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sábado, novembro 01, 2008

Todos os santos e todos nós

(Imagem de um cruzeiro. JM)

Hoje é dia de Todos os Santos, o que pode querer significar que é o dia de nos lembrarmos de nós no futuro, nesse merecimento do estatuto de santos ou exemplares, utopia que pode parecer sobranceria despropositada, mas que é possível de acontecer. É essa a esperança dos justos, é esse o caminho da humildade, é esse o lugar por inteiro da cidadania, acrescentada dos valores próprios da revelação cristã. A este dia segue-se a comemoração dos Fiéis Defuntos, ou seja, a memória de quantos já nos antecederam na morte e cujas obras nos servem de referência. Estes dois dias são todos os dias da nossa vida, ocorrem em contínuo devir, definem a nossa condição de pessoas no mundo. Se um se assinala como festivo e outro se marca como fúnebre, se num exprimimos a euforia da vida e noutro a depressão da morte, nessa mesma razão eles são princípio e fim de nós mesmos, simbolicamente ajustados à nossa síntese de humores ao longo da vida.

Daqui passo para outro assunto, devido à simbologia do dia e à profusão de «candidatos a santos».

Um Governo democraticamente eleito tem o direito de implementar as políticas da educação que submeteu a sufrágio ou que perspectivou no seu programa. Neste sentido, o actual Governo apostou decididamente em algumas mudanças de organização da vida escolar, umas mais discretas que outras, mas todas de algum modo com diferenças substanciais em relação a tentativas anteriores. Algumas dessas mudanças: a inclusão nas escolas de maior variedade de modalidades de conclusão dos cursos básicos, os chamados cursos de educação e formação, os percursos curriculares alternativos, os cursos profissionais, as novas oportunidades; a inclusão de alunos com necessidades educativas especiais em ambientes escolares ditos regulares com as mesmas condições de frequência, ainda que com apoios específicos; a alteração do regime de assiduidade e de frequência quer de alunos, quer de professores, no sentido do cumprimento integral dos programas e dos horários de escolaridade e escolarização; o conceito e a prática de escola a tempo inteiro, com aumento das propostas curriculares; a divisão dos professores em categorias, os titulares e os não titulares, e a correspondente modificação das condições de progressão na carreira através de um sofisticado e complexo modelo de avaliação; a alteração do modelo de gestão das escolas; a burocratização minuciosa das diligências ou actos escolares; a descentralização de actos administrativos e a partilha de decisões com mais parceiros sociais, nomeadamente autarquias e pais, mas também entidades públicas e privadas ligadas aos vários sectores da vida económica, política e cultural.

O que se pergunta é se estas mudanças, cuja legitimidade se não contesta, foram pensadas com princípio, meio e fim, estão a ser recebidas com bom esclarecimento dos interessados e se perspectivam mais justiça e mais desenvolvimento sociais. Como já deixei explícito em crónicas anteriores eu vivo estas mudanças em regime de constrangimento social, ou seja, recebo-as com cepticismo, vejo-as mal explicadas pelo Governo, constato que não foram bem arquitectadas e antevejo que os seus resultados não serão os pretendidos.

São medidas pensadas a partir de ideias «fáceis» mas tendencialmente demagógicas, quando vinculadas à função docente: a ideia de que o ensino público é uma boa resposta aos problemas da educação cívica, a ideia de que os professores têm objectivos individuais no ensino público, obrigatório, universal e gratuito, a ideia de que o mérito docente depende de um regime de quotas, a ideia de que há indicadores do ensino e da educação manipuláveis a partir da sala de aula, a ideia de que o registo burocrático conduz a mais transparência das decisões, a ideia de que a precariedade docente é uma resposta ágil às mudanças sociais, a ideia de que só as estatísticas do sucesso de ensino são indicadores de desenvolvimento social, a ideia de que as novas tecnologias são fins e não meios, a ideia de que o director é portador de liderança.

Passo a explicar tirando os exemplos de mim e dos que me rodeiam: esta divisão dos professores em titulares e não titulares foi de uma gritante injustiça, próxima da maldade: promover professores com base num currículo de sete anos foi uma acintosa crueldade de juízo: quantos professores viram os seus currículos desvalorizados só por não terem exercido cargos nos últimos sete anos! Quantos ficaram deprimidos e revoltados com semelhante injustiça! Querer agora continuar com a divisão na progressão na carreira é outra demoníaca invenção, senão veja-se: os pais e os alunos não ganham em terem professores diferentemente avaliados, o ideal é que os seus professores estejam todos em estado de boa progressão e ao mesmo nível e que as diferenças, que sempre as há, se fiquem a dever a estilos de dedicação e não a escalas de vencimento, porque as condições concretas de trabalho são iguais para todos. A classe dos professores do básico e do ensino secundário nunca precisou de categorias para ter qualidade: os professores distinguem-se pela idade e pela dedicação pessoal, pela experiência e por essa dimensão do humano que é o amor próprio e que nenhum dinheiro distingue. Na próxima crónica darei mais exemplos deste estado presente de sofrimento escolar.

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