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quinta-feira, maio 12, 2011

A propósito de andorinhas...

Quando a atmosfera começa a saturar de fumo ou de humidade, de ar poluído ou de ruído, desse incómodo de olhar e não ver ou dessa precisão aflitiva de bocejar, é tempo de abrir portas ou janelas, deixar entrar correntes de ar ou então sair para o exterior.

Um homem pode andar cansado de si próprio. Neste caso, a pergunta óbvia é a de saber que janela ou portada vai ele abrir em si mesmo se o ar que consome e o satura lhe bloqueia as entradas e saídas.

Por falar nisto veio-me ao espírito uma história contada por um escritor, Alberto Braga de seu nome, em Contos da Aldeia, um livrinho com mais de cem anos de edição: conta o narrador que indo de visita a uma senhora de bens e de dotes a encontrou, já em tempo de as andorinhas chegarem aos beirais, ainda de braseira acesa na sala para se aquecer, alegando que a primavera entrara fria e caprichosa de agasalhos. A forma de convencer uma senhora tão distinta a abandonar semelhante desiderato de aquecimento interno foi o narrador e visitante contar à dita que um dos reis Filipes de Espanha, numa altura em que também era nosso, se sentiu congestionado com a falta de ar puro, por estar submetido a aquecimento de braseira, e, ao ter pedido que lha retirassem, os ministros que o rodeavam terem entrado em tal conflito de interesses e burocracia de estado que demoraram todo o tempo do mundo a fazê-lo, o suficiente para o rei morrer asfixiado com a falta de oxigénio. No instante em que se despedia de tal senhora, que lá não fora somente por este caso de aconselhamento, mas movido pelo estado alegre e animador em que vira as andorinhas nos beirais de sua casa, o narrador e visitante ouviu-a recomendar a um criado que não mais lhe trouxesse para a sala a braseira e de imediato abrisse de par em par as portadas da sala.

Pois que seja por amores repetidos, por palavras cansadas, por hábitos enquistados, um homem ou uma mulher podem testemunhar a falta de ar. Como nas salas de aula o mesmo pode acontecer, e também nos gabinetes de trabalho e já agora, por extensão, no próprio país.

As situações de ar empestado resolvem-se com o afastamento radical das fontes empestantes, escancarando portas e vidraças, ou subindo montanhas ou mudando de horizontes.

As andorinhas chegaram, essas aves migradoras, vestidas de preto e banco, nesse fato cerimonial de estado ou de representação diplomática, mediador de conversas e legitimador de protocolos. Dizem que uma andorinha não faz a primavera, mas três já fazem com certeza. E foi assim que a nossa primavera se notou também, estando nós ainda de braseira ligada num aconchego viciante.

Pode agora a imagem já estar a induzir os leitores de que entrei em campo de pragas e de minas, espaço que se distancia de uma casa apalaçada. E ao mais não vim visitar senhora solitária. Ainda que esta mesma senhora burguesamente adormecida ao calor de uma braseira possa servir de imagem à nossa situação política, muito melhor se o criado da casa entretanto nos disser que era a última lenha que se consumia em brasas. De facto a imagem tomou conta do texto e agora é tarde para a não concretizar em corrente de ar. Os ares viciados da nossa política social requerem lufadas de frescura. Pois então vamos a tratar de abrir janelas, não se vá dar o caso de morrer outro rei asfixiado, o que nem se lamentaria por aí além.

2 comentários:

Anónimo disse...

Eu vou abrir uma janela!
não pelo "rei" ,que por mim pode mesmo perecer asfixiado, mas por todos nós!...

Anónimo disse...

Vou abrir todas as janelas que puder...
Se isso não for suficiente, vou tentar provocae uma corrente de ar tal, que possa enviar estes nossos governantes para a estratosfera!...