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sexta-feira, novembro 21, 2008

Para um amigo especial

Amigo, colega

O tempo te fez denso aos olhares
Dos companheiros, grandes e petizes,
Uns e outros provando-te, felizes,
A franqueza dos actos escolares.

Da Pátria, errante, sabes os lugares
Onde acolheste modos e raízes,
Que o teu perfil espelha no que dizes,
Ou fazes, com histórias e cantares.

Um companheiro assim jamais se esquece,
E dele se espera o lume da virtude,
Quer seja para a cor da juventude,
Quer seja para a gente que envelhece

Com este alento vivo na vontade
De o teu futuro estar na flor da idade!


José Machado / Novembro / 2008

segunda-feira, novembro 17, 2008

Há que expulsar o diabo!

1. A história da ponte da Misarela anda associada ao desejo de fugas e travessias, no antanho para um pobre homem que fez pacto com o diabo, em tempos idos para as grávidas com suspeição do parto, há pouco tempo para a retirada humilhante do general Soult, mas hoje para quantos se metem por atalhos e querem depois atravessar declives em segurança. Veio-me a ponte à memória e fui buscá-la para ilustrar a presença do diabo no meu caminho. Apareceu-me ontem na TV, estava eu de quarentena por gripe exacerbada, e ele ali na pantalha, com destaque identitário de secretário de estado, mas penteado e vestido a modos de vilão enfatuado, de cabeleira grisalha encaracolada, gravata arroxeada, jeito de catecúmeno extremo, a explicar que eu não lera nem soubera interpretar o que ele e sua equipa dispuseram sobre as faltas dos alunos. Ó mentiroso de boca cheia, que te caíssem os dentes e te fugisse a carapinha e eu não me daria por vingado. Ao que isto chegou! É preciso ter lata. Já não bastava que o chefe mentisse, agora mentem todos para nosso espavento televisivo. Perdi-lhes o respeito! Vão de retro!

2. (Reproduzo aqui a minha última crónica na Rádio Francisco Sanches, programa do meu Agrupamento, aos sábados, na rádio Antena Minho, das 11.00 às 12.00 horas. «Cascas e aparas» de 15.11.08))

Se no programa anterior me fiz virtual em Lisboa, este fim-de-semana, não obstante ir tocar e cantar a uma festa de professores, lá voltarei em espírito, num acto de solidariedade com todos os professores que andam movidos à contramão dos sindicatos. Eu sou sindicalizado no SPZN, sou o sócio 15250 desde que me conheço como professor. Já estive para sair, mas mantive-me por razões de fidelidade a causas gastas, mas iniciais da minha vida, mantendo este feitio por birra comigo próprio e que se traduz em custar a despegar daquilo que comecei. Se calhar é por via deste princípio que nunca quis sair da escola Francisco Sanches, se calhar é por força deste princípio que só militei no partido que me expulsou e com o qual colidi, se calhar é por via deste princípio que não me divorcio de quem amo, se calhar é por força deste princípio que estou na Casa de Trás-os-Montes e estou no Grupo Folclórico dos Professores, agora Associação Cultural e Festiva «Os Sinos da Sé», se calhar até é por via deste princípio que sou heterossexual, e cristão, e pobre.

Em tempos, esse provérbio, que foi sabiamente glosado pelo cidadão político Mário Soares, de que «só não mudam os burros» deu que falar e hoje mesmo continua a ser útil para explicar a evidência dos vícios, embora nunca haja casos que o esgotem, porquanto sempre haverá burros que preservem a sua identidade e façam disso o seu orgulho de parada. Eu estarei em algumas matérias neste patamar de orgulho por identidades perdedoras, mas ainda referenciais dos meus valores. Cá me vou aguentando, não sem sofrimento.

Por falar em sofrimento, retomo o ponto de partida, o de estar em Lisboa hoje à tarde a trocar miúdos e graúdos sobre a avaliação dos professores. O que sobrou das conversas depois da última manifestação? Sobraram as posições irredutíveis, sobraram as declarações de princípio, sobrou essa sabedoria popular de verificar que é gastador de sabão lavar cabeça de burro. Estarei a chamar burro a alguém sem me dar conta se disser que a teimosia de um modelo impraticável para avaliar professores é do foro da paranóia política, como estarei a chamar burro a mim próprio se disser que ainda não estudei o suficiente para descobrir as virtualidades desse mesmo modelo de avaliação.

Haja alguém que me explique o que devo andar a perder por não perceber coisas tão evidentes como essa descoberta recente de que sou eu o autor dos meus objectivos de ensino, eu que sempre pensei que cumpria programas curriculares definidos por lei, essa lei de que o primeiro ministro nos quer escravos; haja alguém que me explique que agora uma aula se prepara a partir dos objectivos do projecto educativo e depois do projecto de actividades e a seguir do projecto curricular de turma e só depois do programa da disciplina que lecciono, o Português; haja alguém que me explique que eu devo anunciar no princípio do ano que vou chegar ao fim do ano sem que nenhum aluno me abandone; haja alguém que me explique que eu fiz um estágio pedagógico, que eu fiz exame de acesso ao 8º escalão, que eu requeri um júri externo para me avaliar, que eu fiz um mestrado para progredir na carreira mais depressa, que eu fui «promovido» a professor titular e que nunca, já lá vão trinta e quatro anos, nunca fui avaliado; haja alguém que me explique que eu sou o único responsável pelo sucesso escolar dos meus alunos; haja alguém que me explique para que é que eu devo perseguir o excelente se o excelente está ao arbítrio das quotas do Governo.

E poderia continuar por aqui. Chega. Duas coisas quero que saibam: a avaliação dos professores não é um papão, mas transformou-se num monstro, porque serviu que nem uma peneira para tapar esta política de ataque ao estatuto dos professores, introduzindo-lhe todos os factores que agora são requeridos para a fácil contratação, o fácil despedimento, a fácil obtenção de resultados. Essa é que é essa e num modelo de sociedade onde tudo parecia ser jogo de bolsa ou técnica de marketing, só faltava dar o salto das estatísticas para chegar aos lugares da frente. No fim deste ano lectivo tudo estará consumado, pois não havendo insucesso escolar, fica tudo resolvido. Só que está a crise à porta, o desemprego, a falta de trabalho e de dinheiro e então saberemos o que valeu a escola. Hoje, como no passado sábado, os professores pagam caro uma ousadia de esperança.

terça-feira, novembro 11, 2008

As boas obras fazem-se de nuvens

Foi meu irmão António quem me enviou esta fotografia e julgou ele que bastaria eu vê-la para lhe achar sentido neste estaleiro de palavras. Supôs ele que o céu pudesse dizer-se em construção e enviou-ma com o cuidado de me prevenir contra o desleixo e a incúria, o que lhe terá ocorrido por me ter visto repetir a foto dos gravetos e cepas no texto anterior. Ou ter-ma-á recomendado por via das questões abordadas, essa intrincável gorjeada sobre a avaliação dos professores, matéria já quase insuportável a um observador distraído, que os atentos desviam-se dela sem saber de quê, a menos que lhes valha algum sentimento de solidariedade com familiares e amigos, ou que sejam do mesmo ofício de insubordinados. E todavia a fotografia mexeu comigo e envolveu-me nessa teia de estar o céu em obras para sustentar de terrenos e lotes as apertadas precisões da própria terra. As gruas prestam-se a esta ideia de liberdade, depois de servirem como tenazes da servidão. Fazem-se castelos nas nuvens e desfazem-se as nuvens nos caboucos dos castelos, o sarilho é a mania das grandezas não arranjar lugares de sossego. O mote foi bem dado e o efeito resultou. O céu ameaçador parece o desafio das gruas, só falta saber das razões para se mostrar tão negro. Quem ergueu as gruas deverá responder. Foram elas para que obra de exemplo e função? Para que torres de espanto as predispôs o governo da terra? Em que nuvens se imaginou o ministro das mesadas? De que orgulhosa altura se quis medir a tutora das escolas? Agora nem o céu cai, nem a obra avança. Tudo se ergueu só para se ver assim. É este o princípio dos pesadelos. Vou comprar um elefante para oferecer aos príncipes do meu reino.

domingo, novembro 02, 2008

O que nasce torto

(Imagem feita em Gestaçô: são videiras partidas, é lenha para as lareiras, é tudo paus tortos e mal amanhados, mas de muito préstimo; cabrito assado em lume destes paus é de não esquecer! JM)

O simbólico da vinha é servir a vida em todas as dimensões. Não há parte nem todo que limite este poder simbólico da «cepa torta». Por isso, aqui me serve.

Volto ao tema anterior, agora para fundamentar a tomada de posição sobre a inutilidade das ideias «fáceis» em matéria de avaliação docente. De facto, à primeira vista, parece óbvio que o professor tenha dos seus alunos um apanhado estatístico com os seus resultados. Parece óbvio, mas não é. A caderneta do professor acumula dados e vai-os organizando à medida que deles precisa para o quotidiano; de vez em quando, no fim dos períodos, as sínteses ocupam a página. Mas o tratamento estatístico sempre foi obra para trabalhos suplementares, mesmo quando tirado do computador, naquela simplicidade primária das bases de dados disponíveis. Quem sabe se não se inspirou nessa simplicidade o legista que previu a seguinte tarefa na avaliação docente:

A ficha individual de cada professor deve conter: os resultados do progresso de cada aluno nos 2 anos lectivos da avaliação (por ano, por disciplina); a evolução dos resultados dos alunos face à evolução média dos resultados (dos alunos daquele ano e daquela disciplina, dos mesmos alunos no conjunto das outras disciplinas); os resultados dos alunos nas provas de aferição; outros dados que permitam comprovar o progresso dos resultados, a redução das taxas de abandono e outros dados sobre a apreciação do respectivo contexto sócio-educativo dos alunos.

Agora é só fazer as contas: um professor pode ter uma turma de 24-27 alunos, como pode ter três ou quatro ou cinco turmas de 28 alunos. É mesmo só fazer as contas!

Para que serve uma tarefa destas, independentemente de se saber quanto tempo demora a executar e quanto papel gasta? Que interesse tem um aluno em saber se o seu resultado final é fruto de semelhante acerto de contas? Que interesse terá um pai ou encarregado de educação em semelhante esforço numérico para perceber o insucesso do seu educando? Os dados a considerar do «contexto sócio-educativo dos alunos» deverão ser quais? Declarações de impostos? Atestados da Junta de Freguesia? Participações em programas de TV? Rol de confessados? Amantes, vinho, drogas e vícios?

A simplicidade do óbvio - o aluno que estuda e o aluno que não estuda - precisam de quantas operações numéricas? E não digo mais nada!

Donde veio esta «luminosidade» de avaliação docente? Quem a pariu baseou-se em quê? Nas capacidades computacionais dos Magalhães?

Quem pensou que a avaliação docente deveria passar pelas estatísticas do sucesso educativo partiu da banalidade para chegar a lado nenhum. Partiu da banalidade porque de facto a intenção prática de obter o sucesso educativo de todos os seus alunos é o que menos custa a pensar a um professor, e é o que mais lhe interessa fazer. E a prova provada que semelhante exercício não chega a lado nenhum foi dada pela recente proposta do Conselho Nacional de Eeducação de que os alunos não devem ser retidos durante a escolaridade básica.

Estou a dizer que a estatística não interessa? Não, interessa e deve ser praticada por quem a quiser explorar para trabalhos sobre o sistema educativo, de preferência investigadores externos ou internos, com o devido e necessário distanciamento das fontes de informação e dos interesses instalados.

Mas digo e reafirmo que, para a qualidade de um professor, este trabalho estatístico não acrescenta um micro de formação. Até pela inutilidade de comparação entre alunos que está na sua base, até pelas «manipulações» sociológicas que pode induzir, até pela irrelevância destes dados no percurso escolar de qualquer aluno: a menos que haja quem guarde o portefolio dos resultados do aluno para lhe atirar à cara um dia que chegue a ministro da educação ou a secretário de estado!

A próxima ideia«fácil»: a vertente ética da avaliação docente vale quanto?

sábado, novembro 01, 2008

Todos os santos e todos nós

(Imagem de um cruzeiro. JM)

Hoje é dia de Todos os Santos, o que pode querer significar que é o dia de nos lembrarmos de nós no futuro, nesse merecimento do estatuto de santos ou exemplares, utopia que pode parecer sobranceria despropositada, mas que é possível de acontecer. É essa a esperança dos justos, é esse o caminho da humildade, é esse o lugar por inteiro da cidadania, acrescentada dos valores próprios da revelação cristã. A este dia segue-se a comemoração dos Fiéis Defuntos, ou seja, a memória de quantos já nos antecederam na morte e cujas obras nos servem de referência. Estes dois dias são todos os dias da nossa vida, ocorrem em contínuo devir, definem a nossa condição de pessoas no mundo. Se um se assinala como festivo e outro se marca como fúnebre, se num exprimimos a euforia da vida e noutro a depressão da morte, nessa mesma razão eles são princípio e fim de nós mesmos, simbolicamente ajustados à nossa síntese de humores ao longo da vida.

Daqui passo para outro assunto, devido à simbologia do dia e à profusão de «candidatos a santos».

Um Governo democraticamente eleito tem o direito de implementar as políticas da educação que submeteu a sufrágio ou que perspectivou no seu programa. Neste sentido, o actual Governo apostou decididamente em algumas mudanças de organização da vida escolar, umas mais discretas que outras, mas todas de algum modo com diferenças substanciais em relação a tentativas anteriores. Algumas dessas mudanças: a inclusão nas escolas de maior variedade de modalidades de conclusão dos cursos básicos, os chamados cursos de educação e formação, os percursos curriculares alternativos, os cursos profissionais, as novas oportunidades; a inclusão de alunos com necessidades educativas especiais em ambientes escolares ditos regulares com as mesmas condições de frequência, ainda que com apoios específicos; a alteração do regime de assiduidade e de frequência quer de alunos, quer de professores, no sentido do cumprimento integral dos programas e dos horários de escolaridade e escolarização; o conceito e a prática de escola a tempo inteiro, com aumento das propostas curriculares; a divisão dos professores em categorias, os titulares e os não titulares, e a correspondente modificação das condições de progressão na carreira através de um sofisticado e complexo modelo de avaliação; a alteração do modelo de gestão das escolas; a burocratização minuciosa das diligências ou actos escolares; a descentralização de actos administrativos e a partilha de decisões com mais parceiros sociais, nomeadamente autarquias e pais, mas também entidades públicas e privadas ligadas aos vários sectores da vida económica, política e cultural.

O que se pergunta é se estas mudanças, cuja legitimidade se não contesta, foram pensadas com princípio, meio e fim, estão a ser recebidas com bom esclarecimento dos interessados e se perspectivam mais justiça e mais desenvolvimento sociais. Como já deixei explícito em crónicas anteriores eu vivo estas mudanças em regime de constrangimento social, ou seja, recebo-as com cepticismo, vejo-as mal explicadas pelo Governo, constato que não foram bem arquitectadas e antevejo que os seus resultados não serão os pretendidos.

São medidas pensadas a partir de ideias «fáceis» mas tendencialmente demagógicas, quando vinculadas à função docente: a ideia de que o ensino público é uma boa resposta aos problemas da educação cívica, a ideia de que os professores têm objectivos individuais no ensino público, obrigatório, universal e gratuito, a ideia de que o mérito docente depende de um regime de quotas, a ideia de que há indicadores do ensino e da educação manipuláveis a partir da sala de aula, a ideia de que o registo burocrático conduz a mais transparência das decisões, a ideia de que a precariedade docente é uma resposta ágil às mudanças sociais, a ideia de que só as estatísticas do sucesso de ensino são indicadores de desenvolvimento social, a ideia de que as novas tecnologias são fins e não meios, a ideia de que o director é portador de liderança.

Passo a explicar tirando os exemplos de mim e dos que me rodeiam: esta divisão dos professores em titulares e não titulares foi de uma gritante injustiça, próxima da maldade: promover professores com base num currículo de sete anos foi uma acintosa crueldade de juízo: quantos professores viram os seus currículos desvalorizados só por não terem exercido cargos nos últimos sete anos! Quantos ficaram deprimidos e revoltados com semelhante injustiça! Querer agora continuar com a divisão na progressão na carreira é outra demoníaca invenção, senão veja-se: os pais e os alunos não ganham em terem professores diferentemente avaliados, o ideal é que os seus professores estejam todos em estado de boa progressão e ao mesmo nível e que as diferenças, que sempre as há, se fiquem a dever a estilos de dedicação e não a escalas de vencimento, porque as condições concretas de trabalho são iguais para todos. A classe dos professores do básico e do ensino secundário nunca precisou de categorias para ter qualidade: os professores distinguem-se pela idade e pela dedicação pessoal, pela experiência e por essa dimensão do humano que é o amor próprio e que nenhum dinheiro distingue. Na próxima crónica darei mais exemplos deste estado presente de sofrimento escolar.