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domingo, abril 26, 2009

Nas profundezas de Picote

Consegui, finalmente, ter acesso a estas fotografias que andavam no telemóvel de minha esposa e que já são do pretérito dia 6 de Abril, dia em que fui de viagem até Sendim, com o fim expresso de visitar o arquivo de música tradicional de Mário Correia e a editora «Sons da Terra», uma absoluta surpresa, quer em extensão, quer em organização, embora eu já fosse sabedor de alguns trabalhos editados. Vim de lá com o saco cheio, por sua impagável generosidade e sua disponibilização de meios e recursos. Já conheço Mário Correia desde «O Mundo da Canção», revista que circulou sobre música popular e que foi fundada em 1969, mas que eu só comecei a comprar em 1971, se não me engano. Fica assunto para futuros textos.

Entretanto, com o pretexto de ir visitar o gaiteiro mirandês ou sendinense Ângelo Arribas, como ele não estivesse em casa por ter ido ao banco receber de uma gaita de foles vendida nessa manhã, eu e meus acompanhantes, a minha esposa e meu amigo Carlos Couto - fora seu filho Carlos quem nos levara até ao planalto, por estar a trabalhar numa empresa de fiscalização de obras naquela zona - atrevemo-nos a pedir por favor visita guiada às obras de reforço de potência da barragem de Picote. Foi caso raro este de a nossa oportunidade ter sido compensada por uma familiaridade de relações de trabalho entre engenheiros jovens e depressa nos vimos a calçar botas de biqueira de aço, a vestir coletes de visibilidade reforçada e a colocar capacetes de casco duro. Aqui fica o meu reconhecimento e gratidão aos engenheiros Nuno Oliveira, Nuno Rodrigues, Carla Delgado e Edgar Botelho que nos receberam, ainda que tivesse sido depois o segundo a conduzir-nos até lá abaixo, depois de palestra informativa e recomendações de segurança. Voltei aos tempos em que fui topógrafo amador nas Minas de Jales, lembrei-me também de outras visitas que já fizera à central de Lindoso - ainda ontem falada por ser local de concerto - e à de Caniçada.

À da Caniçada, era eu pequeno adolescente de medos e espantos e ainda hoje me refreio com o susto de então, a percepção de esmagamento se a terra desabasse por castigo de Deus. Imaginei que assim seria um castigo eterno um homem ter de subir aqueles degraus do túnel de escape com a água nos calcanhares. E ao mais eu já sabia que as minas também podiam ser a fortuna dos crentes, não obstante ver sair delas mineiros ensopados de lama.

Aos vinte já percorri todas as galerias e poços de Jales com a memória cheia de histórias, e embora penetrasse nos desmontes convencido da solidez das rochas, dava graças quando via a jaula aproximar-se do sol, que lá em baixo o medo respira-se na mistura do ar e tem-se como seguro para reforço de cautelas. Nos meus sonhos aparecem labirintos de galerias e poços de água.

À central do Lindoso fui em dia de romaria à Senhora da Peneda, de seis para sete de Setembro, há uns anos, com o Castanheira, o Carlos Couto, o Borralheiro, num ano em que o tempo deu para passeio e os conhecimentos do Carlos pré-favoreceram a festa. Então entrámos de carro como se fora túnel de auto-estrada, até àquela sala de céu estrelado, lugar de todas as tecnologias mas de todo o respeitinho pela noite das profundezas. Toda a ideia de segurança no interior da terra, por mais concretizada que a visse, não me evitou a imagem do túmulo ou do caixão, mas desta vez, se ali ficasse, já me sentiria reconfortado pela estética do lugar.
Agora, aqui no Picote, vai nascer outra sala de concertos, ou um salão de baile, ou um palácio das mil e uma noites, tal vai ser a fartura de energia que essa solidão de máquinas vai gerar. A terra deixa-se esventrar para nos comer mais iludidos e asssim vai ser. Ali, aquela gente trabalha desmedidamente.

À superfície, o Douro esperava. Ainda fui ouvir, apressado, o gaiteiro Ângelo Arribas.

Já agora um pormenor de ementa para futuros viajantes: em Mogadouro, caso lanchem, peçam uma tosta mista e depois digam-me se o tamanho e a qualidade das fatias de pão não justificam bem o desejo de regresso.

Os sons da terra são correntes de ar. Obrigado, Mário Correia.

1 comentário:

Anónimo disse...

Será que algum dia se vai fazer luz no fundo do túnel para o nosso ME?
no fundo do abismo já estamos nós há muito...