noite, ou de falta de luz, ou de falha humana, ou de pecado. Ressuscitamos vencendo as trevas, insurgimo-nos para vencermos as falhas. Esta ideia da necessidade do vencimento de uma limitação é que nos move, no interior daquelas isotopias de sentido, a de ressurreição e a de insurreição.

Em Freixo de Espada à Cinta pratica-se um ritual de expiação da noite, ou da falha de luz, ou do pecado, ou da morte, que, por estranho que pareça que o não é, se compreende melhor pelo lado da paródia humana que pelo lado da tragédia preparada. Alguém arrasta pela noite escura os grilhões da culpa, concretizada nas relhas do arado e nas correntes de ferro, em sete tempos ou passos espaçados. Um coro interpreta uma salmodia em latim estropiado e outra a seguir em vernáculo, a primeira percebendo-se que invoca a morte e a sua superação, a segunda rezando pelas almas e invocando a paixão vivida por Maria. Uma velha curvadíssima conduz uma candeia de azeite, dando de beber, pela bota do vinho que leva dependurada, a quem lho solicitar, representação que é geradora do momento mais paródico do ritual, que a noite do escuro das ruas disfarça quanto pode. Pela vila fica a ouvir-se por tempos o arrastar dos grilhões e a polifonia masculina.

Na política, cada vez é mais difícil viver sem a ideia de insurreição instalada no processador central.

Nota: já procurei explicações para esta tradição de Freixo de Espada à Cinta. De quanto li e do que vi, inclino-me para o interpretar mais pelo lado da seriedade paródica do teatro de rua. Todavia também aceito que lhe pareçam bem todas as explicações e descrições que o ligam à encomendação das almas. Mas, ao vê-lo, consolidei a ideia de que ele pode acolher culturalmente vivências quaresmais mais participadas, ganhando densidade.

quinta-feira, abril 05, 2012

Caminhos reparados.













Quando fui estudar para a Régua, concretamente para o seminário espiritano de Godim, no ano sessenta e quatro do século passado, a ponte do caminho de ferro já era um monumento inutilizado, dizia-se que ali o comboio passara uma vez e que nunca mais haveria de passar. Lembro-me de terem sido tristes todas as vezes que olhei aquela ponte, frustrada ao comboio para a outra margem, exemplo acabado da infelicidade nacional, mancha acarvoada na paisagem.













Mas no dia 30 de Março deste ano de 2012, atravessei a pé a ponte do comboio da Régua, a mesma ponte que se enegrecera de tristeza e que agora até me parecia da cor das asas dos pássaros como corvos e melros e milhafres. O chão é de madeira tratada, tem luzes e luzinhas, é espaçosa para além da estreiteza dos carris, é linda. A minha mulher até estranhou o meu contentamento, a minha alegria infantil por atravessar a ponte, para lá e para cá.













De quem quer que tenha sido a iniciativa e a acção e o investimento está de parabéns. Só se fica agora a lamentar todo o tempo que foi preciso para dar reparação a uma linha que a sorte coroara de tristeza, negrura e ferrugem. As margens do Douro estão mais humanizadas, mais suadas, é certo, mas porventura também mais gostosas de se gozarem. Saia um cálice de tratado!

sábado, março 24, 2012

Parabéns, João Miguel!


Pois é do pai que se trata e como surpresa se paga com surpresa, aqui se deixa a mensagem, glosando uma velha cantiga de amigo, já que a gente gosta de supor que toda a fantasia é a realidade e que toda a realidade, mesmo sendo outra, é sempre engrandecida num espelho deste género.

Muito me sai daqui o meu amigo por aí
Com que fins específicos?
De vender frigoríficos!

Muito me tarda o meu amigo na estrada
Com que ideias de renda?
Com as vindas da venda.

Muito me faz suspirar o meu amigo no ar
Com que lindos planos?
De agradar a seus amos.

Muito me foge o meu amor pra tão longe
Com que ânsias de vir?
As que eu lhe faça sentir.

Muito me encanta o meu amigo em demanda
Com que pressa de ver?
O nosso filho crescer.

E o resto é tudo quanto se resguarda
Das birras do tempo e das cores da distância
Meu amigo faz anos e a nossa casa
É ponto de encontro e de itinerância.

José Machado
Braga. 2012. Março.

segunda-feira, março 19, 2012

Em seu dia, meu pai

Por todos os pesos que a vida pôs em seus ombros,
por todas as colheitas que suas mãos fizeram,
por todas as palavras que seus lábios difundiram,
por todas as perplexidades que seus olhos avisaram,
assim me empenho em seguir,
mas sem lhe dar o terço das terras que arrendei,
sem lhe dar metade do que mereceram os seus passos,
sem o aliviar de tudo o que lhe dói.
Tudo quanto pensou não foi isto, eu sei, meu pai,
mas tudo o que pensou é que tem de ser a minha força, ainda hoje
e amanhã.

domingo, março 11, 2012

Da lealdade e da patifaria

Quantas caras tem a lealdade?

Quando era pequeno, tinha a lealdade como valor dentro da equipa: se jogava pelo lado dos patifes, tinha de ser leal aos patifes, se jogava pelo lado dos polícias, era leal aos polícias e leal queria sempre dizer protecção, jogo comum, sujeição escrupulosa a regras e tácticas. O problema acontecia quando tinha que sair do jogo para julgar uma questão entre um polícia e um ladrão ou patife, do tipo, tu só me viste a mão e não a cabeça, portanto não me podias matar. Este tipo de exercício resolvia-se manhosamente, calculando vantagens e prejuízos e só quando tudo era evidente demais é que se tomava aquela decisão «imparcial» de ser contra a própria equipa.

A gente cresce mas passa a ver que a construção dos valores da lealdade se faz na mesma base do jogo em equipa, isto, claro está, depois de decidir em qual equipa cada um se integra. Sim, porque, à partida, um indivíduo tem de saber forçosamente qual a amplitude da lealdade na equipa em que está a jogar. A lealdade é um valor pontual, sempre marcado pelas circunstâncias. Tem um caderno de encargos circunscrito, embora possa (e deva, quanto a mim) estar sempre integrada num quadro ético referencial ou numa filosofia ou numa teologia de vida.

Sendo assim, não estando José e Aníbal na mesma equipa (embora se devesse falar na equipa Portugal), a pergunta de saber quem praticou mais a lealdade, no quadro do caderno de encargos que assumiram quando começou o jogo entre ambos, sobra para nós, cidadãos votantes, testemunhas da recreação bélica.

É que ser leal, nos inúmeros exemplos que a política nos tem dado, seja para quem está a sobreviver com lautos rendimentos, seja para quem está a governar com míngua de sustento, está reduzido a uma prática de regras elementares de mútua informação e tomada de decisão, as quais, neste caso crítico da nossa situação subliminar de quase guerra, deram no que deram, ou seja, foram, quer na prática que tiveram, quer na omissão, conducentes a um descalabro governativo.

Sendo assim, continuamos a ter palavras na fogueira das vaidades, por certo leais à equipa em que se joga, mas inúteis para nos livrarem do buraco. A menos, que estas acusações de deslealdade visem a declaração oficial das hostilidades, ou da guerra. Neste caso, voltando à minha infância de jogos de polícias e ladrões, deve declarar-se que, a partir deste momento, vale ver tudo para «matar» o outro, seja o cabelo, seja a mão, seja o corpo todo.