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terça-feira, junho 10, 2008

Outra vez os Prolegómenos de Bento da Cruz

Foi em Montalegre, dia 9:Para quem pede e o que pede o narrador destas crónicas quando decide começá-las com esse apelo da erótica popular: ateima gato, que ela dá-to? Se apela a que ateimemos com ele, para que fim seja?

Para o fim de lhe acrescentarmos valor e ajuda à pobreza e à paixão, à paixão pela sua terra e à pobreza de estar só ou de se sentir pouco apoiado no seu jornal, Correio do Planalto, quinzenário regionalista de informação e defesa de causas próprias no desenvolvimento local, em primeiro lugar.


Num mundo de globalização, o autor quer recentrar-nos no local como ponto de partida, num mundo de fartura e de esbanjamento, o autor quer recentrar-nos na pobreza como origem de razão e num mundo de infidelidades, o autor quer recentrar-nos na paixão como estado de espírito.


Se isto nos parece pouco como programa de militância cívica, já será muito como programa de militância literária: o desafio quinzenal de entusiasmar leitores para actos de conivência em torno da terra e do amor à palavra obrigou-o ao exercício de arranjar motivos, casos, incidentes críticos, pormenores, palavras, comentários, passeios, vivências, pessoas, memórias, mil e um artifícios para o artifício de construção de crónicas, marcas do tempo sobre o tempo; ou construção de prolegómenos, disposições ou orientações propedêuticas sobre o sentido da vida e sobre o dissenso ou consenso sociais.


Como quem precisa de respirar ar livre para não morrer abafado, como quem precisa de combater os moinhos da exclusão e do obscurantismo, como quem precisa de se picar a si próprio para se sentir vivo, como quem precisa de distender as pernas para combater os excessos de posição, como quem precisa de alongar no tempo da escrita a esperança prática da finitude dos anos de vida, assim procedeu o autor para narrar, para descrever, para dialogar, para reflectir.


Diz o autor que é um cronista de um paraíso perdido, de uma terra bíblica, onde a condição de lavrador preso à rabiça do arado, descalço sobre o pó da terra, entregue às agruras do céu e do tempo, mergulhado num primitivismo de mistérios e ansioso de espiritualismo inconfessado, define a sua condição de sujeito crítico, ingénuo, problematizador, insatisfeito, vigilante. O cronista é-o com a sabedoria da idade e da experiência acumulada, é-o na lucidez dos seus limites, de passada pelos montes, de visão pelos horizontes, mas também de alcance da pena pelos areópagos dos poderes.


«Não me lixem a terra» – nesta marca da oralidade contemporânea mantêm-se os registos da escrita, tanto o da impotência pelos excessos de mal fazer, como o da satisfação pelas boas práticas de cidadania, mas mantém-se também um tom de ironia e de riso, um gargalhar de sarcasmo e de azedume, uma refinada denúncia de atropelos.

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