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quinta-feira, fevereiro 26, 2009

Lobos, raposas e cabritinhos de mama!

(A imagem foi-me enviada pelo RM de Montalegre e diz respeito aos festejos carnavalescos de Tourém. O travestismo dá sempre jeito e presta-se aos fins em vista.)

Fevereiro, que é de 28 este ano foi como sempre um mês breve, meio de chuva e frio, meio de calor e sol, com Carnaval no fim, na mesma semana que deu começo à Quaresma, isto se formos pelas festas entre sagradas e profanas, já se formos pela escola, foi mês meeiro do segundo período, como fora meeiro o cabrito na história do lobo, que assim enganou a raposa comendo à sua vontade o cabrito que fora combinado para os dois. Estamos aqui estamos na Páscoa, o que quer dizer outra vez em férias escolares. Bem nos vai a vida. Fica o rabo para esfolar no terceiro período, já nessa altura o cabrito estará comido e a raposa enganada de vez. A que propósito me lembrei da história do lobo e da raposa, quererá saber o leitor e a matéria é boa de contar. Raposas e lobos são feras da minha infância, andavam na serra e de vez em quando desciam ao povo das casas, a raposa para se abastecer e fugir, o lobo para se passear aos ombros dos rapazes que o tivessem apanhado que assim pediam à custa dele chouriças e ovos e demais haveres para trinca-dentes; era tradição pedir para o lobo morto, com essa ideia peregrina da vingança e da superação do medo. Cheguei a ver um passado às costas de um burro que o seu peso bem justificava peditório de carreta.

Mas se raposas e lobos são as feras, rivalizam em manhas e desafiam-se em habilidades de predação, por isso mesmo é que ficaram nas histórias como heróis e como vilões. Já os cabritos se relegam como vítimas, inocentes que são os seus papéis, quase sempre tomados pela ingenuidade, também pela leveza dos descuidos, bons troféus de caça. Já o mesmo se não diz de cabras.

Ora, falta agora saber quem foram as raposas e os lobos e os cabritos que eu encontrei em Fevereiro. Já estarão os ouvintes a inclinar-se para a sombra das palavras, esses mesmos, ela e eles, os anónimos representantes dos poderes instituídos, ainda que haja nome para a raposa e nome para os lobos e nome para os cabritinhos. Aquela história dos meninos que queriam brincar ao Carnaval mas não tinham professores para os acompanhar à rua, recebeu a tempo e horas a intervenção sagaz e lambisqueira de uma senhora raposa, quase transformada em lobo mau, mas desta vez para comer os professores. Mas aquela outra história da censura à página do computador Magalhães só podia ter saído de lobos mal treinados. Como essa mesmo daqui de Braga, da apreensão de um livro que tinha na capa uma pintura da dita região do corpo que não se pode nomear em público. Anda a fome no monte ou então foi o tempo longo de proibição da caça que deu origem a repovoamentos de espécie brava e tiraninha. Ou será tudo questão de cabritinhos inocentes mas mal comportados que de tudo se aproveitam para provocar as autoridades e os costumes? Depois que se queixem de mal entendidos e de excesso de zelo.

Haja raposas e haja lobos, mesmo na pele de personagens, as fábulas acabam por dar-lhes o prémio da literatura, ficando nas histórias para ensino de moral utilitária. Raposas e lobos todos somos, mas cabritinhos nem todos gostamos de ser, que é mais divertido o papel dos heróis e dos vilões que o das vítimas. Talvez seja este triunfo da narrativa que faz qualquer raposão ou lobão, raposinha ou lobinha, sentirem-se satisfeitos com as suas acções de provocação e perseguição dos outros. Mesmo sabendo que fazem mal, o mal dá-lhes nomeada e o falatório sustenta-lhes o ego. Já não vou mais longe dizendo que ouvi dizer que estamos em tempo de autoritarismos e de maneirismos da prepotência, sendo que também ouvi dizer que esta é sempre o primeiro sinal da fraqueza humana.

Tudo passou em Fevereiro e se disto ficar rasto para o mês seguinte é sinal de que as histórias funcionam mais tempo que o tempo da sua invenção e o tempo do seu reconto. A moral destas histórias podia bem ser esta: em tempo de crise, o espelho é a última coisa a ser-nos útil. Visse-se a raposa de vara na mão a impor o desfile aos professores e achar-se-ia mais bela que a noite de estrelas e vissem-se os lobos de livros nas mãos com imagens de mulheres destemperadamente aliviadas de roupa e sentir-se-iam mais viris que os gaiteiros de cornamusa. É sempre bom que os cabritinhos das histórias se não deixem enganar, nem os porquinhos se não deixem surpreender, nem os coelhinhos se não deixem levar, outra moral que podia ser útil a estas fábulas de mistura.


quarta-feira, fevereiro 11, 2009

Agressões a professores

Ontem, dia 10 de Fevereiro, o meu colega LP foi arbitrariamente agredido em frente ao portão principal da minha escola pelo tio de um aluno seu. Teve de ser socorrido no Hospital de S. Marcos. As marcas físicas estavam bem marcadas no seu rosto.

Os motivos desta agressão física nunca os poderei vir a saber, tal será o labirinto de falas e deixas que circulou ou que pode ainda circular a propósito de antecedentes e consequentes, mas de uma coisa fiquei ciente e esclarecido: foi um acto de violência anunciado pelo próprio aluno ao reentrar na sala de aula, depois de lhe ter sido dada ordem de saída por mau comportamento, com o consequente encaminhamento do aluno ao Conselho Executivo. Quem esperou o professor e lhe bateu violentamente não era encarregado de educação do aluno, apenas seu tio. O caso, a ser referido sumariamente, encaixa na descrição habitual dos alunos indisciplinados, problemáticos e merecedores de toda a atenção em termos de acompanhamento.

De imediato se gerou um sentimento de solidariedade com o colega, de imediato se desataram nós de garganta a clamar justiça e tomadas de posição. A primeira reacção foi a de se jogar o caso na imprensa e mantê-lo aceso nesse nessa fogueira de visibilidade. A surpresa, a consternação e a indignação tomaram conta das palavras. Que se comunicasse o caso ao ME, à DREN, ao procurador da República, assim se recomendou ao CE.

Não foi o primeiro caso, não será o último. Mas foi um caso de insólita violência. Não só pelas agressões físicas e pelos traumatismos, mas sobretudo por ter sido desencadeado contra um professor que agiu no estrito cumprimento das regras: admoestar verbalmente o aluno pela sua indisciplina persistente em aula de teste, escrever na caderneta a mesma admostação para o EE ler, retirar o aluno da sala de aula por não querer atender às medidas anteriores, enviá-lo ao CE.

Todas as interrogações se jogam na conversa: será que a nossa escola tem uma liderança de gestão que é fomentadora de autoridade e inspiradora de disciplina? Será que as regras do RI são ajustadas a estas situações? Será que as directivas emanadas do ME, no que toca a medidas correctivas e sanções disciplinares, permitem fazer face a estes levantamentos súbitos da violência?

Num tempo escolar que é marcado pela conflitualidade entre professores e ME estas interrogações pendem a resposta para um dos lados, sobretudo quando esse mesmo lado tudo faz para «disciplinar» a visibilidade destes casos, ora lhes negando importância, ora os explicando superficialmente, ora apressando-lhes a solução imediata. De fundo, não se tem visto desse mesmo lado a preocupação de legislar ou de fomentar mecanismos de regulação dos conflitos, nem se tem visto apoiar reclamações de segurança, quer em termos de recursos humanos, quer de instalações.

Resta a reflexão interna e interpessoal.
As agressões aos professores, por parte de encarregados de educação ou de seus mandatários (muitas vezes outros familiares que se metem no assunto da educação por conta e risco) são uma das faces visíveis da violência social crescente. Compreender esta violência, a sua génese e os seus desenvolvimentos e a sua expansão nas escolas, é a nossa «obrigação» de educadores, como é a nossa obrigação e o nosso dever prevenir a sua manifestação e reagir à sua exibição fulgurante, intempestiva e arbitrária. Ora estas duas missões são de produção lenta para as necessidades. Entretanto, é preciso queimar etapas e agir: 1) regulamentando mais apertadamente os acessos e as formalidades de contacto entre as partes; 2) introduzindo o sistema de «portaria» formal, portanto humana e física, nas escolas; 3) repensando as condições de acessos exteriores aos edifícios escolares; 4) legislando procedimentos internos de controle apertado sobre alunos indisciplinados (V.G. a passagem imediata para a alçada da polícia; a retenção em CE até chegada do EE...) 5) introduzir a liberdade de escolha de ambas as partes, aluno e escola, no regime de frequência. 6) ... (retenho para não saturar)

Casos destes obrigariam a repensar os sistemas de liderança, e é o que estamos em vias de fazer. Nada como aproveitar para nos questionarmos se a liderança uninominal é a resposta mais eficaz, se o director é o meio e o instrumento da intervenção desejada. E se for, ou se não puder ser evitada essa escolha, que perfil é desejado para o figurante do cargo.

Os sentimentos de culpa de toda uma geração que foi educada na crença da abastança e agora é incapaz de educar, estão aí a emergir cada vez mais. Aqueles que não admitem que a criança, filho ou enteado, seja contrariada, seja «disciplinada», aproveitam-se da mais pequena faísca para vitimizarem os professores. A educação e o ensino são cada vez mais violentos, até no puro plano do conhecimento e da formação: cada vez é preciso mais força (de voz, de saber, de documentos, de livros) para impedir o analfabetismo, a indiferença, a arbitrariedade de juízo, o relativismo ético, a escrita incorrecta, a oralidade imperfeita, a iliteracia, a ignorância abafadora.

Amigo LP, não chores.

terça-feira, fevereiro 03, 2009

Sobre o tal relatório da «OCDE»

Já fui ler e já li o que outros disseram, porque também leram, e um deles foi Ramiro Marques cuja apreciação corroboro e à qual acrescento: o relatório conclui como boa a política concebida para a gestão curricular e do parque de escolas do 1º ciclo sem apoio em quaisquer documentos ou trabalhos de pesquisa, considera bom o que se publicitou como bom. E pronto! Daqui para a frente, se tomarmos isto como «metodologia da OCDE» podemos fazer quaisquer relatórios: os resultados não decorrem do processo final, decorrem das medidas iniciais. Exemplos: a escola a tempo inteiro é uma boa medida, porquê? Porque foi pensada para ser uma boa medida como escola a tempo inteiro. Estão a perceber? Outro exemplo: As lideranças individuais na gestão hão-de trazer mais eficácia ao processo? Como é que sei? Porque foram concebidas já com o discurso incluído de serem eficazes! A genética do discurso define o resultado final. Nanotecnologia pura!

NUS - Para uma exposiçãode Miguel Louro

Os olhos já procuram interditos
Que a luz permite acesso a devaneios
Se os corpos reveláveis imprevistos

Guardarem o pudor de seus receios

Não sei de que olhar somos desejo
Que tão destemperado é no corpo
Daquele que vê outro mais exposto
Entrar pelo seu dentro insatisfeito

Dirão que o criador da sua imagem
Só quis dar luz à forma de um tecido
O corpo embrulhado na roupagem
De seu próprio encanto seduzido

Foi este corpo a criação do mundo
Nu em si mesmo se outro o não olhar
Mas de um poder que o nu torna fecundo
E justifica a luz que o consagrar

O grão é a palavra humedecida
A prova revelada do não dito
A voz suspensa a mão surpreendida
O corpo em lume brando reflectido

Talvez hoje a vulgar banalidade
De querer a olho nu toda a existência
Que se crê pele da própria liberdade
Tire à nudez a sua pertinência

Assim deve o artista prosseguir
A busca perspicaz da sedução
De um corpo outro corpo iludir
Num acto indiscreto de visão

José Machado / Braga / 2009