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domingo, outubro 24, 2010

Casa arrombada, trancas... aonde?

Aonde se devem pôr as trancas ou onde se deve bater com elas? Na cabeça de quem arrombou a porta? Deveria ser, para castigar quem fez o mal, mas no lombo de quem deixou arrombar a porta também deveria ser, para esconjurar a fúria de quem se sente roubado. Acontece que, quando quem rouba e quem deixa a casa ser roubada parece ser a mesma gente, os da casa não têm trancas que dêem para as duas coisas, nem para bater, nem para guardar a casa e ficam-se pela fúria do esbracejar ou pela gritaria das palavras. Assim estamos em matéria de orçamento.

Tenho esta percepção de que o governo foi desleixado e não cuidou de nós, podem dizer-me que não foi só este e até que o mal de descuidar já vem de trás e foi sempre nossa pecha governativa, podem dizer-mo e eu até saberei compreender, mas convém não esquecer que quanto mais recuarmos para saber dos defeitos, mais nos teremos de penitenciar por não ter implementado as soluções de sua correcção: é que a utopia que se inscreveu no passado foi precisamente esta de termos melhor futuro e de sermos mais cuidadosos e vigilantes. Ora essa utopia falhou. Esse optimismo pós-crise, no passado, nunca se fez futuro. Não esqueçamos que cada governo só ganha legitimidade democrática porque prometeu ser eficiente. É desta falta de compromisso com o futuro que me vem toda a falta de respeito por quem nos governa e persiste em governar.

No que toca à escola, e só pelas medidas que já foram lidas algures e que constarão dos papéis que registam a austeridade, se fica agora a perceber quanto desleixo se praticou nestes tempos recentes, quanta indiferença se demonstrou por quem alertou para demagogias de promessas e incompetência de reformas, quanto mal se disse de quem chamou à atenção para o esbanjamento de recursos.

Um exemplo: recorde-se toda a crítica feita à demagogia da criação das áreas não disciplinares, ao esbanjamento de recursos que implicariam, aos efeitos perniciosos que teriam na contaminação das outras áreas. Agora, com a crise, já se podem desmantelar! Outro exemplo: recorde-se toda a crítica sobre a demagogia das direcções executivas, sobre o esbanjamento de recursos que implicariam. Agora já podem ficar sem gratificações. E poderíamos ir por aqui fora... Até à demagogia dos livros gratuitos, dos magalhães a desconto, dos subsídios às cegas, dos gastos de saco azul...

Nas escolas, é suposto tirar-se aproveitamento pedagógico das crises, coisa fácil para as históricas, mas complicada para as presentes. De qualquer modo, por umas e por outras, é inevitável mostrar a frustração sobre quem nos governa, é iniludível o esgar irónico sobre quem nos pede sacrifícios. O mais complicado é que nós, os professores mais velhos, verificamos, no rosto dos mais novos, que já eles nos confundem com a mesma massa daqueles que nos governam, já eles nos vêem como co-responsáveis por tanta incúria! E reconhecer que os mestres do arrombamento da casa trabalharam bem na arte de o fazer, também não ajuda nada. A vitimização é mesmo total e é isto que nos vai custar mais a superar!

quarta-feira, outubro 13, 2010

Eu e o Miguel Cruz

Uma experiência de aproximação: duas fotos são do passeio da escola, no ano lectivo anterior, à Galiza; as outras são com o Miguel Cruz, nos intervalos depois do almoço.

domingo, outubro 03, 2010

O Folclore e a República

A questão de saber se o folclore (como hoje é assumido pelos grupos folclóricos) ganhou ou perdeu com o 5 de Outubro de 1910 é uma discussão interessante, embora complexa, é polémica, mas frutífera.

As perspectivas teóricas e pragmáticas que chegam ao poder em 5 de Outubro são as perspectivas republicanas e podem ser bem tipificadas a partir do pensamento dos intelectuais da Geração de 70 e, concretamente, através do pensamento de Teófilo Braga, para dar um exemplo muito significativo. QUE PERSPECTIVAS SÃO ESTAS? São as que decorrem de uma perspectiva positivista e que em matéria musical se pode traduzir por esta ideia: o acumulado musical popular é susceptível de motivar, inspirar e determinar a nova linguagem musical do progresso, do desenvolvimento, da aculturação, enfim, da nova identidade que se espera para o país: ser cada vez mais civil, mais independente e autónomo dos poderes religiosos, ser cada vez mais escolarizado, ser cada vez mais democrático, ser cada vez mais europeu, o que queria dizer no tempo ser alinhado pelos países mais progressistas da Europa. O Portugal dos descobrimentos, cantado por Camões e inspirado pela riqueza e diversidade da música popular, deveria catapultar-se para novos rumos musicais, rumos estes que já estavam a ser concretizados na música erudita de Alfredo Keil e de Viana da Mota, para citar apenas estes compositores, ou nos projectos de formação de uma Grande Orquestra Nacional e de um museu da música que tinham em Michel'ângelo Lambertini uma liderança incondicional.
 
A formação de grupos folclóricos já estava a fazer um caminho quando se deu o 5 de Outubro, fruto das «exposições» industriais que iam acontecendo por todo o lado e fruto de práticas de exibição popular da «identidade» local em procissões, desfiles, cortejos, recepções, etc.  Alguns grupos, poucos, formam-se antes da República, mas muitos que se formam depois vão buscar raízes a iniciativas anteriores.

Só que... os ideais republicanos fortemente anti clericais e persecutórios das ordens religiosas, os programas de governo mal implementados, os excessos de poder e os casos de corrupção, as diatribes políticas entre republicanos e monárquicos, as polémicas sobre o sentido do progresso e da identidade pátria, as frustrações de expectativas de desenvolvimento social, (como hoje!)... geraram muitas reacções «populares» anti republicanas e o folclore espelhou-as de um modo subtil: os trajares recuperaram modas e símbolos da monarquia, os cantares mantiveram a religiosidade, os costumes espelharam a resistência à mudança programática republicana.

Mas as coisas moveram-se: museus, grupos de animação, compositores, estudiosos e críticos, fizeram caminho e dispararam em várias direcções, logo aparecendo correntes de opinião e poderes públicos e privados a falar na necessidade de controle do povo e dos indivíduos e das suas iniciativas, o que veio a acontecer no regime do Estado Novo.

Os movimentos de recolha e de estudo das criações e produções populares experimentaram  com a República uma tensão que ainda hoje se mantém: a tensão entre o fixismo ou a reprodução mimética e a evolução criativa e dinâmica.

Uma lição a tirar nestes cem anos: os programas de ilustração do povo nunca vão na direcção dos seus promotores, mesmo quando impostos à metralha. A arregimentação é uma factura pesada!

Fotos: a 1ª refere-se à espadelada organizada pelo Grupo Folclórico de Marrancos, Vila Verde, no passado mês de Setembro, no âmbito das festas das colheitas do concelho; a 2ª dá conta da actuação da banda musical de Parafita, Montalegre, no dia 12 de Agosto, em S. Bento da Porta Aberta; a 3ª foi tirada na noitada do S. Miguel, a 28 de Setembro, em Cabeceiras de Basto.