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domingo, novembro 02, 2008

O que nasce torto

(Imagem feita em Gestaçô: são videiras partidas, é lenha para as lareiras, é tudo paus tortos e mal amanhados, mas de muito préstimo; cabrito assado em lume destes paus é de não esquecer! JM)

O simbólico da vinha é servir a vida em todas as dimensões. Não há parte nem todo que limite este poder simbólico da «cepa torta». Por isso, aqui me serve.

Volto ao tema anterior, agora para fundamentar a tomada de posição sobre a inutilidade das ideias «fáceis» em matéria de avaliação docente. De facto, à primeira vista, parece óbvio que o professor tenha dos seus alunos um apanhado estatístico com os seus resultados. Parece óbvio, mas não é. A caderneta do professor acumula dados e vai-os organizando à medida que deles precisa para o quotidiano; de vez em quando, no fim dos períodos, as sínteses ocupam a página. Mas o tratamento estatístico sempre foi obra para trabalhos suplementares, mesmo quando tirado do computador, naquela simplicidade primária das bases de dados disponíveis. Quem sabe se não se inspirou nessa simplicidade o legista que previu a seguinte tarefa na avaliação docente:

A ficha individual de cada professor deve conter: os resultados do progresso de cada aluno nos 2 anos lectivos da avaliação (por ano, por disciplina); a evolução dos resultados dos alunos face à evolução média dos resultados (dos alunos daquele ano e daquela disciplina, dos mesmos alunos no conjunto das outras disciplinas); os resultados dos alunos nas provas de aferição; outros dados que permitam comprovar o progresso dos resultados, a redução das taxas de abandono e outros dados sobre a apreciação do respectivo contexto sócio-educativo dos alunos.

Agora é só fazer as contas: um professor pode ter uma turma de 24-27 alunos, como pode ter três ou quatro ou cinco turmas de 28 alunos. É mesmo só fazer as contas!

Para que serve uma tarefa destas, independentemente de se saber quanto tempo demora a executar e quanto papel gasta? Que interesse tem um aluno em saber se o seu resultado final é fruto de semelhante acerto de contas? Que interesse terá um pai ou encarregado de educação em semelhante esforço numérico para perceber o insucesso do seu educando? Os dados a considerar do «contexto sócio-educativo dos alunos» deverão ser quais? Declarações de impostos? Atestados da Junta de Freguesia? Participações em programas de TV? Rol de confessados? Amantes, vinho, drogas e vícios?

A simplicidade do óbvio - o aluno que estuda e o aluno que não estuda - precisam de quantas operações numéricas? E não digo mais nada!

Donde veio esta «luminosidade» de avaliação docente? Quem a pariu baseou-se em quê? Nas capacidades computacionais dos Magalhães?

Quem pensou que a avaliação docente deveria passar pelas estatísticas do sucesso educativo partiu da banalidade para chegar a lado nenhum. Partiu da banalidade porque de facto a intenção prática de obter o sucesso educativo de todos os seus alunos é o que menos custa a pensar a um professor, e é o que mais lhe interessa fazer. E a prova provada que semelhante exercício não chega a lado nenhum foi dada pela recente proposta do Conselho Nacional de Eeducação de que os alunos não devem ser retidos durante a escolaridade básica.

Estou a dizer que a estatística não interessa? Não, interessa e deve ser praticada por quem a quiser explorar para trabalhos sobre o sistema educativo, de preferência investigadores externos ou internos, com o devido e necessário distanciamento das fontes de informação e dos interesses instalados.

Mas digo e reafirmo que, para a qualidade de um professor, este trabalho estatístico não acrescenta um micro de formação. Até pela inutilidade de comparação entre alunos que está na sua base, até pelas «manipulações» sociológicas que pode induzir, até pela irrelevância destes dados no percurso escolar de qualquer aluno: a menos que haja quem guarde o portefolio dos resultados do aluno para lhe atirar à cara um dia que chegue a ministro da educação ou a secretário de estado!

A próxima ideia«fácil»: a vertente ética da avaliação docente vale quanto?

1 comentário:

Anónimo disse...

Gostei de ver lembrada a localidade de Gestaçô na imagem. se for a mesma (concelho de Baião?)vem-me à memória a terra natal bem próxima do meu querido pai (que Deus já levou). Na minha infância cheguei a ir lá àquelas festas de verão, hoje a "festa" é outra, preencher grelhas com objectivos e metas... os tempos mudaram e o trabalho do prof. tb mudou!