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quinta-feira, novembro 29, 2007

Indisciplina e aprendizagem

Volto à ideia da desconexão da aprendizagem com a disciplina, o que significa dizer que volto a uma questão que a Sra Ministra deixou pendurada na sua grande entrevista na TV há uns dias atrás. O problema que ela formulou foi o de se separarem as questões do comportamento e da assiduidade das questões da aprendizagem, dito por outras palavras, numa frase disjuntiva, trata-se de saber e de verificar se o aluno sabe ou não sabe, independentemente do modo como se comporta na escola.

Como se sabe o comportamento do aluno tem várias dimensões de observação, as mais importantes das quais são: a assiduidade de frequência, a pontualidade, a participação em aula, o cumprimento dos trabalhos de casa ou de outras tarefas escolares pós-aula, o cumprimento das regras escolares nos espaços e no horário escolares. Destas dimensões, vistas sob o ponto de vista comportamental, aquela que mais de perto se relaciona com as situações de aprendizagem, é a participação nas aulas, entendendo-se por participação a prática de comportamentos de civismo e de colaboração: ser educado, respeitar os colegas, obedecer aos professores, falar na sua vez, ser disciplinado em termos verbais, gestuais e corporais. Estou a falar de comportamentos em si, não estou a falar de comportamentos mobilizados para a aprendizagem.

Uma pergunta que se pode colocar com legitimidade é esta: mas haverá alunos que sejam indisciplinados, mal comportados e que saibam? Ou seja, haverá alunos que faltam às aulas, que não justificam a impontualidade, que brincam e falam a despropósito, que desobedecem aos professores, e que sabem? Nunca os vi, mas aceito que os haja por aí. De um modo geral tenho constatado que aluno indisciplinado é aluno que não sabe, ou que sabe o mínimo, sempre em gestão calculista da sua posição escolar. Também tenho constatado que o aluno que não quer aprender quanto mais se faz por ele, mais ele nos manda à fava e mais indisciplinado se torna.

Os alunos são descontínuos, isto é, têm momentos melhores e momentos piores, nem todos são uns santinhos, nem importa que o sejam, nem todos são sempre cidadãos exemplares, logo, aprendem depressa a tirar partido dos estilos e das gramáticas docentes e vão conjugando o comportamento e a aprendizagem com um interesse manifesto de afirmação, para o bem e para o mal. Ou seja, por outras palavras, eu tenho a prática da impossibilidade de separarmos as águas da disciplina e da aprendizagem, mas se o tiver de fazer julgo que sei por onde se deve ir:

a) De imediato, separando o comportamento disciplinar da aprendizagem, importa que a sala de aula volte a ser, e só, o espaço daqueles que querem aprender, logo, a prática de expulsão da sala dos insurrectos ou incumpridores deve implementar-se automaticamente;

b) Depois, separando o comportamento disciplinar da aprendizagem, importa que a escala de avaliação possa reflectir a diferença: não é esta escala colectivista de 1 a 5, ou de 2 a 5, que dá conta das distinções efectivas entre quem sabe e quem não quer saber;

c) Depois há que introduzir práticas pedagógicas de intensidade sobre a aprendizagem, e voltamos aos exames como chave da questão, porque é ainda aos testes e aos exames que todos nos referimos quando falamos num meio prático de saber se se sabe ou não se sabe alguma coisa;

d) A seguir, bom a seguir, tem de se mudar a Lei de Bases (e a Constituição) e onde se diz ensino básico universal, obrigatório e gratuito, tem de se dizer ensino livre, pessoal e com custos para o consumidor.

Mas perguntarão: a escola deve ou não deve recuperar os alunos indisciplinados? Deve e pode fazê-lo e fá-lo, é este o sistema que praticamos, mas sem separar o comportamento disciplinar da aprendizagem, porque um é a muleta do outro. Essa ideia de recuperar alunos indisciplinados com programas específicos, ou seja, dentro de programas que prevêem apenas aspectos comportamentais, não funciona, é como querer recuperar um trabalhador sem o pôr a trabalhar.

sexta-feira, novembro 23, 2007

A graça dos frutos e as palavras do amigo

Por me achar com uma infecção de nariz e garganta, o que muito me deita abaixo, recebi do amigo Rogério Borralheiro palavras de consolação, para além de bem escritas, susceptíveis de revelar preocupações comuns, por isso aqui as fixo, ao lado das primícias da sua «leira» de Crespos, onde agora construiu casa e faz trabalho agrícola de monta, duas pêras e uma maçã que, devendo ser para os da casa, foram partilhadas connosco por fotografia de email.

"Aos doentes fazia-se a vi(gi)ta que, para além da presença reconfortante, desejava-se, do próprio, constava de acúcar, uma bola de queijo, café (cevada) , uma galinha e o mais que a bolsa do visitante permitisse. Agora, resolve-se com uma mensagem e muita imaginação para construir o "ar" do doente. Está mesmo doente?, muito ou pouco ou nada?
Caro amigo espero que melhores e te recomponhas pois fazes falta, mas devo
dizer-te que até ausente serves para mobilizar as tuas hostes. O ensaio, ontem, converteu-se num genuino esforço de superar a tua falha, só que, tal como é tradição, o trono sem rei por muitos, quase todos, é disputado. Até se pensou em instituir a República, pugnou o Patrício. O Luís Silva quase que conseguia substituir-te; o Henrique fez, também quase na perfeição, o 1.2.3 ... 1.2.3... "Ó ilusão, fantasia" ... saiu quase perfeito; a Manuela levantou os dedos e pontuou os quatro andamentos do Senhor Freitas meticulosamente; o Aurélio modelou os devaneios do Prata, mantendo-o por perto da melodia que se desejava; o Gomes, esse exigiu a repetição da dança "O Nosso Vira" porque é preciso que saia na perfeição.
Notas importantes: Em Janeiro, a 12, Sábado, é a Feira do Fumeiro de
Montalegre para a qual estás convidado tu e eu e o Castanheira se o desejar, mais as mulheres, óbvio, para estarmos com o Cascais. Este ano não há jantar de Banco. No dia 19, uma semana depois, estás de novo convidadao para estarmos em Montalegre com o Cascais. Nota que isto inclui, claro e sempre, a Tininha. No dia seguinte é o S. Sebastião. Uma semana depois temos a Feira de Boticas. Organiza-te e organiza para que possas cumprir estas obrigações sociais.
Hoje vou a Bragança apresentar as Memórias, estou de saída.
Já agora, será que haverá músicas, há certamente, sobre as Invasões? Tu que gostas de adequar ao tempo e ao momento a música talvez fosse oportuno aprender músicas que evoquem a Guerra Peninsular. Um abraço."

domingo, novembro 18, 2007

Trabalho em curso: escrever sobre o TC

Volto àquela cena da levitação: num dia em que lá entrei estava um caterpiller no fundo, a luz do poente substituíra os holofotes, os camiões largavam bafaradas e toda a profundidade do buraco era um sumidoiro de esperanças. Pareceu-me a caverna de Platão. Atirei o caso à procura de esqueletos, uma espécie de remoque de consciência por quantos brácaros já se teriam maltratado em outros lugares. Ali apareceria de facto uma pedra romana. Escavava-se fundo onde antes se terão disposto as campas ou taburnos das freiras e foi em taburnos que se concebeu a arena do teatro, ou do circo. Manteve-se ali uma organização de cemitério, em estrados ou patamares suaves. Voltava-se agora ao gesto dos coveiros, abrir mais fundo, procurar para além de. Se eu alguma vez pensara que se desceria ali ao reino dos mortos! Depois aprendi a linguagem do recalçamento, maravilhei-me com as micro-estacas e as ancoragens, dei-me ao trabalho do espanto: afinal andavam por ali de mãos dadas várias tecnologias de ponta que só agora tinham convergido numa obra só. Aquela congregação de saberes ficou-me nos ouvidos. Houvera ali uma violência excessiva que se apaziguava paulatinamente à medida que cresciam em movimento contrário, de cima para baixo, aqueles painéis de cimento armado que haviam de pegar ao colo em todo o edificado esventrado. Aquelas duas mulheres tiveram a paciência nos limites. Se uma vira e outra ouvira, a pouco e pouco se restabeleceram, sem nunca perderem aquele conforto de nudez propiciadora. Bem estiveram nessa função de carregar a força do desejo até ao limite da ruptura. E bem lho terão agradecido quantos ali passaram a trabalhar ou a mandar, a fazer e a desfazer, a pensar e a penar: arquitectos, engenheiros, empreiteiros, fiscais e inspectores, medidores, orçamentistas, desenhadores, armadores de ferro, cofradores, carpinteiros, manobradores de máquinas, trolhas, serventes, estocadores, serralheiros, electricistas, picheleiros, pintores, estofadores, douradores, fingidores, restauradores, limpadores e outros mais.

sábado, novembro 03, 2007

Em Carvalho de Rei: as idades da música

Carvalho de Rei, concelho de Amarante, na serra da Aboboreira, dia 30 de Outubro de 2007, Terça-feira, a partir das 14.00 horas. Fui lá para entrevistar uns informadores da Chula de Carvalho de Rei. O Sr. Eduardo Vasconcelos, de Baião, produtor de vinho que encontrara no Congresso sobre o Vinho Verde realizado em 19, 20 e 21 de Outubro na Maia, no Porto, em Penafiel e em Baião, foi o preparador e o cicerone deste encontro. A minha curiosidade exprimiu-se em pouco: saber de tocadores de chula nas terras do Vinho Verde em paisagem já duriense, para um possível trabalho sobre os sons e as gentes, no âmbito da minha ligação ao GEHVID como investigador. Aproveitei uma ida ao Hospital de Sto António com minha esposa e da parte da tarde marquei encontro na aldeia, depois de almoçar no Varanda da Serra, na estrada de Amarante para a Régua, já muito perto do território da freguesia de Carvalho de Rei. Virei logo à frente, onde havia uma placa a indicar «aldeias preservadas» e subi. Cheguei ao largo e fotografei o espigueiro e as medas de milho. Um senhor aproximou-se e meteu conversa: fiquei a saber que ele acabava de convocar para as 15.00 da tarde os músicos da tocata, da chulada de Carvalho de Rei, porque «vinha um senhor de Braga para os ouvir»: era eu, e eu só pensara que ia falar com alguém que conhecera os músicos, que os ouvira, que saberia deles um pouco mais que o meu informador. Chegou logo a seguir o Sr. Eduardo Vasconcelos. Fomos dar uma volta pela aldeia: o rural na plenitude das suas marcas: campos a rodear as casas, casas de pedra ligadas aos campos, às hortas, um couval imponente, uma rapariga a trabalhar, uma cara a espreitar da porta, uma senhora de idade sentada na berma, casas e ruas e quelhas antigas, muito escarificadas pelo tempo, fechadas quase todas, a casa da venda também fechada (abria só de manhã), ruas estreitas e tortuosas, uma sensação de solidão e de isolamento. Metemos à conversa com um senhor, Bernardo de seu nome, Bernardo Ribeiro, 80 anos feitos em Março, tocador de rabeca chuleira, que a tirara do estojo preto onde a guardava embrulhada em jornais, com arames a prender a caixa, arco ainda em boas condições. Logo a seguir chegou o senhor Barbosa, 90 anos e 4 meses, com o violão a tiracolo, sem uma corda, mas municiado dela, a prima, que ajudei a colocar: violão rachado, cavalete aparafusado, corda ou guita a segurar a palheta percutiva, feita de osso, travessão a requerer cuidados no aperto, afinação a precisar de ajuste, funcional. Conversámos, gravei os sons possíveis, fiz umas fotografias com o telemóvel, falhei um pequeno video, consegui outro mais pequenino. A Tininha sentiu arrepios quando ouviu o som da rabeca, saiu com um sentimento de angústia e de tristeza, não esperava aquela sensação de perda, que nos vem quando sentimos que estamos a ouvir um som que já foi pleno de vigor e de ritmo e agora o sentimos aproximado, desculpado pela idade. Os músicos, dois, que os outros já se foram, viveram intensamente os seus instrumentos e a sua música, desde a juventude dos 18 ou 19 anos, com todo o tipo de actuações e em todos os tipos de lugar ou de palco, em Espanha e até na França, sons que devem ainda andar por aí em cassetes e em discos, sempre assumidos como próprios, como identitários da terra e deles mesmos. E ali estavam os dois a executar as melodias de chulas e modas, numa entrega ao momento, desculpando-se, mas assumindo o som com a capacidade possível, fiel à memória, próximos e convictos da demonstração. Senti-me recompensado. Deus lhes dê vida e saúde e me permita um agradecimento tão nobre quanto a lição que pude receber.

sexta-feira, novembro 02, 2007

Ouvi-a e penso que

Ouvi ontem, dia 1 de Novembro, na TV em «grande entrevista», a Senhora Ministra da Educação. Penso que ela continua a revelar pouco à vontade com a comunicação social e que continua a dificultar-nos o entendimento das suas políticas, quer em termos de simpatia exterior, quer em termos de assertividade discursiva, quer em termos de relação com os parceiros sociais. De qualquer maneira, de quanto disse e de como o disse, face ao estilo do questionário e da questionadora, saliento:
a) A questão de querer passar para as escolas públicas a regulamentação da assiduidade e da disciplina. O país é pequeno e a escola pública fala muitas línguas, pelo que a autonomia aparece como solução de quem não sabe o que se deve fazer ou o que se pode fazer! Vamos então ver até onde irá a panóplia das soluções locais, se é que vai poder haver soluções locais, do género, esta escola faz assim e aquela faz assado, esta expulsa os faltosos, aquela obriga-os a exames, esta impõe-lhes multas, aquela desculpa-os.
b) A questão de querer desconectar a disciplina comportamental da avaliação, questão que se prende com a anterior, mas que pode ter uma visão global. Será possível? E se for possível é desejável? Seja, admito, mas a ser possível e desejável só com exames e então tudo bem: o aluno falta, que se prepare em casa para exames; o aluno porta-se mal e não modifica os seus comportamentos, que se prepare para exames. De outra forma, a burocracia ocupará o território com silvas e matos e ratos e outros parasitas de lixeira.
c) A questão dos rankings. Se é a Ministra quem neles não se inspira para tomar quaisquer decisões de política educativa, quem sou eu para lhes dar importância. Mas que não os aproveite para falar como falou do ensino particular: o despeito e o jacobinismo quando se associam fazem má figura.
d) A questão do ensino profissional em escolas públicas ditas «normais», ou seja, a inclusão do específico em regime de frequência gratuita, universal e obrigatória: persiste numa ideia que é de reduzida ou nula eficácia: quanto mais e melhor for qualificada uma escola, para a especificidade da sua oferta educativa, melhor funcionará; com esta inclusão de cefs e outros cursos congéneres na escola básica, não se vai a lado nenhum, mas se ela acredita, a fé a leve.
e) A questão das relações de trabalho preferenciais com os conselhos executivos: as comunidades escolares que se previnam, mas onde faltar a presença dos parceiros sociais, a democracia sai fragilizada e o autoritarismo tende a crescer.