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sábado, fevereiro 17, 2007

Actualização de retrato

Foi o Miguel quem fez, do Patamar d'Imagens, por sugestão do Miguel Louro que se interpôs. Refresca-se a imagem para confirmar os encontros e evitar as impressões de fuga à realidade dos anos. Disse minha mulher que o riso me faria outro mais comum de ver, mas que esta também serviria os propósitos de mostrar quem sou e como ando por aí. São 53. Tirei-a de chapéu, azul escuro, mas a calvície está lá toda, ainda que nocturna, bem esclarecedora dos dias.

terça-feira, fevereiro 13, 2007

Carnaval, sempre!

Estamos nas vésperas do Carnaval. Eu gostei sempre de me mascarar no Carnaval. Um dia desfilei na rua com os alunos travestido de professor, levava uns suspensórios nas calças e um dicionário de Português às costas, preso por uma guita de corda de sisal, em cruz, ao jeito dos velhos embrulhos de papel, mas a cair sobre o rabo, dando sempre a ideia de muito peso e de muito custo. Não sei bem o que me ocorreu na altura, talvez a ideia de caricaturar o muito trabalho com a língua, ou a própria dificuldade de pôr ordem na língua dos alunos, aqui neste Minho que é a terra mãe do galaico-português e onde tudo se pode dizer e aparecer como dito por alguém. Nesse desfile ainda me lembro de uma aluna, a Alexandra, inesquecível aluna, hoje professora, mas nem a tenho visto ultimamente, vejo os pais dela, professores também, mas de vez em quando. A Alexandra fizera nas aulas de TM, em pasta de papel, uma máscara com cabeça e barriga ligadas, ambas proeminentes; ela metia-se dentro, os braços saíam pelos ombros da carantonha, o nariz era embiucado, aquilino, a boca escancarada, o cabelo a rarear, seria eu? É curioso, só agora me pergunto se seria eu, mas poderia muito bem ser um outro professor, o Marques se calhar, que era professor de Trabalhos Manuais, então ainda havia esta disciplina, ou o pai, mas não tinha tanta barriga, ou o adulto simplesmente, o mestre afinal, que naquela idade os alunos dos onze anos representam os mais velhos da escola como mestres de qualquer coisa, claro está, na caricatura, no sério serão outros e mais coisas. Do desfile, lembro-me que fomos pela cidade, até à André Soares. Lá fui naquele jeito de andar mascarado com a língua, mas só o baraço me preocupava, que era fino e aleijava-me os ombros; às vezes fazia-o oscilar como pêndulo, outras vezes girava-o pelo ar, a apanhar cabeças distraídas ou braços irrequietos, agora sim, autorizadamente irrequietos, só faltava que o desfile primasse pela ordem, mas tinha-a, ainda não desbundava como agora o parece. A chinfrineira de gaitas e assobios era pouca, era mais o falatório e a correria de uns lugares para outros, até que o resto das máscaras era de pouca solidez para o transporte naquela distância e naquele aparato. Noutros carnavais, já fui de ciclista, já fui de mulher de zona, já fui de neo-primitivo com um pelico branco de carapinha, tipo S. João, mas sem o ser, que o pagode estava em mostrar que pouco mais teria vestido, mas calçado ia; já fui de artista maluco, com umas calças amarelas à boca de sino, enorme, como o grande da Sé e uns sapatos de salto de 15 centímetros, comprados pelo Prata, meu colega, que esse fazia o Carnaval sempre com todos os excesso de caricatura, desde padre a freira, a rufião e a outros que nem digo nem agora sei, mas os sapatos foram comprados naquela sapataria de esquina quase em frente à Sé, na Rua D. Diogo de Sousa, e as calças fora o senhor Machado do Cardoso da Saudade, já falecido, que Deus haja, quem as descobrira como monos, mas sem poder fazer o desconto, vendia-as pelo preço marcado em 74, dada a qualidade da fazenda, fina, mas amarelíssima, a combinar com os sapatos altíssimos cor de laranja, com uma gravata de cornucópias amalucadas que meu sogro me emprestara, e depois deu, e uma camisa de riscas a irritar qualquer tentativa de combinação com a gravata, mas abafada por um casado vermelho vivo, depois uns óculos com uma lente escura só num olho, brilhantina no cabelo a escorrer e chapéu de palha pintado, enfim uma cena para todas as cenas que fiz. E daquela vez em que andei pela escola feito meio árabe, com um daqueles lenços na cabeça, que a Ana Couto me trouxera de um desses países, e esta cena foi naquele ano do conflito entre o Iraque e o Kwait, foi o ano em que organizámos uma charanga musical pela escola, tocava o Ângelo saxofone e o Castanheira braguesa e eu clarinete e o resto dos alunos bombos e pandeiretas, tudo mais ou menos descoordenado para parecermos bem. Hoje a malta anda mais deprimidita, mas ainda há garra para mascaradas, pelo menos os miúdos pelam-se por elas e trazem toda a parafernália de corantes, tintas, fitas, bisnagas, roupas, máscaras e cabeleiras, sempre numa de estarem irreconhecíveis, mas giros, giríssimos, malucos, quase normais de todo, que é o que me apetece dizer, porque a gente afinal mascara-se para ser quem é, não tenho dúvidas, que o recalcado liberta-se e finge que não é quem é, mas topa-se bem, e logo no Carnaval, quando toda a gente repara. Divirtam-se, mascarem-se, libertem-se e sejam felizes.

segunda-feira, fevereiro 05, 2007

O canto, a mesa, a feira e a conversa

Em Boticas, na feira gastronómica do porco.
Sábado, 3 de Fevereiro, o tempo esteve seguro pelas pontas no que toca a chuva, não teve frio de rachar, mas temperou-se dele o preciso para dar ao Pavilhão Multiusos a função de abrigo desejado, que o era pelo recheio e pelas companhias encontradas. As feiras de fumeiro estão a dar como estratégias de promoção e desenvolvimento das gentes e das terras, esta de Boticas não foge a essa regra e, pelo que disse a Organização, consolidou-se em termos sociais e económicos. Mas uma feira é uma feira e antes de mais é-o como escaparate de produtos e de pessoas, é-o como montra de intenções e resultados, é-o como espelho do que se é, logo, quem lá vai, mostra-se, é visto, e os outros que tirem pela pinta o que lhe vai na alma, ou então que párem, informem -se e partilhem canseiras, alegrias e tristezas. Deu nas vistas toda aquela gente embiucada de chapéus e capas, mais fitas e galões, medalha ao peito e pau na mão, confrades de variegadas confrarias, eles e elas, bem nutridos e cuidados, quais guardiães de um templo gastronómico em vias de extinção. Bem pregam eles, que será pelo exemplo, que à mesa devem chegar os frutos da terra e do trabalho, o cheiro e o sabor das primícias e dos serôdios, naquele estado de alma que leve sempre a desejar sem enfartar, e a fazer bem sem estragar. Deu nas vistas a presença acarinhada de D. Ximenes Belo, o bispo prémio Nobel da Paz de Timor Lorosae, que fora entronizado de manhã confrade da Carne Barrosã e que à tarde se dispusera a autografar livros e garrafas de vinho para uma causa de solidariedade com o seu povo. Deu nas vistas este gesto da Autarquia anfitriã e do seu presidente Engº Fernando Campos, trazendo à feira as causas mais nobres da política, simbolizadas na figura deste bispo de Timor, aniversariante de 59 anos, consumido de preocupações e sorridente de esperança. Há gestos que a oportunidade da mesa só faz bem em consagrar! Mas deram nas vistas alheiras e presuntos, chouriças e salpicões, pás e orelheiras, peitos e pés, broas e bolas de carne, pingues e torresmos, moiras, farinheiras e morcelas, méis e vinhos, aguardentes e licores, linhos, mantas, meias, chapéus, carteiras e mais sei lá, que a azáfama do Multiusos era de prova e de compra, de ver e levar, assim houvesse dinheiro e vontade. As tendas dos produtores e as tendas dos restaurantes acasalam-se bem para esta dinâmica de entrar e ficar, com tempo para ver e mercar. Deu nas vistas a chega dos bois barrosões, que já de si se presta a ser a melhor chave de leitura destas terras e destas gentes, num embate contínuo entre si mesmas e dispostas à curiosidade dos outros. Vão-se misturando na conversa os apelos desta ruralidade em transformação e desta urbanidade em globalização aldeã, como se estas terras fossem o espaço privilegiado da formação de Daphnes e Cloés, carentes de uma revitalização dos seus instintos e das suas ansiedades, mas carentes também de um mergulho de cabeça nas águas da tradição, esse livro que vai acumulando as histórias do progresso. Calhou-nos a nós, e nós somos a Associação Cultural e Festiva «Os Sinos da Sé», dar nas vistas também, com a prestação das nossas habilidades em toques, cantorias, trajares e coreografias, para além das bocas e dos apartes que o animador sempre destrava em situação de à-vontade. A troca cultural fez-se pelo transporte e pela mesa e ambos estiveram bem. O transporte correu as duas vias que levam e trazem para Boticas, à ida, a estrada antiga para Chaves, por Salto, com visita à aldeia de Covas de Barroso, à vinda a A24 e depois a A11 até Braga, que o regressso aconselha cautelas e descanso. A mesa foi de requinte: ao almoço, o restaurante Rodrigues, na Vila, serviu-nos um saboroso e oportuno arroz de feijão com grelos e carne de porco, seguido de uma vitela barrosâ grelhada, com batatas a murro e couve tronchuda. De vinho, sumos, águas, sobremesas e café, tudo esteve na conta justa. Ao jantar, na Taverna do Ti João, em Carvalhelhos, as entradas foram de presunto, rojões frios, fígado frito aos pedaços e alheira, a seguir uma sopa de feijão, depois a vitela grelhada, cortada em pedaços, com couve branca e batata cozida, azeite a gosto pessoal, por último um cozido com todos os registos de carne aconselhada, de aspecto soberbo. Das sobremesas não se esquecerá a rabanada com mel. Vinhos, pão, águas e café, sem reparo. Da mesa a gente levantou-se com agrado, depois de a coroarmos com cantigas. Não tendo matérias para reparo, apenas ficamos a desejar que esta cultura da mesa se vá ancorando cada vez mais na qualidade do serviço, que não precisa de impressionar pela quantidade, antes se quer ma medida certa de uma degustação subtil, para que as sobras não sejam sinal nem de fartura nem de esbanjamento. A sabedoria da dose, nesta gastronomia que sempre foi de impressionar, requer uma fineza de trato e de concepção. Hão-de, por certo, encontrá-la, se o caminho andar próximo do que nos foi apresentado. Mas o nosso ofício foi cantar, tocar e dançar e lá o cumprimos com denodo, à tarde e à noite, mostrando um repertório alegre e folgazão, todo ele em modo maior e nesse modo de composição em que dois acordes bastam. Dizer que a música tradicional calha bem com os produtos da terra é já um lugar comum, mas se a experiência insiste nesta combinação é porque há neste encontro alguma sabedoria, ainda que, da parte de quem executa, seja nestas alturas que o desejo de alargar o repertório se manifesta com vigor. É que, também na música de tradição oral, no folclore, há caminhos a percorrer para «espanto» dos que querem ouvir e ver. Afinal, seja a cantar, seja a conversar, seja a comer, acaba por estar sempre presente este sentimento contemporâneo de exposição pública, de nós e dos outros, dos munícipes e dos seus eleitos, do povo e das figuras públicas, daquilo que somos e daquilo que queremos ser. Mas esta exposição, ou este desejo já instalado de exposição, precisará sempre de tomar em linha de conta que ocorre no interior do processo civilizacional em que nos encontramos e de que fazemos parte, o tal livro do acumulado simbólico que a tradição nos vai trazendo à porta, à mesa, à ponta da língua.

sábado, fevereiro 03, 2007

A feira do porco em Boticas

(Foto tirada pela Tininha em S. João de Arga, na romaria de Agosto de 2006; a foto não tem nada a ver com o texto que se segue, mas ilustra-o pela referência à festa, ao extravasar de sentimentos e à melancolia de a viver mais tarde como poética. No contexto das feiras de fumeiro que temos visitado, os versos seguintes criei-os para o meu Grupo «Os Sinos da Sé» mostrar na feira do porco de Boticas de 2007, que às vezes o atrevimento das novidades também me ataca.)

Feira do Fumeiro

Meu amor, meu amor,

Hoje em casa, hoje em casa

É que não ficas.


Meu amor, vem daí,

Para a feira do fumeiro

Em Boticas!


Eu gosto de vir à feira

P’ra cheirar e para ver,

P’ra saborear a alheira,

P’ra comprar e perceber

Esta gente hospitaleira

Que bem sabe receber.

Gosto de ver as lojinhas

E também os restaurantes,

As pessoas comezinhas

E até as mais importantes,

P’ra ver se estão coradinhas,

Insossas ou bem picantes.

Olha os meiotes de lã,

Olha os panos do tear,

Mais o pingue da sertã,

Mel e vinho p’ra provar.

Esta gente, em telha vã,

Está sempre a trabalhar.

Eu gosto de ver as chegas

Dos bois fortes, barrosões;

Gosto de ouvir as conversas

Com muitas variações,

Mas gosto bem das morcelas,

Presuntos e salpicões.

Gosto de ver o progresso

Que se faz por estas terras,

De ouvir o verso e o reverso

Que mantém algumas guerras,

Garantias do sucesso

Nas aldeias e nas serras.

Vou cantar a derradeira

Saudando o sr. Presidente

E o povo que nesta feira

Resolveu estar presente

Por esta ser a maneira

Do meu grupo andar contente.