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sexta-feira, julho 24, 2009

Rogério Borralheiro (1952-2008)

Amigo,
Por ti realizámos este trabalho duplo: o DVD contém as imagens e os cânticos da missa. O CD contém só os cânticos. Tu apreciaste-os, cantaste-os em Palmeira pouco antes de morreres. Acompanhaste o meu processo de criação e entusiasmas-te-me. Dedico-te o canto do abraço da paz: criei-o a partir daquele modo de cantarmos as polifonias arcaicas que aprendemos em Cervães. Oferecemos-to no dia dos teus anos, já não estavas entre nós. Criei-o por causa da tua voz, esse baixo que depois do desatino acertavas e sustentavas como um malho em centeio seco. Pedi ao Costa Gomes a harmonização para quatro vozes. Ouve-o nesse lugar eterno em que repousas.

Passou um ano e ontem projectavas
Novos trabalhos sobre a nossa História;
Passou um ano e ontem tu cantavas
Connosco os sons dispersos da memória.

Sentimos toda a falta das palavras
Que tinhas por razão provocatória,
E tão humanamente cultivavas,
Quer fosse em causa firme ou provisória.

Ficaste referência neste ofício
De estarmos, uns e outros, menos sós
Nos actos que requerem sacrifício.

Temos-te agora aqui, dentro da voz,
No coração, no Verbo do princípio,
Lugar que, em ti, guardavas para nós.


quarta-feira, julho 15, 2009

Senhora da Serra - Alto do Marão

Devo ao António Araújo este favor de ter seleccionado a parte do filme em que «Os Sinos da Sé» cantam o «Louvada seja na terra, a Virgem Santa Maria», um poema de António Correia de Oliveira que musiquei e que fui encontrar no alto da Serra do Marão, no verso da pajela dedicada à Senhora da Serra.

O filme de que falo está disponível no DVD e CD áudio - Queremos dar-Te graças - projecto conjunto do meu grupo e do Grupo Folclórico e Etnográfico de Palmeira. Trata-se de uma «missa folclórica», está à venda, por cinco euros.

domingo, julho 12, 2009

Senhora da Serra - Alto do Marão

Saí de Braga às 4.02 da manhã, com destino ao alto do Marão, para presenciar a festa de Nossa Senhora da Serra, que ocorre sempre no segundo domingo de Julho depois do S. Pedro. Meus compadres do Porto, o João e a Ana, já me tinham falado desta romaria há uns anos, mas eu ainda não tivera a oportunidade de lá ir.

Aconteceu que no 23º aniversário da Casa de Trás-os-Montes estivemos a apresentar o Grande Cancioneiro do Douro, de Altino Cardoso, obra onde se refere esta romaria como ocasião para a demonstração de música e dança tradicionais, concretamente para ouvir as chulas de Gestaçô ou das terras limítrofes, agora tocadas com violino.

Fui eu e a Tininha, minha esposa. Chegámos lá às 5.12, quase sempre sem trânsito até à subida para o alto da Serra, mas depois com a grande surpresa de ver que já lá estava um mar de gente, um mar de tendas e de tendeiros. Estacionámos e fomos à capelinha, agasalhados, por ali acima, até às antenas. Estava ainda fechada. A resposta sobre o horário da missa foi de que ela seria às nove ou nove e meia, que agora o padre é novo e levanta-se mais tarde, com toda a ironia do frio e da noite neste aparte. Meus compadres tinham assistido à missa, em tempos, às seis da manhã e às sete estavam a comer frango no churrasco e a ver os grupos a actuar. As mudanças, como se vê, estão em curso. Fomos ao carro buscar uma manta, das duas que leváramos e toca a ir arranjar lugar para ver nascer o sol.

E vimos. E aquela subida rápida para a crista do horizonte mal aflorou na linha do mesmo fez soltar aplausos e festejos. O culto solar ali na plenitude e nós a assistirmos, a participarmos nele. Lembrei o meu professor Moisés Espírito Santo e a sua interpretação de vel para o sol, sendo este o Velho, e fiquei com as ideias arrumadas sobre este mistério em que me envolvia directamente. Já o malhão velho e a chula velha ganhavam outra interpretação.

E visto o nascimento, foi vê-lo crescer, experimentando empirica e gostosamente essa teoria secular de pensar que é o sol que vai girando sobre nós, que foi tudo quanto vimos o sol fazer, ali em poucos minutos de esplendor.

De novo até à zona da capela para encontrar um lugar de espera, sem vento, aconchegado, que permitisse dormir um pouco. Que era o que víamos fazer, posto que acordados e despertos e sem frio fossem muitos e novos, mas também os vimos como justos a ressonar debaixo do céu.

Assim passou o tempo, num crescer de gente à volta. Na capela, a Senhora tem tratamento de imagem e esta foi outra surpresa: então não é que lá fui encontrar a pajela da Senhora com o poema de António Correia de Oliveira «Louvada seja na terra» escrito recentemente no verso?, esse poema que musiquei para «Os Sinos da Sé», a que acrescentei até mais letra, e que faz parte do nosso disco «Queremos dar-Te graças». Que pena tenho de não saber postar aqui e agora essa música.

O encantamento do altar, na sua simplicidade e «tosca» decoração, deixa ao visitante e ao devoto uma experiência singular de acolhimento: ali se deixa a esmola, ali se depositam os cravos e ali se pagam os cravos ou as flores e logo se deixam ali, ali se conversa e se reza, ali se vai e chega com a postura de dever. Ali se anda de joelhos e a pé à volta da capela, pelo corredor, que se varre a espaços para evitar as areias, ali foi o grupo de bombos «Os Borgas» de Ovil, Queimada, Baião, ali foram os dois grupos folclóricos, o de Carneiro, Amarante, e o de Gestaçô, Baião. A missa foi campal. O padre era novo, o coro esforçou-se, as pessoas ajuntaram-se, o rito funcionou. Já o Sol queimava, já o corpo pedia o farnel e nós, de ouvidos cheios de chulas, verdegares, viras e malhões, fados e valsas, as mesmas quadras à Senhora em todas as peças, corpos suados e trajes de compostura variada, viemos dali felizes, com a ideia de termos ido a ganhar a plena consagração.

quarta-feira, julho 08, 2009

23º aniversário da Casa

Dia 11 de Julho, a Casa de Trás-os-Montes em Braga celebra o seu 23º Aniversário.

Ano após ano, às instituições, como aos indivíduos, compete a celebração do aniversário, não só por dever de vigilância sobre o seu desenvolvimento, mas também por prazer ou diversão sobre si. Uns preocupam-se com a idade e outros mofam dela, uns sentem-na como peso, outros como alívio, A uns dá a idade forças e projectos, a outros devaneios e ilusões. À Casa, a uma casa de transmontanos e alto durienses fora do torrão natal, a idade traz sempre a evocação nostálgica da diáspora, essa partida da tribo para outro território ou a simples saída do indivíduo para outros povoados.


O programa deste ano fica concentrado no dia 11,
Sábado:

10.00 Horas: içar da bandeira e cantar do Hino Nacional, na Casa;
11.00 Horas
: Romagem ao cemitério de Monte D’Arcos: homenagem aos associados falecidos e seus familiares;
18.30 Horas
: Missa na Igreja de Santo Adrião;
20.00 Horas
: Jantar na Casa: a magia da reunião à volta da mesa, com seguimento de sobremesas:
1. Evocação de Miguel Torga (discursos e tomadas de posição literária)
2. Actuação do grupo de danças orientais (um grupo de meninas que ensaia na Casa)
3. Actuação do grupo de
cavaquinhos da Casa (a prata da Casa)
4. Apresentação do Grande Cancioneiro do
Alto Douro, obra em 3 volumes, com a presença do seu autor Altino Moreira Cardoso.

5. Bolo de aniversário e champanhe

Sobre esta obra, elaborei a síntese que enviei para a imprensa local:

A Casa de Trás-os-Montes orgulha-se de apresentar o GRANDE CANCIONEIRO DO ALTO DOURO, de Altino Moreira Cardoso – dia 11 de Julho, às 21.00 Horas, no âmbito das actividades de celebração do seu 23º aniversário como Pessoa Colectiva de Utilidade Pública.

Altino Moreira Cardoso está hoje aposentado, mas continua a ser músico e professor de filologia românica, atributos que os anos consolidaram como recursos imprescindíveis para esta obra de recolha, transcrição, comentário e estudo das músicas e das poesias cantadas no Douro, provenientes da tradição oral ou desenvolvidas por músicos amadores, populares na fruição e no consumo desta linguagem universal que é a música.

O GRANDE CANCIONEIRO DO ALTO DOURO é formado por 1.150 cantigas (músicas e letras), em 3 grandes volumes, todos com 640 páginas, num total de 1.920 páginas.

  • O I Volume contém cantigas da vinha, no âmbito do que podemos chamar a canção popular, vocal e instrumental, com função coreográfica quase sempre implícita, mas podendo também variar para o fado ou a cantiga narrativa.

  • O II Volume contém músicas do repertório das Tunas, cantigas e canções do ciclo do Natal e próprias de «embalar» as crianças, romances, cantares religiosos, canções de trabalho e cantares á desgarrada ou ao desafio.

  • O III Volume contém estudos de interpretação literária e musical, ensaios de carácter histórico e geográfico, informações etno-antropológicas, notas de enquadramento funcional e espacial.

O autor privilegia linhas de interpretação:
a) Considera que muitas cantigas, pelo texto poético, se podem explicar e compreender à luz dos cancioneiros trovadorescos e sob os domínios temáticos afins desse período de produção galaico-português; defende uma tese de continuidade e de proximidade entre o Cancioneiro do Douro e os Cantares de Amigo.
b) Considera que as produções poéticas populares e tradicionais se enquadram na evolução da construção da nacionalidade, quer nos acontecimentos que antecedem a formação do reino de Portugal, quer nas vicissitudes que tornaram os reis, os bispos, as ordens religiosas, os nobres e o povo, protagonistas da nossa história.
c) Destaca a importância da «região do Douro» na formação da nacionalidade, quer pelo apoio prestado à Dinastia de Borgonha, quer pelas correntes migratórias com a Galiza, com Santiago de Compostela a ser um pólo difusor e agregador, privilegiando também a Ordem Religiosa de Cister no povoamento, na cristianização e na cultura espiritual e material das populações.
d) Toma desde sempre, e ainda hoje, as romarias e festas como movimentos de crescimento e desenvolvimento do cancioneiro dos povos, embora destaque a importância de grupos e de instituições.
e) Desenvolve linhas de interpretação histórica e literária dos poemas e das músicas, quer em termos de estética, quer em termos de simbologia, quer em termos de linguagem, mobilizando a etimologia e a estilística, destacando valores etnográficos e étnicos.

Qualquer leitor se apercebe que uma obra desta envergadura, só pelo facto de coligir quanto se toca e se canta no Douro, tem um interesse imediato para os indivíduos e as instituições que se dedicam à animação cultural, ao folclore, à etnografia, aos estudos comparativos, à recreação e à criação de novos trabalhos.