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domingo, março 30, 2008

Prolegómenos - Crónicas de Barroso

Trata-se de um novo livro do escritor Bento da Cruz, uma compilação das crónicas que escreveu no jornal de que é director, o Correio do Planalto, desde há uns anos a esta parte, melhor, depois da revolução de Abril.

Vou apresentá-lo na Casa de Trás-os-Montes e Alto Douro em Braga, no próximo dia 5 de Abril, sábado, à noite, depois do jantar, uma feijoada à transmontana, ementa que bem poderá ser tomada como metáfora do livro ou como alegoria das crónicas do escritor: uma combinação de pontos críticos sobre a terra barrosã, seja esta tomada como paisagem matricial, seja considerada terra de origem, seja pensada como território de afectos, quer desejada como pátria de cidadãos.

Questões de toponímia, questões de fauna e de flora, questões de energia, questões do tempo e do clima, questões de fé, histórias de gentes, casos de vida - tudo na linguagem da insídia, da corrosão, da teimosia, do sarcasmo, da ironia, da provocação de consciências e de vontades. Tudo recados com destino, tudo picadas e tacadas, tudo na conta, no peso e na medida.

O escritor regressa onde sempre esteve, ao coração da terra, da serra, do campo, da casa, da sua rua, do seu céu, da sua língua. E regressa munido de tudo quanto aprendeu a recusar... Bento da Cruz na sua simplicidade refinada!

quinta-feira, março 20, 2008

Autoavaliação I

Os vícios de forma e os erros de conteúdo

Já defendi em posições anteriores que o processo de avaliação docente não se orienta para a competência nem para a formação, mas sim para o estrangulamento da carreira profissional e para a manipulação autoritária por parte lideranças tutelares, das escolas e do Ministério, quer em termos de controle salarial, quer em termos de subserviência comportamental.

A análise da ficha proposta como guião da autoavaliação serve-me para justificar e concretizar o que acabei de afirmar. Os 14 items de orientação da observação pessoal, que tanto podem ser preenchidos numa folha A4 como dar origem a sete ou oito dossiers, enformam todos de um vício de forma e de um erro de conteúdo que deve merecer a nossa reflexão criteriosa: eles foram concebidos num pressuposto teórico de que o professor é individualmente responsável pela concepção e gestão do seu ofício ao nível da definição de objectivos, de estratégias e de actividades, ao nível da programação e da concretização. Esta ilusão de poder individual, agora tacticamente fomentada e referida pelos responsáveis ministeriais, tem passado despercebida e é quase tomada como consensual e pacífica. Pois aqui é que está o erro e aqui é que tudo se vicia.

Vejamos: o País, o Estado, o Governo, definiram e aprovaram uma Lei de Bases onde se declara que o ensino básico é obrigatório, universal e gratuito. O País, o Estado, o Governo, aprovaram os currículos escolares, definiram orientações estratégicas, sugeriram actividades e processos de operacionalização dos currículos. O País, o Estado, o Governo, aprovaram livros ou manuais escolares, distribuíram-nos gratuitamente, ou quase, por milhares de alunos. O País, o Estado, o Governo, definiram um modelo de gestão das escolas onde existe uma hierarquia de gestão dos programas, das estratégias e das actividades: este modelo de gestão assenta fundamentalmente num trabalho de grupo disciplinar, com coordenadores e sub-coordenadores que são pares entre pares, mas decorre também de um trabalho de grupo departamental, digamos assim, em que a coordenação dos objectivos, das estratégias e das actividades adquire uma visão ou representação mais transversal.

E agora pede-se ao professor que enuncie, que liste, que descreva, que reflicta, que pondere, que avalie, os objectivos individuais que traçou? Desde quando há no ensino básico, universal, obrigatório e gratuito, objectivos individuais?

Pois é, eu sei o que muitos teóricos se preparam para contra-argumentar, eu sei que me vão dizer que isto nem parece de um «criativo» como eu, mas o que parece nem sempre é. E este é o busílis da questão.

Chamem o que quiserem à nossa Lei de Bases, à nossa organização escolar, digam que ela «está toda eivada de concepçõe marxistas, basistas, grupistas e colectivistas», digam o que quiserem, mas é assim: temos objectivos definidos, temos estratégias previstas, temos actividades sugeridas, temos isso tudo nos manuais escolares que foram superiormente creditados, superiormente entre nós e entre o Estado. Quer em termos de leccionação, quer em termos de desenvolvimento de Projectos Educativos ou Planos Anuais de Actividades, somos reféns uns dos outros, a escola é o que todos são e é o que cada um faz dentro da rede em que a escola está ou jaz.

Então em termos de matrícula ou de inscrição dos alunos, onde é que pode fundamentar-se a responsabilidade individual e até a iniciativa de acção de um professor? Por acaso eu tive liberdade de escolher alunos e eles tiveram a liberdade de me escolher? Por acaso a minha escola teve alguma vez liberdade de escolher alunos? O facto de eu ser o controleiro da assiduidade e da pontualidade discentes confere-me responsabilidades para além dessa intervenção?

Não tenho quaisquer ilusões sobre as consequências epistemológicas destes actos de análise da linguagem que veicula o processo de avaliação docente. Nem tenho quaisquer ilusões de que fomos nós, os professores, os que mais contribuímos para que as «evidências» se banalizassem e sobre elas se erigisse este discurso de avaliação. Mas o que faz dizer à personagem «que o rei vai nu» não é só o facto de se ser ingénua ou criança, é também o facto de a criança sentir a pressão de que a querem abater.

Precisa-se de afirmar a responsabilidade da criação individual para depois a estrangular salarialmente, precisa-se de afirmar a autonomia pessoal para depois lhe vergar a cerviz num processo de avaliação totalitário? Ora aí está então essa precisão em todo o seu esplendor.

sexta-feira, março 14, 2008

Escola: procura-se!

Depois da manifestação dos professores em Lisboa, na qual não pude estar presente, mas com a qual estive solidariamente sintonizado, dei comigo a pensar em muitas coisas e de muitas maneiras, umas a propósito das multidões, outras a propósito dos indivíduos, umas a desejar a chegada dos ministros a becos sem saída, outras a recear a saída dos manifestantes para avenidas sem destino, umas a desejar transformações radicais do sistema de avaliação, outras a recear reformas fictícias dos processos de a fazer, umas a querer berrar, outras a querer esquecer, mas todas elas a desaguarem sempre num mesmo assunto: que escola ou que tipo de escola pública é que se pretende mudar? Onde está prevista desaguar toda a excelência desejada em educação? Para que é todo este sururu? Afinal o que é que está em jogo e em causa? O Estado quer mudar a escola pública, o Estado quer mudar a educação, o Estado quer mudar os professores, para chegar a que tipo de escola?

Pouco a pouco fui juntando as peças e considerei que as respostas a este perguntar contínuo me estão a ser dadas todas na mesma direcção:

  • O Estado quer professores mais baratos ou menos caros, por isso é que pretende introduzir quotas e estrangular acessos a carreiras;
  • O Estado quer a escola funcionar a tempo inteiro, cheia de actividades curriculares e não curriculares, cada vez menos disciplinares e cada vez mais de entretenimento porque os jovens estão impedidos legalmente de trabalhar;
  • O Estado quer os alunos em passagem de ano sem percalços, com todos os tipos de apoio possíveis e imaginários, sem recurso a repetições porque estas encarecem o sistema;
  • O Estado não quer implementar exames nacionais;
  • O Estado quer entregar a gestão das escolas às autarquias;
  • O Estado quer acabar com a eleição de gestores administrativos e pedagógicos e instalar o sistema de direcção unipessoal;
  • O Estado quer ver-se livre da escola pública enquanto sistema centralizado de administração;
  • O Estado quer a escola traduzida numa estatística de leitura sempre positiva e crescente.
Para estas reformas se consolidarem na opinião pública o Estado desencadeou um processo de argumentação que parece consensual e harmonizador e que consiste nesta ideia peregrina de que é moderno entregar as escolas à comunidade de pais e de autarcas e de representantes da sociedade.

Para estas reformas se consolidarem no imaginário popular o Estado induziu essa ideia peregrina de que basta uma pessoa para gerir a escola.

Para consolidar este arrazoado de argumentos nos vários parceiros sociais, o Estado deu a entender que a descentralização é uma ideia de bem e de que a autonomia é uma competência de acesso universal.

Mas como estas ideias estavam a empancar, o Estado descobriu a origem do mal e decidiu cortá-lo pela raiz, os professores, primeiro inferiorizando-os e desconsiderando-os, depois acusando-os de forças de bloqueio e de improdutivos. Não faltaram vozes a alinhar neste sermonário de fustigação e nem faltaram arautos a descobrir vitupérios de injúria e de provocação, alguns deles arregimentados ou a soldo de benefícios, outros atirados para o bulício por recalcamentos de escolarização. Os ajustes de contas andam em roda livre e vão continuar.

Mas da escola não se fala e provavelmente eu andarei com macaquinhos na cabeça. Mas que eu vejo nisto um eugenismo social com secretariado de propaganda, isso é que me parece de maior evidência. Já clamei por Francisco Sanches e por Descartes para que me ajudem a duvidar antes de mais de mim próprio, mas que vejo tudo a apontar para a descoordenação, lá isso vejo, que eu vejo uma fúria de mudança que vai limpar a casa e as mobílias e as pessoas e as crianças, lá isso vejo, que eu vejo uma ganância de desordem, lá isso vejo, que vejo uma ansiedade de barateza, lá isso vejo, que eu vejo uma ambição de incompetência, lá isso vejo.

Eu pensava que a problemas diferentes se deveria responder com soluções diferentes, mas vejo tudo a ir pelo mesmo ramal de escoamento: um só tipo de escola, um só tipo de horário, um só tipo de professor, um só tipo de poder, e tudo o mais pelo menor custo e até de borla.

Há dias eu ouvi que foi nomeado um importante gestor para arrumar uma casa pública na área das estradas e que esse gestor teria visto triplicado o seu vencimento, mas provavelmente deve estar a ser ajudado por uma quantidade de cidadãos anónimos representantes dos interesses envolvidos e sem custos para o consumidor final; até já ouvi dizer depois que o estilo de gestão de tal gestor é o exercício do medo como forma de governo. O medo inspira palavrões e o ápodo de «fascistas» já se ouviu na terra fria.

Eu devo estar mesmo a pensar mal. Vou pedir apoio ou tutoria. Sempre haverá professores com mais traquejo.

sábado, março 08, 2008

A marcha da indignação: uma corrente de esperança!

Hoje celebramos o Dia Internacional da Mulher e eu quero aqui lembrar-me quanto dependo dela e quanto lhe procuro dar de mim e do que sei, na certeza que mais recebo e nem sempre agradeço e de que mais cobro exigindo agradecimento, numa representação desmedida de papéis e de funções, dentro de um quadro de relacionamentos que tem vindo a ser equilibrado pela história, mas que ainda pende para um dos lados quando é submetido a formas de pressão ou a modismos de tendência, gerando reféns e vítimas, mais ela do que eu, ela mulher e eu homem, que esta divisão ainda a tenho por natural.

Hoje é também um dia em que os professores se juntam em Lisboa, capital do reino, para que «acudam aos mestres que os matam sem por quê», como li num sugestivo, pertinente e certeiro texto de meu colega António Mota, dando conta, nesta paráfrase recriativa de Fernão Lopes, das arbitrariedades legislativas do Ministério da Educação.

Hoje é um dia de combate por uma ideia de escola pública, com os professores em primeiro lugar como seus imprescindíveis e fundamentais intervenientes e com estes a desejarem que os outros parceiros se não arvorem em paladinos de causas fáceis e de resultados duvidosos.

Sou a favor da liberdade de ensino, mas gostava que os pais e os alunos optassem pela escola pública por saberem que ela não é a solução mais económica nem a mais fácil, mas que é a melhor e a mais eficaz. Digo isto desejando os mesmos valores para as escolas particulares.

Lançar para o ar essa argumentação de que a escola pública está falida, que é um modelo de ensino desactualizado e sem rumo ou sem préstimo para o futuro dos jovens e dos cidadãos de amanhã, que não lhes desperta o interesse e a animação, foi chão da crítica de vários intervenientes nos últimos e frequentes programas televissivos, quase sempre conduzidos facciosamente. De vez em quando sai da elite intelectual uma tirada destas e a gente fica a pensar, pois parecem baseadas no facto de hoje a juventude estar a demonstrar outras apetências de saberes e de habilitações que a escola não consegue sustentar. Pura ilusão esta, mas fica bem dizê-la para provocar um debate, só que não dá em nada. De vez em quando os formados e os gestores e os intelectuais e os dirigentes e os políticos esquecem-se de tudo quanto devem à escola e mandam para o ar estes apocalípticos dislates que nada resolvem. A escola existe para ensinar a pensar e a desenvolver potencialidades, o que significa que ela é na sua essência plural e não única ou de um sentido só.

Idêntica, mas sintomaticamente mais provocadora, muito na moda desse tique discursivo sobre a escola desactualizada, é essa representação de que hoje os jovens fazem três coisas ao mesmo tempo, vêem televisão, jogam playstation e ouvem Ipod, como se isso fosse a demonstração de capacidades e não de distracções, como se isso fosse a representação de genialidade e não da mais inteligente vitalidade da preguiça e do distendimento de meninges. Até se podem acrescentar outras tarefas que os jovens ainda conseguem realizar ao mesmo tempo que ouvem música, vêem televisão e jogam, como seja comer e falar e ir à casa de banho, que a simultaneidade é sempre uma questão de perspectiva, só que não é por isso que se deve tornar assunto escolar ou base para construção de currículos.

Estas bocas sobre a falência da escola são a fruta do tempo e dos debates, mas não passam de bagatelas sintomáticas sobre os distúrbios do nosso mundo. Eu sou dos que pensam que a escola não está a falhar e não é ela que tem de fazer tudo, ela cumpre o seu papel e a sua missão e só não faz melhor porque não deixam, não a querem avaliar com rigor e querem que ela se dilua em burocracia estatística e matérias de banalidade. A escola requer estudo e o estudo requer tempo e o tempo requer muito autocontrole de boca e de estômago: campeia a demagogia das metáforas e a simbologia das miragens, como esssas da devolução da escola às comunidades, da sua gestão em estilos empresariais, da inspiração eficaz de lideranças, das quotas de mérito e da ocupação intensiva dos horários.

Em Lisboa corre um rio de águas indignadas. Que se não perca!

segunda-feira, março 03, 2008

Começar de novo!

29 de Fevereiro foi dia para quatro anos e a noite foi noite para novos dias, assim o espero, sem ilusões e sem queixumes, enquanto a conversa for dando frutos.

A imagem mostra o que o meu telemóvel conseguiu, naquela Praça do Município Bracarense que se encheu de luzes e de vozes, sexta-feira à noite.

Já não frequentava manifestações desde o ano de 1978, data em que entrei para estágio pedagógico e data em que saí, por expulsão, do único partido em que militei as horas mais perdidas e as mais imerecidas, porventura só as mais ganhas em experiência pessoal.

Fui sempre sócio do mesmo sindicato de professores, o SPZN. Continuo.

Tenho empenhado a liberdade em causas erráticas, tenho gasto o corpo em projectos provisórios, tenho ganho o salário na escola.

Na escola fiz de tudo: delegado ou coordenador, director de turma, orientador e supervisor, membro do CE, membro e presidente da AE, membro do CP. Passei em todas as avaliações e sistemas que para o mesmo efeito se conjugaram.

Começar de novo é um apelo pessoal e neste caso quererá dizer que o futuro na escola se deverá pautar pela sua redução ao essencial, naquela perspectiva em que António Nóvoa falou de a diminuir, emagrecer, mingar, para ser mais eficaz, e naquela perspectiva em que António Gedeão a recordou como sendo sempre palco e território dos mesmos problemas, das mesmas queixas e dos mesmos resultados, esses mesmos de estarmos sempre aquém e a dizer mal de nós.

Até aqui, e aqui é este pressuposto de que um Governo qualquer, mas este desde logo que tanto nos zurziu, até aqui nós dispusémo-nos a tomar todas as iniciativas e a desenvolver todas as actividades para animação do espaço escolar, alcançando meca e seca, porventura perturbando mais do que aproveitando. Não faltaram nem a imaginação nem a irreverência, nem o excesso nem a preguiça.

De aqui para a frente, a escola será um palco de brilhos sociais, políticos e administrativos, uma roda viva de interesses locais e regionais, um desfibrilhador de trombosias. Será, se entretanto o «impraticável monstro» se instalar e for avante, seja na gestão, seja na avaliação, seja no ensino especial, seja no ensino artístico.

Se me perspectivo a trabalhar para um chefe, interrogar-me-ei sobre o meu ponto de partida, imaginarei a partir do irredutível da função os limites das propostas e terei mais que nunca em conta que aos alunos só interessarão as actividades que decorrerem do currículo a que se obrigam nas áreas disciplinares.

Não está em causa não cumprir ou cumprir com lassidão de propósitos e má catadura de rosto.

Está em causa fazer, com toda a estratégia que um fazer deve pensar para ser eficaz.

Mantenho a disponibilidade total para formar os novos, assim precisem eles da memória de quanto fiz e vi fazer.

Nota: eu fui daqueles que não gostei que um célebre professor de literatura tivesse chamado às «ciências da educação» ciências ocultas, mas que ele sabia o que disse e do que eu verifiquei, disso darei testemunho.