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sexta-feira, dezembro 26, 2008

Bodas de Ouro

(Foto tirada no Verão em Coimbra, mas que faz aqui o sentido de mostrar o casal que celebra 50 anos de casamento, as Bodas de Ouro, dia 27 de Dezembro, em Cabeceiras de Basto: o Guilherme Pereira de Magalhães e a Maria Augusta, ambos professores aposentados, com três filhos e já com netos, com casa em quinta na Faia, Arco de Baúlhe. A Tininha, minha esposa está à direita de quem vê e eu ainda mostro um braço; naquele momento pestiscávamos qualquer posodoria discreta e aguardávamos...)

Seremos bastantes na homenagem e na celebração festiva, mas eu fiquei encarregado de «implicar» por três, a minha própria pessoa, o meu compadre João Alves Dias e o meu amigo Manuel Duarte, porque nós os três fizemos estágio pedagógico com o Guilherme e mais dois colegas, o Campos e o Manuel Ribeiro, na Escola preparatória Diogo Cão em Vila Real no ano lectivo de 1976/77. Eu era o mais novo dos seis e o Guilherme o mais velho. Tivemos como orientadoras, de Português e de História, duas colegas professoras, novas no jeito e na efervescência didáctica, empenhadas e dedicadas, hoje inseridas no nosso círculo apertado de amizades e de referências curriculares, a Fátima Picão e a Helena de Deus. Foi um ano em que nós os seis homens decidimos deixar crescer bigode, para igualitarismos de gestualidade labial e balizamento externo da palavra. Do grupod e estágio, estaremos os três disponíveis. Fui encarregado de compor um «soneto» - a solução clássica - e aqui o deixo à consideração de todos.

Bodas de Ouro


A vossa história é fio condutor
Dos filhos, dos amigos, dos vizinhos;
E quem de vós conversa nos caminhos
Conclui que as vossas rugas são de amor.

Em Deus, o vosso impulso criador,
Acumulou trabalhos e carinhos,
Achou sentido às rosas e aos espinhos
E consagrou em pão todo o suor.

Depois de tantos anos, o futuro
Está nesta esperança de infinito,
De toda a vossa prole e descendência,

A quem deixais o exemplo humilde e puro
De amor, dedicação e sacrifício,
Valores essenciais da existência.

José Machado, Dezembro de 2008

terça-feira, dezembro 16, 2008

Meu rapaz!

Foi tirada no Nariz do Mundo, em dia ensolarado, mas frio, depois de almoço. A madrinha e o afilhado, o nosso Zé Carlos, pode ser a legenda mais acertada, dado que não se vê quem os rodeava e quem lhes elogiava o gesto, pai e mãe e irmão e cunhada e amigos do peito.
Fôramos ali para celebrar anos e encontros, nós, um grupo de gente que se ensarilhou com trabalhos e com dores, como se a roda da fortuna andasse à vez a escolher-nos para nos dobrar a espinha. Encostamo-nos uns aos outros e passamos, cheios de relatos de desânimo, mas aquecidos pela vontade de viver. Valemo-nos, com a esperança de resistir à dor. Temos um sentido demasiado sagrado da nossa fraqueza, mas ainda nos serve como horizonte de palavra e como limite da provação.

Penso em ti todos os dias
e sinto a corrente da montanha
O céu é azul e a luz entranha
as sombras fugidias
do inverno

O rosto é um refúgio
guarda-te a coragem
O vento sopra e o búzio
repete a linguagem
do eterno

Força, meu rapaz!

quinta-feira, dezembro 04, 2008

Poema de Natal

(Foto do Paulo Almeida, em Raiz do Monte)

Para todos os amigos e leitores deste blogue, com os votos de aumento de uma rede de afectos e de solidariedade, mas também de uma rede de pensamentos críticos e de ajudas interventivas, com música, com festa e com esta ideia peregrina de aproveitarmos bem o nosso presente, aqui deixo o meu poema de Natal, inspirado no cinema.


O Filme de Natal

Cá estamos nós, Natal após Natal,

Revendo o velho filme de acção

Que o Tempo realizou, na presunção

De ser o mais antigo e original.

As mesmas personagens, num curral,

Dão conta do enredo que o guião

Dispôs, sem permitir variação

Na fala, gesto ou pose pessoal.

O filme é mesmo assim, sem intervalo,

Projecta-se em contínuo movimento…

Quem quer pode esquecê-lo ou retomá-lo.

Natal após Natal, o filme ajuda

- É tudo uma questão de encantamento -

A visionar diferente o que não muda!

Com os votos de Boas Festas e de um Santo Natal,

José Machado e Tininha, Braga, 2008

terça-feira, dezembro 02, 2008

Cai neve na natureza e cai no meu coração!

Foi minha irmã Paula quem me enviou a foto da neve no nosso quintal de Raiz do Monte, onde temos os pais a viver. O caminho vai da loja no rés-do-chão para os arrumos da lenha e para o portão de entrada dos carros, ali junto a um castanheiro centenar. Foi no domingo, dia 30 e foi uma nevada em grande pelo que meu pai contou. Eu estivera lá na sexta-feira, dia 28, quando a neve começou a cair e a acumular. Saí já noite para me ir encontrar com amigos a caminho de Viseu, com a ideia de apanharmos a azeitona de outros amigos, ainda que logo soubéssemos que a chuva e o mau tempo estavam previstos para fazerem da jornada de trabalho uma ocupação de cozinha e mesa, o que de facto aconteceu. Próximo de Castro Daire, a neve queria tapar a estrada e estava a consegui-lo, depois soubemos que o fez pela noite fora; em Viseu chegou a querer pegar, mas a chuva contrariou-a. Ficou fria nas oliveiras, de engrunhar os dedos nas poucas azeitonas que apanhámos para curtição. Foi nevada que me fez lembrar a meninice em Jales, naquela ocasião em que ficámos 15 dias isolados de tudo e de todos, sem pão e sem vinda de vendedores. Minha mãe afligiu-se de morte, meu pai subiu ao telhado para aliviar as telhas, todos abrimos rotas de casa para as cortes dos porcos e galinheiros e das casas para o tanque onde íamos à água, de casa para os escritórios da mina, dos escritórios para as oficinas e para os poços de descida e subida de mineiros e minério. Éramos miúdos e ficávamos tapados nos caminhos. Nas cordas, dentro de casa, das portas para o fogão e por sobre a braseira, era só meias e meiotes, camisas e camisolas, tudo a secar. E nós naquele suadoiro de gozar a neve, entra e sai de casa, patanha tudo, molha tudo, encharca, escorre, tira a roupa para não esfriar no corpo, veste outra e toca a jogar a neve. Descalços nos socos, lembro-me de pés e rostos de amigos, quentes como fogo, que assim ficavam as mãos depois de tanto pegar na neve. E a neve branquinha que se bebia para matar a sede, e a neve que se agarrava aos socos e às botas e dava para crescer uns palmos, e a neve que se enrolava em bolas para bonecadas, e a neve que se tirava à terra para atrair a passarada às ratoeiras. E aqueles chupa-chupas dos pingantes de gelo nos beirais dos telhados! Triste, na nevada, era ficar doente e ver tudo da janela!

Hoje é quarta-feira, dia 3 de Dezembro. Faço greve, na impossibilidade de assentar duas lostras virtuais em quem me apetecia. Ficam dadas. E outras tantas prometidas, que mentirosos não se curam a bate-papo democrático e ao mais devia ser essa a via da lucidez. Perdi-lhes o respeito, aos que mandam e aos que mandam mandar, tão pouco o tiveram comigo, prepotentes, iníquos de verborreia e mesquinhez. P'ra eles, que feda!

sexta-feira, novembro 21, 2008

Para um amigo especial

Amigo, colega

O tempo te fez denso aos olhares
Dos companheiros, grandes e petizes,
Uns e outros provando-te, felizes,
A franqueza dos actos escolares.

Da Pátria, errante, sabes os lugares
Onde acolheste modos e raízes,
Que o teu perfil espelha no que dizes,
Ou fazes, com histórias e cantares.

Um companheiro assim jamais se esquece,
E dele se espera o lume da virtude,
Quer seja para a cor da juventude,
Quer seja para a gente que envelhece

Com este alento vivo na vontade
De o teu futuro estar na flor da idade!


José Machado / Novembro / 2008

segunda-feira, novembro 17, 2008

Há que expulsar o diabo!

1. A história da ponte da Misarela anda associada ao desejo de fugas e travessias, no antanho para um pobre homem que fez pacto com o diabo, em tempos idos para as grávidas com suspeição do parto, há pouco tempo para a retirada humilhante do general Soult, mas hoje para quantos se metem por atalhos e querem depois atravessar declives em segurança. Veio-me a ponte à memória e fui buscá-la para ilustrar a presença do diabo no meu caminho. Apareceu-me ontem na TV, estava eu de quarentena por gripe exacerbada, e ele ali na pantalha, com destaque identitário de secretário de estado, mas penteado e vestido a modos de vilão enfatuado, de cabeleira grisalha encaracolada, gravata arroxeada, jeito de catecúmeno extremo, a explicar que eu não lera nem soubera interpretar o que ele e sua equipa dispuseram sobre as faltas dos alunos. Ó mentiroso de boca cheia, que te caíssem os dentes e te fugisse a carapinha e eu não me daria por vingado. Ao que isto chegou! É preciso ter lata. Já não bastava que o chefe mentisse, agora mentem todos para nosso espavento televisivo. Perdi-lhes o respeito! Vão de retro!

2. (Reproduzo aqui a minha última crónica na Rádio Francisco Sanches, programa do meu Agrupamento, aos sábados, na rádio Antena Minho, das 11.00 às 12.00 horas. «Cascas e aparas» de 15.11.08))

Se no programa anterior me fiz virtual em Lisboa, este fim-de-semana, não obstante ir tocar e cantar a uma festa de professores, lá voltarei em espírito, num acto de solidariedade com todos os professores que andam movidos à contramão dos sindicatos. Eu sou sindicalizado no SPZN, sou o sócio 15250 desde que me conheço como professor. Já estive para sair, mas mantive-me por razões de fidelidade a causas gastas, mas iniciais da minha vida, mantendo este feitio por birra comigo próprio e que se traduz em custar a despegar daquilo que comecei. Se calhar é por via deste princípio que nunca quis sair da escola Francisco Sanches, se calhar é por força deste princípio que só militei no partido que me expulsou e com o qual colidi, se calhar é por via deste princípio que não me divorcio de quem amo, se calhar é por força deste princípio que estou na Casa de Trás-os-Montes e estou no Grupo Folclórico dos Professores, agora Associação Cultural e Festiva «Os Sinos da Sé», se calhar até é por via deste princípio que sou heterossexual, e cristão, e pobre.

Em tempos, esse provérbio, que foi sabiamente glosado pelo cidadão político Mário Soares, de que «só não mudam os burros» deu que falar e hoje mesmo continua a ser útil para explicar a evidência dos vícios, embora nunca haja casos que o esgotem, porquanto sempre haverá burros que preservem a sua identidade e façam disso o seu orgulho de parada. Eu estarei em algumas matérias neste patamar de orgulho por identidades perdedoras, mas ainda referenciais dos meus valores. Cá me vou aguentando, não sem sofrimento.

Por falar em sofrimento, retomo o ponto de partida, o de estar em Lisboa hoje à tarde a trocar miúdos e graúdos sobre a avaliação dos professores. O que sobrou das conversas depois da última manifestação? Sobraram as posições irredutíveis, sobraram as declarações de princípio, sobrou essa sabedoria popular de verificar que é gastador de sabão lavar cabeça de burro. Estarei a chamar burro a alguém sem me dar conta se disser que a teimosia de um modelo impraticável para avaliar professores é do foro da paranóia política, como estarei a chamar burro a mim próprio se disser que ainda não estudei o suficiente para descobrir as virtualidades desse mesmo modelo de avaliação.

Haja alguém que me explique o que devo andar a perder por não perceber coisas tão evidentes como essa descoberta recente de que sou eu o autor dos meus objectivos de ensino, eu que sempre pensei que cumpria programas curriculares definidos por lei, essa lei de que o primeiro ministro nos quer escravos; haja alguém que me explique que agora uma aula se prepara a partir dos objectivos do projecto educativo e depois do projecto de actividades e a seguir do projecto curricular de turma e só depois do programa da disciplina que lecciono, o Português; haja alguém que me explique que eu devo anunciar no princípio do ano que vou chegar ao fim do ano sem que nenhum aluno me abandone; haja alguém que me explique que eu fiz um estágio pedagógico, que eu fiz exame de acesso ao 8º escalão, que eu requeri um júri externo para me avaliar, que eu fiz um mestrado para progredir na carreira mais depressa, que eu fui «promovido» a professor titular e que nunca, já lá vão trinta e quatro anos, nunca fui avaliado; haja alguém que me explique que eu sou o único responsável pelo sucesso escolar dos meus alunos; haja alguém que me explique para que é que eu devo perseguir o excelente se o excelente está ao arbítrio das quotas do Governo.

E poderia continuar por aqui. Chega. Duas coisas quero que saibam: a avaliação dos professores não é um papão, mas transformou-se num monstro, porque serviu que nem uma peneira para tapar esta política de ataque ao estatuto dos professores, introduzindo-lhe todos os factores que agora são requeridos para a fácil contratação, o fácil despedimento, a fácil obtenção de resultados. Essa é que é essa e num modelo de sociedade onde tudo parecia ser jogo de bolsa ou técnica de marketing, só faltava dar o salto das estatísticas para chegar aos lugares da frente. No fim deste ano lectivo tudo estará consumado, pois não havendo insucesso escolar, fica tudo resolvido. Só que está a crise à porta, o desemprego, a falta de trabalho e de dinheiro e então saberemos o que valeu a escola. Hoje, como no passado sábado, os professores pagam caro uma ousadia de esperança.

terça-feira, novembro 11, 2008

As boas obras fazem-se de nuvens

Foi meu irmão António quem me enviou esta fotografia e julgou ele que bastaria eu vê-la para lhe achar sentido neste estaleiro de palavras. Supôs ele que o céu pudesse dizer-se em construção e enviou-ma com o cuidado de me prevenir contra o desleixo e a incúria, o que lhe terá ocorrido por me ter visto repetir a foto dos gravetos e cepas no texto anterior. Ou ter-ma-á recomendado por via das questões abordadas, essa intrincável gorjeada sobre a avaliação dos professores, matéria já quase insuportável a um observador distraído, que os atentos desviam-se dela sem saber de quê, a menos que lhes valha algum sentimento de solidariedade com familiares e amigos, ou que sejam do mesmo ofício de insubordinados. E todavia a fotografia mexeu comigo e envolveu-me nessa teia de estar o céu em obras para sustentar de terrenos e lotes as apertadas precisões da própria terra. As gruas prestam-se a esta ideia de liberdade, depois de servirem como tenazes da servidão. Fazem-se castelos nas nuvens e desfazem-se as nuvens nos caboucos dos castelos, o sarilho é a mania das grandezas não arranjar lugares de sossego. O mote foi bem dado e o efeito resultou. O céu ameaçador parece o desafio das gruas, só falta saber das razões para se mostrar tão negro. Quem ergueu as gruas deverá responder. Foram elas para que obra de exemplo e função? Para que torres de espanto as predispôs o governo da terra? Em que nuvens se imaginou o ministro das mesadas? De que orgulhosa altura se quis medir a tutora das escolas? Agora nem o céu cai, nem a obra avança. Tudo se ergueu só para se ver assim. É este o princípio dos pesadelos. Vou comprar um elefante para oferecer aos príncipes do meu reino.

domingo, novembro 02, 2008

O que nasce torto

(Imagem feita em Gestaçô: são videiras partidas, é lenha para as lareiras, é tudo paus tortos e mal amanhados, mas de muito préstimo; cabrito assado em lume destes paus é de não esquecer! JM)

O simbólico da vinha é servir a vida em todas as dimensões. Não há parte nem todo que limite este poder simbólico da «cepa torta». Por isso, aqui me serve.

Volto ao tema anterior, agora para fundamentar a tomada de posição sobre a inutilidade das ideias «fáceis» em matéria de avaliação docente. De facto, à primeira vista, parece óbvio que o professor tenha dos seus alunos um apanhado estatístico com os seus resultados. Parece óbvio, mas não é. A caderneta do professor acumula dados e vai-os organizando à medida que deles precisa para o quotidiano; de vez em quando, no fim dos períodos, as sínteses ocupam a página. Mas o tratamento estatístico sempre foi obra para trabalhos suplementares, mesmo quando tirado do computador, naquela simplicidade primária das bases de dados disponíveis. Quem sabe se não se inspirou nessa simplicidade o legista que previu a seguinte tarefa na avaliação docente:

A ficha individual de cada professor deve conter: os resultados do progresso de cada aluno nos 2 anos lectivos da avaliação (por ano, por disciplina); a evolução dos resultados dos alunos face à evolução média dos resultados (dos alunos daquele ano e daquela disciplina, dos mesmos alunos no conjunto das outras disciplinas); os resultados dos alunos nas provas de aferição; outros dados que permitam comprovar o progresso dos resultados, a redução das taxas de abandono e outros dados sobre a apreciação do respectivo contexto sócio-educativo dos alunos.

Agora é só fazer as contas: um professor pode ter uma turma de 24-27 alunos, como pode ter três ou quatro ou cinco turmas de 28 alunos. É mesmo só fazer as contas!

Para que serve uma tarefa destas, independentemente de se saber quanto tempo demora a executar e quanto papel gasta? Que interesse tem um aluno em saber se o seu resultado final é fruto de semelhante acerto de contas? Que interesse terá um pai ou encarregado de educação em semelhante esforço numérico para perceber o insucesso do seu educando? Os dados a considerar do «contexto sócio-educativo dos alunos» deverão ser quais? Declarações de impostos? Atestados da Junta de Freguesia? Participações em programas de TV? Rol de confessados? Amantes, vinho, drogas e vícios?

A simplicidade do óbvio - o aluno que estuda e o aluno que não estuda - precisam de quantas operações numéricas? E não digo mais nada!

Donde veio esta «luminosidade» de avaliação docente? Quem a pariu baseou-se em quê? Nas capacidades computacionais dos Magalhães?

Quem pensou que a avaliação docente deveria passar pelas estatísticas do sucesso educativo partiu da banalidade para chegar a lado nenhum. Partiu da banalidade porque de facto a intenção prática de obter o sucesso educativo de todos os seus alunos é o que menos custa a pensar a um professor, e é o que mais lhe interessa fazer. E a prova provada que semelhante exercício não chega a lado nenhum foi dada pela recente proposta do Conselho Nacional de Eeducação de que os alunos não devem ser retidos durante a escolaridade básica.

Estou a dizer que a estatística não interessa? Não, interessa e deve ser praticada por quem a quiser explorar para trabalhos sobre o sistema educativo, de preferência investigadores externos ou internos, com o devido e necessário distanciamento das fontes de informação e dos interesses instalados.

Mas digo e reafirmo que, para a qualidade de um professor, este trabalho estatístico não acrescenta um micro de formação. Até pela inutilidade de comparação entre alunos que está na sua base, até pelas «manipulações» sociológicas que pode induzir, até pela irrelevância destes dados no percurso escolar de qualquer aluno: a menos que haja quem guarde o portefolio dos resultados do aluno para lhe atirar à cara um dia que chegue a ministro da educação ou a secretário de estado!

A próxima ideia«fácil»: a vertente ética da avaliação docente vale quanto?

sábado, novembro 01, 2008

Todos os santos e todos nós

(Imagem de um cruzeiro. JM)

Hoje é dia de Todos os Santos, o que pode querer significar que é o dia de nos lembrarmos de nós no futuro, nesse merecimento do estatuto de santos ou exemplares, utopia que pode parecer sobranceria despropositada, mas que é possível de acontecer. É essa a esperança dos justos, é esse o caminho da humildade, é esse o lugar por inteiro da cidadania, acrescentada dos valores próprios da revelação cristã. A este dia segue-se a comemoração dos Fiéis Defuntos, ou seja, a memória de quantos já nos antecederam na morte e cujas obras nos servem de referência. Estes dois dias são todos os dias da nossa vida, ocorrem em contínuo devir, definem a nossa condição de pessoas no mundo. Se um se assinala como festivo e outro se marca como fúnebre, se num exprimimos a euforia da vida e noutro a depressão da morte, nessa mesma razão eles são princípio e fim de nós mesmos, simbolicamente ajustados à nossa síntese de humores ao longo da vida.

Daqui passo para outro assunto, devido à simbologia do dia e à profusão de «candidatos a santos».

Um Governo democraticamente eleito tem o direito de implementar as políticas da educação que submeteu a sufrágio ou que perspectivou no seu programa. Neste sentido, o actual Governo apostou decididamente em algumas mudanças de organização da vida escolar, umas mais discretas que outras, mas todas de algum modo com diferenças substanciais em relação a tentativas anteriores. Algumas dessas mudanças: a inclusão nas escolas de maior variedade de modalidades de conclusão dos cursos básicos, os chamados cursos de educação e formação, os percursos curriculares alternativos, os cursos profissionais, as novas oportunidades; a inclusão de alunos com necessidades educativas especiais em ambientes escolares ditos regulares com as mesmas condições de frequência, ainda que com apoios específicos; a alteração do regime de assiduidade e de frequência quer de alunos, quer de professores, no sentido do cumprimento integral dos programas e dos horários de escolaridade e escolarização; o conceito e a prática de escola a tempo inteiro, com aumento das propostas curriculares; a divisão dos professores em categorias, os titulares e os não titulares, e a correspondente modificação das condições de progressão na carreira através de um sofisticado e complexo modelo de avaliação; a alteração do modelo de gestão das escolas; a burocratização minuciosa das diligências ou actos escolares; a descentralização de actos administrativos e a partilha de decisões com mais parceiros sociais, nomeadamente autarquias e pais, mas também entidades públicas e privadas ligadas aos vários sectores da vida económica, política e cultural.

O que se pergunta é se estas mudanças, cuja legitimidade se não contesta, foram pensadas com princípio, meio e fim, estão a ser recebidas com bom esclarecimento dos interessados e se perspectivam mais justiça e mais desenvolvimento sociais. Como já deixei explícito em crónicas anteriores eu vivo estas mudanças em regime de constrangimento social, ou seja, recebo-as com cepticismo, vejo-as mal explicadas pelo Governo, constato que não foram bem arquitectadas e antevejo que os seus resultados não serão os pretendidos.

São medidas pensadas a partir de ideias «fáceis» mas tendencialmente demagógicas, quando vinculadas à função docente: a ideia de que o ensino público é uma boa resposta aos problemas da educação cívica, a ideia de que os professores têm objectivos individuais no ensino público, obrigatório, universal e gratuito, a ideia de que o mérito docente depende de um regime de quotas, a ideia de que há indicadores do ensino e da educação manipuláveis a partir da sala de aula, a ideia de que o registo burocrático conduz a mais transparência das decisões, a ideia de que a precariedade docente é uma resposta ágil às mudanças sociais, a ideia de que só as estatísticas do sucesso de ensino são indicadores de desenvolvimento social, a ideia de que as novas tecnologias são fins e não meios, a ideia de que o director é portador de liderança.

Passo a explicar tirando os exemplos de mim e dos que me rodeiam: esta divisão dos professores em titulares e não titulares foi de uma gritante injustiça, próxima da maldade: promover professores com base num currículo de sete anos foi uma acintosa crueldade de juízo: quantos professores viram os seus currículos desvalorizados só por não terem exercido cargos nos últimos sete anos! Quantos ficaram deprimidos e revoltados com semelhante injustiça! Querer agora continuar com a divisão na progressão na carreira é outra demoníaca invenção, senão veja-se: os pais e os alunos não ganham em terem professores diferentemente avaliados, o ideal é que os seus professores estejam todos em estado de boa progressão e ao mesmo nível e que as diferenças, que sempre as há, se fiquem a dever a estilos de dedicação e não a escalas de vencimento, porque as condições concretas de trabalho são iguais para todos. A classe dos professores do básico e do ensino secundário nunca precisou de categorias para ter qualidade: os professores distinguem-se pela idade e pela dedicação pessoal, pela experiência e por essa dimensão do humano que é o amor próprio e que nenhum dinheiro distingue. Na próxima crónica darei mais exemplos deste estado presente de sofrimento escolar.

domingo, outubro 26, 2008

Vindimas, lagaradas e objectivos pessoais

(A fotografia foi tirada por meu irmão António, antes das vindimas, captando vinhas de Nogueira, Vila Real, terra natal de meu pai.)

Dizia meu pai, agora diz meu primo Jaime que é viticultor, mas também se lê o mesmo nos jornais, que os planos do agricultor nunca deram certos com o tempo: ganhos e perdas foram sempre difíceis de prever, são sempre difícies de prever. Ironicamente ou não, porque o tempo arrasta mais o desespero para o passado, tanto se fala da pobreza quando os proveitos são poucos, como se fala dela quando as pipas estão cheias e o vinho não se escoa, não se vende. Estas conversas têm o condimento da crise que se instala, são recorrentes, mas são contundentemente reveladoras. Talvez por isso eu as traga agora para outras vinhas e outras paragens, as da escola, as da minha profissão de professor.

Querem que eu cave a minha própria cova, a trace à medida de mim mesmo e a deixe receptiva às quotas funerárias do poder central. Querem que eu saiba de mim mesmo quanto possa prever que faça e quanto seja capaz de medir em termos de promover sucesso e estancar abandonos ou desistências de alunos. Querem que seja eu a preparar os documentos: a copiar e a transcrever objectivos de uns lugares para os outros, sejam eles já velhos e revelhos dos programas, estejam eles já postos e repostos em manuais de seguimento obrigatório e pagos pelo Estado, sejam eles já digeridos e redigeridos em actas, relatórios de inspecção e outros documentos que tais. Querem que eu conceba extensas listagens de parâmetros balizadores da minha acção docente para outros depois irem espiolhar as minhas aulas e verificarem que não cumpro o que previ e que reinvento o que sempre toda a gente faz. Querem-me a suar o tempo todo, querem-me exausto, querem-me a abrir a cova de mim mesmo.

Que os pariu a insensatez, não tenho dúvidas. Eles, os parasitas, os preguiçosos, os incompetentes, os responsáveis pela minha avaliação são incapazes de me avaliar por suas próprias mãos. Querem que eu suje as minhas e lhes prepare os documentos, lhes preencha as grelhas, lhes escreva as sínteses, lhes garanta o espectáculo. E depois? Fico à mercê da sorte das quotas!

O Primeiro Ministro do meu país disse que os professores já não são avaliados há trinta anos. Faço as contas e digo-me a mim mesmo: comecei a abrir a cova no ano de estágio em que fui avaliado, alarguei-a de cinco em cinco anos até ao exame de acessso ao 8º escalão, voltei a alargá-la quando requeri um júri externo para avaliar o meu currículo, afundei-a quando concorri a professor titular no ano passado e agora o que falta?

Volto às vinhas da ira: ontem o palhete que foi servido na festa das vindimas, ali para os lados de Lousada, em «garagem» requintada, fresco, com castanhas assadas, com assadura de porco, temperado com improvisos de cantoria, serviu de catarse. Vou dedicar-me a fechar a cova, que ali não vai ficar quem eu me fiz.

segunda-feira, outubro 13, 2008

Segada em Paredes do Rio, Montalegre. A fotografia foi-me enviada pelo assessor de imprensa da CMM, Ricardo Moura.

Tratou-se de uma reconstituição ou revivência, uma emulação por uma actividade colaborativa, de entre-ajuda, de partilha, que hoje se considera valor a preservar, mesmo que nem seja o trabalho em si, mas a memória dele, com o gosto do centeio no coração e as lembranças na boca.

Partilho a imagem, que em Jales também assim andei de malho a reconstruir o que só vi fazer e cantar, com aquele ritmo da cantiga «sete varas tem, tem a minha saia noba...».

Da imagem passo para a escola: o salto é grande só na realidade, que nos sentimentos é mínimo. Por que raio de cultura somos capazes de protestar na rua a recusar a avaliação e não somos capazes de a recusar nas escolas? Por esta mesma necessidade de malhar em grupo, de juntar vozes? E as escolas não são eiras de pão?

Da escola passo para a crise: o salto é mínimo nos pressupostos, mas grande no aparato monetário. É que eu vejo na cultura do sistema de avaliação imposto ou a impor, os mesmos fundamentos de incompetência com que os analistas começam a explicar a crise financeira: que crescem monstros a partir de teorias de vazio, que se fazem orelhas moucas a críticas de intuição humanista e que depois é a burocracia esmagadora. Já não dá para ver que os incentivos a prometer aos gestores vão dar na especulação de competências, de objectivos, de planos, de projectos e de outras invenções de arremesso? As poupanças monetárias das quotas libertam massa para pagar a génios de gestão? Não vamos pagar a incompetentes?

Volto às malhas: minha mãe e meu pai ainda hoje lamentam e choram o trabalho exaustivo que se tinha em anos de pouco pão, quando os malhos batiam em seco, não saltava o grão e a despesa era a mesma.

Volto à escola: desespero com a carga de trabalho inútil que me é imposta, é trabalho que me afasta de tanta leitura e de tanta imaginação. As horas a ler legislação e a preencher papéis que não fazem avançar o mundo, vão-me fazer falta um dia destes. Sinto-me pobre!

quarta-feira, outubro 01, 2008

Jipes, touros e objectivos individuais

(Foi meu irmão António quem tirou estas duas fotos em Nova Iorque, no centro financeiro, na Bolsa, e se ele as tomou como representações de força e poder, eu aproveitei-as para um destampatório sobre a situação escolar cá no país ou no burgo. Não estou certo das distâncias nem das proximidades, mas o impacto das imagens ajusta-se ao que penso sobre a nossa furiosa paronoia de objectivos individuais)














Nós gostamos de imagens fortes. Touros de cobrição e carros de potente cilindrada ajustam-se a retratos de poder. Os filmes já despistaram as razões todas e as que ainda estiverem sonegadas à interpretação hão-de, certamente, reforçar as velhas: que a potência das imagens seja a potência da liberdade, também aceito e é daí que tudo tem princípio. Seja: um homem ambicioso inspira um povo ambicioso, mas porventura já terá recebido dele a inspiração, a tomar como sensatas as teses de Espinosa. Touros de potência e carros de cobrição, aqueles assegurando a reprodução e estes a segurança de pessoas e bens, são um fait-divers da interpretação. Do animal à máquina, dos cornos ao motor: a mesma fúria de vencer.














Ora é precisamente desta filosofia individualista que sai a arte das representações expostas. Ideário que faltava por cá, país de brandos costumes, ideário que faltou em regimes de musculatura popular colectivista, mas ideário de que não se pode abdicar se queremos ser alguém e se queremos sair da cepa torta. Ideário que, por inspiração chinesa, chegou finalmente aos nossos abnegados ministros e ministras.

A minha esposa já andava com esta teoria no seu Banco há uns tempos, trazia-a para casa, explicava-a minuciosamente nestes termos: um bancário tem que ter objectivos para chegar o mais longe possível, o ideal é que duplique sempre aqueles que lhe marcam como mínimos, se os triplicar então é porque já interiorizou bem a filosofia da ambição. Ter objectivos individuais é abdicar de horários, é abdicar do tempo livre, porque sim, porque sim, só não vê quem não seguir a lógica. O chefe vai surgir de entre os que levarem mais longe a invenção de objectivos. O topo estará reservado a quem conceber objectivos irrealizáveis. A falência do edifícoo só pode dever-se à má sorte. A vigarice e a pulhice passam a ser tácticas conjunturais, sempre episódicas, desculpáveis devido à natureza do sistema.

Que um gajo solto e génio enterre um Banco, já se viu e já se falou. Mas ainda não é conhecida qualquer objecção a que o sistema de objectivos, ligado a um bom sistema de incentivos, possa levar uma escola à ruína. Portanto, há que experimentar.

Esta crise económica, pese embora eu não perceba a linguagem de subprime nem a de alavancagens financeiras, não é filha parida deste ideário insidioso dos objectivos individuais? E$u ia jurar que sim! Mas quem controla as bestas? Os touros capam-se e os motores reduzem-se com sensores. Mas só depois de experimentar a «pica» que a coisa tem!

segunda-feira, setembro 29, 2008

Alguns tempêros de mesa e de rua

De seis para sete de Setembro, a Senhora da Peneda foi um lugar de imaginário: aí me convenci mais uma vez quanto é desejável o equilíbrio dos corpos com a ideia de seram portadores de um espírito, fosse por as danças terem estado à altura de uma vivência religiosa, fosse por ter ouvido e gravado alguns toques persistentes da tradição, fosse por ter sido bem acompanhado, fosse por ter ido ao encontro daquela «outra coisa linda» que o meu amigo Borralheiro foi, o certo é que vim de lá convencido de nós: do nosso empenho nas cauas, da nossa tolerância crítica, da nossa vontade de comer e de beber, da nossa amizade, do nosso itinerário, este mesmo, o de andarmos por lugares de tanta irracionalidade e instinto com a mais decidida vontade de tudo perceber.

O «jovem» senhor do meio é o meu colega e amigo Guilherme Pereira de Magalhães, professor aposentado, 82 anos ainda cheios de trabalho na sua quinta em Cabeceiras de Basto, com a esposa ao lado, a Maria Augusta, também colega de profissão. Tinha ele a minha idade e eu menos trinta anos e fomos colegas de estágio em Vila Real, com mais quatro colegas homens e duas orientadoras. Eu acabei por ser padrinho do filho de um deles, o João Alves Dias, e agora esta fotografia fez-se na nossa ida ao baptizado de uma neta de outro, o Manuel Duarte Ribeiro, de Lamego, de cujo o filho, Jorginho, saiu a semente de futuro. O tempo passou e juntou-nos nele, trazendo no seu ritmo o nosso envelhecimento e as nossas cumplicidades. Os filhos dos meus colegas de estágio fizeram parte do mesmo, uns já feitos, outros desejados nesses dias de trabalho obstinado. De todos tenho saudade, como pequeninos que foram e eu os conheci, de todos trago a presença interiorizada. Um anda dentro de mim em sofrimento de esperança. Isto foi dia sete, em Coimbra, ali perto da Sé Velha, entre ruas escalavradas pelo tempo e desleixadas pelos homens.

Do começo do ano escolar, já dei uma ideia de entusiasmo que chegasse, mas agora confesso que me achei de repente um tanto desactualizado de tácticas e de estratégias de combate face aos desafios prementes do meu Ministério: lecciono duas turmas do 5º ano, tenho um aluno autista ou SA, tenho um outro que veio do Perú, tenho um outro ainda que toma ritalina, achei graça ao fármaco por o desconhecer, surpreso que fiquei dos seus efeitos, a ser verdade o quadro pintado sobre a euforia cavalgante de paredes inclinadas. O que sabia e sei há-de-me valer de alguma coisa, confio no instinto e na bagagem adormecida, faço fé na inércia de rotinas. Desatei a ler tudo quanto posso, a perscrutar quanto oiço e a observar quanto vejo - tenho uma turma bonita e espero mantê-la viçosa e cúmplice.

O convívio do dia 20 de Setembro em Rabiçais, Arco de Baúlhe, idílico recanto à beira-Tâmega, na propriedade da Dra Glória Barroso, notária aposentada, minha parceira de viagem à Expo Saragoça e fiel cumpridora da palavra dada a todos quantos íamos na camioneta de que não sairíamos com fome dos seus territórios de adopção e de cultivo, foi uma outra experiência de passamento para o lado de lá, esse mesmo o da erupção do desejo e da projecção. A certa altura deixei de me sentir sóbrio sobre a terra e entreguei-me à levitação, se não voei, pouco faltou ou então não me apercebi de facto, mas aconteceu-me. Os responsáveis foram o lugar e a delicadeza da anfitriã, a fertilidade da mãe natureza ali encarnada. Ó que de vinhos e de carnes, entradas e saídas, condutos e sopas, sobremesas e destilatórios! Ó que de gratas companhias e que de atrevidos amigos ali nos juntámos: se um afoitava, outro repercutia e se um insistia, outro acumulava mais disposição de estar e durar. Correu-nos o tempo que ameaçava chuva e a desgraça de não podermos dormir todos juntos, que mais havia lá camas e sustento para cem.
Se houver bocas a dizer que ali se conspirou contra o poder local de Cabeceiras ou que ali se recalcitrou contra os desaforos do poder central, essas que se calem e se projectem no Tâmega, bom afogadouro de miudezas e de invejidades.

Depois a noite acabou nas Feiras Novas, em Ponte de Lima, no aperto de um casco urbano feito ovo de perua, que são os maiores que conheço. Tudo ali tem o seu lugar e a sua ocasião, desde o especulativo erudito ao mais empírico dos iletrados, sim porque é de especulação que se faz ali a festa, desse sentimento que junta o umbigo e o espelho: uns pela gastronomia, outros pela bizarria de costumes, uns pela música popular desatinada, outros pela escolha selectiva das bandas, uns pelo aperto das ruas outros pela largueza dos desejos, uns por herdamento outros por posse de uso, ali os vi todos e os suspeitei de andarem a perder-se de si, por uma noite. Também foi a primeira vez que ali deixei um sobrinho de 16 anos, entregue aos amigos e à noite, com a chuva na cabeça e a recusa de qualquer abrigo, com dinheiro para uns copos e para o bilhete da camioneta de regresso a Braga, lá pelas sete da manhã. Fiquei a olhar para a Tininha, minha esposa, e partilhámos essa ausência ou dor de ficar sem tudo quanto desejámos sempre. Chovia, fomos comprar dois guarda-chuvas por cinco euros, mas não choveu mais depois de os termos pago.

Agora foram as vindimas, de novo o alargamento de garganta e o dilatamento de barriga. Um homem não se vai daqui sem levar que contar, pena que seja breve ou imprevista a hora do mundo. As uvas fizeram bem ao ego, sejam agora, ao menos, bem usadas por quantos as ouvirem cair no copo. Brindo à saúde de todos os que beberem vinho que vindimei.

domingo, setembro 14, 2008

Colega, escuta (Em homenagem ao professor António Castanheira)

O António Castanheira aposentou-se. Contra a corrente, mas em acto de inteira lucidez, no fulgor das suas capacidades e no tempo maduro da sua experiência de comunicador e pedagogo. Aqui o lembro e aqui lhe presto homenagem. Aprendi com ele desde os tempos da Faculdade, devo-lhe muito do que sei e do que tenho feito na escola e por aí. Tenho-o como referência, quer em termos de ensino da história e do português, quer em termos de animação cultural. Espero continuar merecedor da sua amizade e compreensão. No presente, a escola fica mais pobre com a saída de um profissional assim, mas é neste presente de desgaste público da profissão docente que devo compreender a sua aposentação. Sei que ele irá dedicar ainda muitos anos à animação cultural, à História e às histórias, à literatura e à música portuguesas, à investigação e à divulgação, ou seja, à escola, agora nessa dimensão informal de não ser pertença de uma gestão burocrática, impositiva e impostora, mas sim uma obrigação social de transmissão e partilha.

Aqui deixo, em sua honra, o mais recente trabalho que executámos em conjunto, o qual pode ser visto no Youtube (colega, escuta...). Aqui lhe dedico também um soneto, no qual envolvo a memória de amigos comuns, um deles o Rogério Borralheiro.

Colega, escuta esta cantiga de alegria
Que só pretende fazer-te companhia

O ano vai ser duro, não tenhas ilusões,
Mas, não esqueças, vai ser ano de eleições,
Portanto pensa por ti e do alto desconfia,
Olha que Lurdes não te vale nem te auxilia,
E o rol de tanta mudança anunciada
Ainda pode ficar pelas ruas espalhada.
Colega, escuta esta cantiga de alegria
Mas está atento, para saberes quem te avalia.

Já sabes, já ouviste a propaganda,
De quem prega, de quem sabe e de quem manda:
Há mais livros, há mais computadores,
Há mais obras e há quadros interactivos promissores.
Há mais cursos, mais alunos, mais sucesso,
E tudo isto, já vês, é um bom começo.
Colega, escuta esta cantiga de alegria
E sorri, anima-te, é o primeiro dia.

E tu és a pedra principal do edifício
Prepara-te bem prò sacrifício.
Chega à escola, pega o livro, toma o café e vai prà sala
Sorridente, contente, mas resistente ao «come e cala».
Sobe os degraus do acto educativo,
Com bom senso, com humor e bons olhinhos;
Não gastes as escadas do executivo,
Que eles gostam de trabalhar sossegadinhos.
Colega, olha de frente os alunos que vais acompanhar
Dá-lhes carinho e exigência, ensina-os a pescar.
Colega, escuta esta cantiga de alegria,
Respira fundo e não te deixes arrastar na burocracia.

Não passes as culpas para baixo nem para cima,
Dos pequenos aos maiores faz o que sabes bem, ensina,
Partilha os teus saberes, ajuda quem puderes,
Estás a formar e a educar futuros homens e mulheres.
Colega, escuta esta cantiga de alegria
E aposta forte na crítica sadia,

No pré-escolar, jardim de mil sonhos e flores,
Investe nos meninos e nos seus educadores;
No primeiro ciclo dá gás àquela fome de saber
De querer falar, contar, ler e escrever
Ocupa-lhes a memória por inteiro
Não deixes as ideias no tinteiro.
Colega, escuta esta cantiga de alegria
E sempre e em toda a parte a balbúrdia contraria,

Não deixes passar por ti a má educação,
Impõe respeito, regras, disciplina e muita acção.
No segundo e no terceiro ciclos não te iludas
E não vás no paleio desculpante dos miúdos e miúdas.
O único lugar onde o sucesso vem antes do trabalho
É no dicionário, se for bem consultado.
Colega, escuta esta cantiga de alegria
Não mandes por mandar, ouve e confia.

Se tens poder, usa-o bem e com respeito
Que todos temos coração dentro do peito.
De resto, para acabar, faz sempre o teu melhor
Mesmo que digam que a coisa está a ir de mal para pior.
Colega, escuta esta cantiga de alegria
Que nós até somos capazes de tocar em harmonia.

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O tempo valoriza as discrepâncias,
Colhidas sob a luz da liberdade,
E vai-nos inculcando a realidade,
De sermos nós e as nossas circunstâncias.

Corremos à deriva de fragrâncias
Que excitem os sentidos e a vontade,
E a nossa pouca ou muita densidade
É misto de certezas e de errâncias.

O tempo cicatriza-nos a alma,
Tempera-a com limites e utopias,
Inscreve-a nos hábitos do trauma,

E vai acumulando em ironias
As nossas circunstâncias mais sombrias.
O tempo nos provoca e nos acalma.

segunda-feira, setembro 08, 2008

Deixaste um buraco no jardim

Uma gota de água
Ou de suor
De sangue
Mágoa
E lágrima
De um rumor
Distante
Cai cai e em fio
Se faz
Regato ribeiro ou rio
Delicadamente
Já ela traz
Toda a força da corrente

Estavas ao fundo, para lá da cancela, debruçado sobre o buraco donde retiravas terra para tapar outro, aquele que se mantinha aberto na relva por forças da enxurrada de chuvas.

O chapéu de palha era continuado pela camisola amarela e só os calções vermelhos interrompiam esse tom de barro e colmo até aos pés, naquelas croques esbondegadas que traziam as marcas do lavrador que estavas a ser. Suavas por quanto era rosto e cabeça, braços e pernas. Os cumprimentos foram húmidos de cansaço, de sede, ainda que dissesses que bebias água quanta querias. Estavas ofegante, suadinho, cansado. Foi o tempo de parares e saberes que eu levava no saco umas couves e pão seco para as galinhas, pretexto que se juntaria ao de vermos o borreguinho que nascera uns dias antes, e que tu passearas no telemóvel por todos os amigos que estavam no ensaio. Tomaste-me o braço e disseste «anda daí» e dali não saíste mais, quebraste, a Tininha tomou-te nos braços e a boca derramou-se para a direita. Tiveste a consciência súbita do AVC, mandaste chamar o Miguel, pediste o Hospital, tiveste tempo para veres a nossa incompetência de paralisados, bebeste a água com açúcar. Peguei-te ao colo e senti-te mais pequeno. No carro ainda foste tu quem viu a porta de trás aberta e a mandou fechar. Caíste sobre mim, sem lado esquerdo e apertaste-me a mão direita com toda a força. Gemias e davas murros na tua perna e na porta do carro. Doía-te muito a cabeça e eu falava-te em estarmos a chegar, acelerando cada vez mais. Viste-te ao espelho, repetiste palavras e movimentos, os mesmos, de dor. A força de tua mão direita deu-me toda a esperança. Soube depois que outro buraco se te abrira no cérebro e te jorrara por lá quanta energia e fulgor mostraras diariamente.

terça-feira, agosto 26, 2008

Os dias de Agosto

25 - 84 anos de minha mãe - a primeira foto é do ano passado, a segunda é deste ano, no mesmo rito, com os netos mais crescidos todos em volta dela, com os filhos todos, com o marido, com os ausentes no coração.














O discurso coube-me a mim e saiu-me em torno de uma ideia simples: a ordem natural das coisas é uma expectativa, mas a surpresa da natureza está em ela não ser uma regra, o que nos facilita a aprendizagem da precariedade da vida e da sua necessária fonte de resistência: o amor familiar, o sentimento de gratidão e o compromisso da sua sustentação por muitos anos, todos os que forem necessários, quer na ordem natural das coisas, quer nas surpresas que a contrariem. Os mais novos acharam que eu falei bem; fosse pelo sentido, fosse pela estranheza das palavras ou da sua composição, a coisa agradou-lhes.













Fomos 23 à mesa, o cabrito esteve à altura do acontecimento, com as irmãs a saberem preservar as tradições da casa e os rapazes a fazerem os possíveis.













Depois houve o jogo de futebol entre tios e sobrinhos, com os tios em menor número, mas a garantirem o resultado nos penaltis, naquele campo de feno onde a restolha cumpre funções de verdadeiro obstáculo estratégico para ambas as equipas; é claro que os sobrinhos estão a subir de forma e de pujança física e os tios estão com melhor desenvolvimento verbal das desculpas.

22 - As festas da Agonia em Viana do Castelo, com visita de pormenor à festa da mordomia, momento singular de graça e de curiosidade.














Vale sempre a pena ir, ver e participar nos momentos relevantes: as cerimónias protocolares de apresentação dos cumprimentos ao Governo Civil e à Câmara Municipal, momentos singulares de reivindicação e de prosmeirice, com esta a tentar desvanecer aquela, ainda que a média das duas dê vantagem à primeira, porque é de afirmação que se trata. A festa das mordomas continua com todas as interpretações possíveis, ou não fossem o ouro, os trajes da tradição e os corpos das mulheres os melhores símbolos de leitura.

5 a 9 - Expo Saragoça 2008 - Ver a cidade foi uma coisa, ver a Expo foi outra, se não fora a primeira a segunda ficava mais pobre e vice-versa e já quase se diz tudo. Foram três dias e dois para as viagens. Boa companhia, boa organização. Quem viu Lisboa, viu esta a querer continuá-la, no estilo e na parafernália tecnológica, com a confirmação de bons momentos de ilustração.














O desafio estará em saber como fazer circular a informação para além dos conteúdos fundamentais e já muito divulgados, sobre a água e sobre os outros recursos. Cai-se na estratégia comum: o essencial está em letras de rodapé e na leitura ou visão dos folhetos e dos filmes até ao fim.
O percurso de esperar para ver acaba por cansar demais. Depressa se deseja um pavilhão com lugar sentado e ar condicionado.














E depois as obras ou objectos de divulgação e de enriquecimento não estão acessíveis. E hoje já está ao alcance de qualquer país distribuir ou vender, quase a custo zero, um DVD com dados para os trabalhos de casa. O preço da água, ainda que em garrafa, exorbitou e se for visto a par da secura dos fontenários espalhados no recinto, então já temos de entrar pelos caminhos de outra crítica.

quinta-feira, agosto 14, 2008

O último livro de Rogério Borralheiro

(Fotografia do Castelo da Piconha, na Galiza. Foto de JM)

Rogério Borralheiro
Tourém. Vila e Concelho. História de uma Honra de Barroso.
Edição da Junta de Freguesia de Tourém. Braga, 2008.

O autor deste livro não está mais entre nós. Morreu cheio de trabalho, antes do tempo pleno a que aspirava e que se esperava dele. Paz à sua alma e honra aos seus méritos e aos produtos do seu trabalho. Um deles aqui está, esta monografia histórica sobre Tourém, uma terra a que o ligavam não só laços de amizade com as gentes e as instituições, mas também curiosidades obsessivas e desafiadoras, as mesmas que alimentavam a sua sede de explicações sobre o seu torrão natal, o seu planalto Barrosão, o seu país.

Tive a honra e o dever de apresentar esta obra, até porque fui seu interlocutor durante o acto de criação, um interlocutor marginal, procurado mais pelas arritmias de sistematização, ou seja, por esse gosto de pôr em causa, do que pelo conhecimento de fontes ou de interpretação de documentos.

A perplexidade do Rogério polarizou-se nessa realidade a que a história chamou Castelo da Piconha e que os documentos referem como centro da logística militar para a defesa de fronteira e de um território concelhio que englobava um conjunto de lugares que hoje são Tourém e as terras do Couto Misto de Rubiás, Meaus e Santiago. Ora quem por ali passe hoje não tem dados que lhe possibilitem encaixar os fraguedos em tão importante imaginário concelhio. Mas é assim mesmo o desafio da história: procurar o que soubemos que existiu e que hoje não vemos ou que temos dificuldade em compreender.

O Rogério andava pelos arquivos históricos tão sôfrego de fontes e documentos sobre as Memórias Paroquiais ou sobre as Invasões Francesas, como sobre o seu concelho, sobre as terras da sua infância, aquelas terras que ocupavam um espaço cada vez mais denso nesta ideologia contemporânea de procurar paraísos perdidos e valores patrimoniais simultaneamente autónomos e comunitários. Os dados sobre a história local via-os sempre à luz de um princípio hermenêutico muito simples: iam a favor da corrente de opinião estabelecida ou iam em sentido contrário? E entusiasmava-se de tal maneira quando a perspectiva de interpretação podia acrescentar um pormenor que era preciso às vezes refrear-lhe os ânimos, quase sempre em vão. Foi assim com esta obra: a escrita ganhou o ponto alto da ansiedade quando recolheu aquela documentação curiosíssima sobre a liquidação dos direitos de Foral que os lavradores de Tourém tinham em dívida com o senhorio de suas terras há 40 anos, desde 1739 a 1779.

Este caso tomou-o ele como sintoma da própria administração pública de bens e pessoas: a cobrança dos impostos foi sempre desejada por uns como esquecimento ou perdão e por outros como ajuste de contas. O livro tem os documentos históricos possíveis, outros eram desejados, mas o autor ainda os não localizara. Se por um lado lhe ficou frustrada a perspectiva de apresentar os documentos originais do primeiro Foral e de constituição da Honra de Tourém, do tempo do Rei D. Sancho I, se por outro lhe ficou desanimada a procura das pedras do Castelo da Piconha, onde D. João I mandara erguer muralha, isso não lhe impediu a interpretação à luz de outros documentos similares e aproveitou bem para expor toda a sua aprendizagem sobre o funcionamento dos concelhos, numa atitude pedagógica de ensinar a compreender a evolução dos sistemas e processos de eleição e de nomeação dos dirigentes locais.

No livro está também uma explicação da evolução do mapa dos concelhos que existiram em Trás-os-Montes até á Reforma de 1836, data em que Tourém deixou de ser sede de concelho. Está ainda essa história curiosa do Bispo de Ourense se ter refugiado em Tourém, terra então da sua diocese, para fugir e discordar das políticas de Napoleão Bonaparte quando este invadiu Espanha e a quis submeter aos seus desígnios, ou seja, está ali um pormenor curioso mas essencial para se perceber um espírito cívico que se instalou neste canto do território que é Portugal e que é Galiza: esta ideia de as terras serem territórios comuns, mistos, partilhados por ambos os povos dos países com igualdade de interesses, de direitos e de deveres.

A história de Tourém ensina a perceber a história de muitos outros concelhos e o leitor desta obra já terá nesta função toda a compensação: as explicações são dadas com uma preocupação minuciosa e exaustiva dos procedimentos administrativos e da sua evolução ao longo dos séculos, o que é conseguido não só em termos de texto, mas também de imagem, mapas ou fotografias, estas tiradas pelo próprio em jornadas de paciente investigação.

Ao fim e ao cabo, com os documentos possíveis, quer relativos ao estatuto de concelho, quer relativos ao estatuto religioso, Rogério Borralheiro traz à indiscrição pública esta terra de Tourém que de ora em diante só terá a ganhar em saber mais sobre si, pois o desafio à descoberta de mais documentos e de mais fontes ficou bem lançado por ele. Este imaginário de uma terra como Tourém se confirmar na nossa história como Honra ou terra de autonomias merecidas e conquistadas, há-de sempre contrastar com o cumprimento das leis por imposição dos poderes centrais. Porque é neste sentimento de mérito que pode enraizar-se mais a nossa consciência cívica. Durante uns anos até nos poderemos convencer de que nada devemos a ninguém e de que temos tudo em dia, mas um dia chegará que alguém, essas gerações mais novas que nos vão seguir, nos pode cobrar uma dívida que entretanto se acumulou: se for de pão, teremos de trabalhar, mas se for de instrução ou conhecimento podemos já não ter recursos.

sábado, agosto 02, 2008

Ao sétimo dia, Borralheiro...














(Foto de M. Duarte, em Castro Laboreiro)

Como desejo a água de uma fonte,
Também aguardo o eco do teu grito.
Mantenho uma esperança de infinito,
Preciso de outro céu no horizonte.

Deixo este a valer-me como ponte
Desse outro mais intenso e mais bonito.
Quer seja fantasia, ou seja mito,
Anseio que ele exista e me confronte

Com esse sentimento de missão
Que investiste na vida, por julgar
Que era o teu dever e criação.

Só quero que este querer a eternidade
Me dê justo sentido à brevidade
Dos dias que sem ti vou inventar!

segunda-feira, julho 28, 2008

Meu querido amigo Borralheiro

Em memória de Rogério Capelo Pereira Borralheiro

(Salto 1952 - Braga 2008)

Nasceu no coração de Salto, concelho de Montalegre, em 10 de Janeiro de 1952, onde fez os estudos do 1º ciclo. Depois estudou no Colégio da Borralha e foi aluno do Colégio D. Diogo de Sousa, em Braga. Nesta cidade obteve o diploma de professor no Magistério Primário e começou a exercer na Escola de S. Lázaro, depois nas Minas da Borralha e finalmente em Airó, Barcelos, durante duas décadas. Licenciou se em Ensino da História e das Ciências Sociais na Universidade do Minho, onde obteve também o grau de Mestre em História das Populações. Exerceu também funções docentes na escola Superior de Educação de Fafe. Presentemente encontrava-se na situação de professor aposentado, mas envolvido no programa de doutoramento em História, sob a direcção do professor Doutor José Viriato Capela, com o estatuto de investigador da JNICT a tempo parcial. Político empenhado do partido PSD, foi vereador da Câmara de Montalegre e membro da Assembleia Municipal. Actualmente era membro da Assembleia de Freguesia de Salto.

Foram breves os seus dias, mas intensamente vividos como cidadão, apaixonadamente harmonizados na relação familiar com sua esposa e dois filhos, também amorosamente comprometidos no mesmo sonho, festivamente cantados e bailados por recintos, ruas e palcos, intelectualmente satisfeitos em obras de investigação histórica, convictamente participados na sua Assembleia de freguesia, na sua comarca e nas associações de que era membro
: a Casa de Trás-os-Montes e Alto Douro em Braga, de que era vice-presidente da Mesa da Assembleia Geral, a Associação Cultural e Festiva «O
s Sinos da Sé» (Grupo Folclórico de Professores de Braga), a Confraria Gastronómica da Carne Barrosã e os Bombeiros de Salto, de que foi presidente da Direcção.

Morreu cedo, mas em movimento de dinamização contínua da sua vida familiar, cultural e intelectual, entusiasmando-se e entusiasmando os outros, transmitindo nas palavras e na relação pessoal uma curiosidade insatisfeita, uma apetência pela aprendizagem, uma dedicação íntegra às causas e às pessoas, um desejo de cooperação e de bem estar, harmonizando diferenças, relativizando divergências, assumindo princípios e convicções.

É autor e co-autor de mais de uma dúzia de trabalhos referenciados na área da história, os quais resultam da sua integração numa equipa de investigação dirigida pelo professor doutor José Viriato Capela, destacando-se também a sua participação em Colóquios e Seminários.

O seu humor colorido, a sua graça empolgante, proporcionaram a quantos privaram com ele uma dimensão de humanidade sadia, evocativa de uma infância feliz como lugar de regresso futuro, onde a presença de avós, pais, tios, primos, sobrinhos, colegas de escola e de trabalho, amigos, vizinhos, se reflectia nessa representação da Casa enquanto símbolo da unidade pessoal e social.

Foi um homem da sua terra na terra de outros, tudo fazendo para que transportássemos juntos essa arca da aliança que une as tradições e os projectos de desenvolvimento local, regional e nacional, estruturando as suas intervenções a partir de uma matriz cristã, humilde e criticamente receptiva.

Tomou a escola como terra de semente, tomou a terra como escola de virtudes. Fez a casa, plantou as árvores, fez os filhos, granjeou os amigos, escreveu os livros, guardou as histórias e contou-as.

Se dele aproveitarmos o exemplo, aceitaremos a vida como tempo propício de esperança, tomando o trabalho como princípio regulador, procurando sempre novos projectos de envolvimento, novas parcerias, novos desafios.

Morreu precipitadamente, com o mesmo mistério de causas que envolve a génese da vida: essa suspeita de um desígnio de Deus, que ele tomava como Luz do Ser.

Meu querido amigo, a dor rasgou-te o corpo,
Desconcertou-te os braços e as palavras
Ficaram nos teus lábios embargadas,
Mas expostas ao nosso desconforto.

Caiu-te o céu em cima, em fogo posto,
Sem tempo à dispersão das tuas asas
Por terras, por histórias encantadas,
Que garantem à vida o seu renovo.

Mas foi grata a presença dos teus passos,
Intensa foi a marca do teu riso,
Segura a prontidão dos teus abraços.

Entre nós vai agora ser preciso
Que venhas do Eterno Paraíso

Apertar com firmeza os nossos laços.

José Machado, Braga, 2008-07-28

sexta-feira, julho 18, 2008

Actividades folclóricas

Esta foi em Tourém, na festa de S. Pedro, dia 29 de Junho, um domingo cheio de sol, com as calçadas a pedirem sombra e os corpos a desejarem correntes de ar.

As fotografias dão testemunho da nossa participação e do nosso envolvimento, nessa perspectiva de integração no tecido local, tomando parte na procissão com os cânticos, em polifonia popular e em composição instrumental; para o efeito fizemos uma marcha a S. Pedro, com aquele fragmento de texto que é invocado nas orações: que nos feche as portas do inferno e nos abra as portas do Céu!

Depois houve bailarico nas ruas, envolvendo as pessoas e o próprio padre da paróquia que fez jus aos seus pergaminhos.

«Bô» esteve e bem nos correu, que o almoço fora de vitela barrosã, estufadinha a preceito, tenrinha e suculenta, tudo servido na casa de um minhoto que assentou arraiais em Tourém, por coincidência elemento do nosso grupo, caçador, membro também da Junta de Freguesia. A ele, à esposa e ao filho, o nosso agradecimento por tudo, desde logística até ao aconchego de corpo e alma e até às próprias fotografias, que o rapaz esmerou-se e acompanhou-nos bem rua acima e rua abaixo.
Pode tudo parecer de faz de conta e pode tudo ter sido mais real que o que parece, já que a animação cultural que se julga partir da primeira (o parecer) para fazer melhor a segunda (o ser como foi ou como ainda é), neste caso andou ao contrário, de tal modo se viveu a situação que não se conseguiu reproduzir um passado, mas iniciar um presente que agora se vê com vantagem em continuar e em ser repetido no próximo ano.

Tudo bem, enquanto houver este ciclo de energia e esta vontade de estar nas coisas com uma tradição de as renovar.

Os pretextos da festa são sempre os mesmos e os costumes reforçam-nos, mas que hoje se assiste a uma acentuada reposição da memória já não tanto por razões de ensinar os novos, mas sobretudo para que fique mais aliviada a solidão de envelhecer sem eles, é o que me parece estar a verificar-se.
A desertificação das terras requer uma animação de sobrevivência, mas outra também de integração, criando raízes e alargando contactos, apoiando iniciativas e concretizando estados de alma: nessas pequenas coisas que podem ser as cantigas, os livros, as viagens mais frequentes.

Quando se acaba e se ouve o «hão-de cá voltar» fica-se com outra ideia de nós, carentes e cúmplices deste modo de estar que tem de ser de ir e vir, mas também de criar raízes.

segunda-feira, julho 14, 2008

Em vez da terra, a casa

Cumpriu-se o ritual de içar a bandeira e cantar o hino na Casa de Trás-os-Montes e Alto Douro em Braga, no sábado dia 12, posto que de véspera se começassem as celebrações do 22º aniversário com uma tertúlia cultural para invocar Miguel Torga e conversar sobre o livro de Viriato Capela, Rogério Borralheiro, Henrique Matos e Carlos Prada - «As Freguesias do Distrito de Bragança nas Memórias Paroquiais de 1758» - livro pesadão, mas consistente e bem organizado, que se dispõe como «miradouro» privilegiado sobre as nosas terras: de lá para cá é só fazer as contas e pensar nos futuros que fizemos e aos que chegámos hoje: desde património construído a património virtual de crenças e narrativas, desde bens da Igreja aos rendimentos dos párocos, desde rios e serras à caça e à pesca, desde pessoas às instituições; o que lá falta foi o que o progresso fez e agora pode ser uma boa ocasião para nos surpreendermos. O professor Viriato Capela fez uma comunicação de clareza singular e tudo deixou explicado, mesmo nesse insinuar de que hoje não responderíamos tão rápido a um inquérito sobre nós, mesmo nesse insinuar de que podemos estar perto de esquecer as paróquias como «organizadores» do tecido social.

A Casa substitui as terras de origem, até quando consome os bens que ela produz e até quando se fecha em reuniões, colóquios, jogos de cartas, romagens ao cemitério, e até quando se esquece como lugar de frequência regular.

Depois, o mês foi de balanço para o ano escolar que findou, quase sem saldo positivo, tal foi a persistência das arritmias legislativas do ME, mas também foi de saídas para animação cultural, folclórica ao fim e ao cabo, que tem sido com este jogo de figurar quem fomos que temos andado a mostar como estamos. Neste passado próximo foram duas saídas para terras de montanha e de serra, Tourém no S. Pedro e Castro Laboreiro no S. Bento, a primeira a 29 de Junho e a segunda a 12 de Julho. As festividades religiosas ainda são pontas de lança da animação cultural e ainda se constituem como espaços de narratividade oral: quem está e quem não está, o que foi e o que é, quanto se fez e disse e mais quanto se escondeu e provocou: ele há padres que falam bem do mundo e outros que o fustigam, ele há pobreza e tristeza, mas ele há também progresso e desenvolvimento, há por aí corredores de ar puro e há por aí gargantas espantadas: tudo se vê e tudo se mostra. Mas quer não que há por aí sinais de fuga e de solidão.

A música popular quer-se gaiteira, o baile quer-se de fôlego e a madrugada continua a ser hora de viração.

sexta-feira, julho 04, 2008

Para um casamento especial














Quem de vós espera
Um cantar de amor,
Há-de querer ouvi-lo
Seja quando for:
Nas manhãs claras,
Nas manhãs sombrias,
Nas horas amargas
E nas mais festivas.
Há-de querer do tempo
Peso e medida,
Para encantamento
Ao longo da vida.


Quem de vós espera
Um fruto de amor,
Há-de querer tocar-lhe
Com uma flor,
Cheia de sorrisos,
Rica de esperanças,
Rubra de improvisos,
Áurea de lembranças.
Há-de querer do tempo
Ousadia e calma,
Para provimento
Do corpo e da alma.


José Machado
Braga. 2008


terça-feira, junho 24, 2008

Joaquim Santos (1936-2008)

Hoje é dia de S. João.
Esta madrugada, com a manhaninha pela frente, aspergida pelo orvalho e desejosa de Sol, faleceu o músico Joaquim Santos. Quem o conheceu e privou com ele sofre este momento como perda irreparável.
Era padre, vivia entre Cabeceiras e Roma, dedicado à criação musical e à compreensão do mundo. Tolerante, aberto à plurividência de Deus e dos sons da vida, sucumbiu à morte com uma corrente inesgotável de trabalho em cima da mesa.
Faleceu um amigo, um compositor, um génio!
A sua nota biográfica começava assim: «Joaquim Gonçalves dos Santos, nasceu em Riodouro, Cabeceiras de Basto, em 1936. É filho de uma família simples do campo, onde a música teve sempre um papel preponderante e que, certamente o tem influenciado ao longo da sua vida de compositor. Seu pai e seu avô paterno tocavam guitarra, flauta transversal e harmónica.»
Esta clareza de genealogia era um pergaminho, na casa da casinha que a família mantinha desde há três séculos e onde uma corrente de água lhe acompanhava contínuamente os passos. De lá vê-se o Marão e ouvem-se os poetas da Montanha.
Hoje é dia de S. João e o meu Grupo vai cantar duas peças dele na procissão. Paz à sua alma!


sábado, junho 14, 2008

Vontade de jogar!

Um esclarecimento: a imagem nada tem a ver com o que vou dizer, mas ajuda a perceber o estado geral de viciação argumentativa em que ando ensarilhado.

Anda para aí um apelo ao boicote do novo modelo de gestão, sobre o qual já me pronunciei aqui e cuja lógica argumentativa se pode resumir assim: não presta e depressa se vai revelar como fiasco perturbador.

Mas, dado que a Plataforma Sindical (em que o meu sindicato se integra) não assumiu qualquer posição sobre estratégias de actuação, e dado que o meu Sindicato não respondeu em tempo útil ao meu pedido de esclarecimento, e dado que não me conformo com o facto de o futuro gestor da minha escola poder ser quem é e com quem está, e dado que não vejo qualquer inconveniente em continuar num Sistema estando contra ele - se assim não fosse já teria de ter desistido há muito de ganhar a vida como ganho - e dado que para além de contrariar o ME é preciso contrariar muito «penso e adesivo» e muito «líder histórico de massas», decidi organizar uma lista de professores candidata ao Conselho Geral. Nas escolas há princípios a defender que estão para lá das questões do Sistema Educativo, para lá das equipas ministeriais e dos políticos de serviço, para lá dos blogues e dos seus escribas, para lá das amizades de ocasião, para lá dos copos, para lá do sexo. O jogo tem de continuar!

terça-feira, junho 10, 2008

Outra vez o S. João!

(Imagem do S. João da Ponte - Fotografia de Fernando Cardoso)

S. João por Braga fora

S. João por Braga fora

Está sempre a ser falado

Pelo encanto de ser festa e romaria

Em que junta o profano e o sagrado.

Se p’ra uns o S. João é só folia

P’ra nós outros é mistério anunciado:

Para um mundo de harmonia

E um futuro promissor,

S. João nos anuncia

O Messias salvador!


S. João por Braga fora

Muda as ruas da cidade,

No respeito aos valores da tradição,

Mas por gosto de mostrar a novidade!

Neste acto ritual da procissão

Faz convite à reflexão desta verdade:

Para um mundo de harmonia

E um futuro promissor,

S. João nos anuncia

O Messias salvador!

(Letra e música de JM

Braga, 2008)

Outra vez os Prolegómenos de Bento da Cruz

Foi em Montalegre, dia 9:Para quem pede e o que pede o narrador destas crónicas quando decide começá-las com esse apelo da erótica popular: ateima gato, que ela dá-to? Se apela a que ateimemos com ele, para que fim seja?

Para o fim de lhe acrescentarmos valor e ajuda à pobreza e à paixão, à paixão pela sua terra e à pobreza de estar só ou de se sentir pouco apoiado no seu jornal, Correio do Planalto, quinzenário regionalista de informação e defesa de causas próprias no desenvolvimento local, em primeiro lugar.


Num mundo de globalização, o autor quer recentrar-nos no local como ponto de partida, num mundo de fartura e de esbanjamento, o autor quer recentrar-nos na pobreza como origem de razão e num mundo de infidelidades, o autor quer recentrar-nos na paixão como estado de espírito.


Se isto nos parece pouco como programa de militância cívica, já será muito como programa de militância literária: o desafio quinzenal de entusiasmar leitores para actos de conivência em torno da terra e do amor à palavra obrigou-o ao exercício de arranjar motivos, casos, incidentes críticos, pormenores, palavras, comentários, passeios, vivências, pessoas, memórias, mil e um artifícios para o artifício de construção de crónicas, marcas do tempo sobre o tempo; ou construção de prolegómenos, disposições ou orientações propedêuticas sobre o sentido da vida e sobre o dissenso ou consenso sociais.


Como quem precisa de respirar ar livre para não morrer abafado, como quem precisa de combater os moinhos da exclusão e do obscurantismo, como quem precisa de se picar a si próprio para se sentir vivo, como quem precisa de distender as pernas para combater os excessos de posição, como quem precisa de alongar no tempo da escrita a esperança prática da finitude dos anos de vida, assim procedeu o autor para narrar, para descrever, para dialogar, para reflectir.


Diz o autor que é um cronista de um paraíso perdido, de uma terra bíblica, onde a condição de lavrador preso à rabiça do arado, descalço sobre o pó da terra, entregue às agruras do céu e do tempo, mergulhado num primitivismo de mistérios e ansioso de espiritualismo inconfessado, define a sua condição de sujeito crítico, ingénuo, problematizador, insatisfeito, vigilante. O cronista é-o com a sabedoria da idade e da experiência acumulada, é-o na lucidez dos seus limites, de passada pelos montes, de visão pelos horizontes, mas também de alcance da pena pelos areópagos dos poderes.


«Não me lixem a terra» – nesta marca da oralidade contemporânea mantêm-se os registos da escrita, tanto o da impotência pelos excessos de mal fazer, como o da satisfação pelas boas práticas de cidadania, mas mantém-se também um tom de ironia e de riso, um gargalhar de sarcasmo e de azedume, uma refinada denúncia de atropelos.