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quarta-feira, outubro 31, 2007

Quem escolhe, sabe de si.

Sobre o escalonamento nacional das escolas em termos de resultados, se ouvi dizer à nossa Senhora Ministra que as causas da superioridade do ensino particular estariam no facto de os alunos que o frequentam serem escolhidos pelo própio, então não ando surdo e fiz bem em reagir com a mão na testa à procura de não sei quê. Com que então as escolas particulares escolhem os seus alunos e não são estes que as escolhem, com que então as escolas públicas não selecionam os alunos, mas são estes que as preferem. Os alunos que eu ensino não me escolheram, é um facto, e eu também os não escolhi, mas quando lhes pergunto porque estão nesta escola e não noutra, muito menos numa particular, respondem com tal objectividade de argumentos que fico esclarecido: estão nesta escola porque não quiseram ir para outra, estão nesta escola porque aqui se sentem bem, estão nesta escola porque a escolheram, ponto final. E não me venham com argumentos de dinheiro ou de custos: vejo aqui todas as bolsas. Vejo aqui os alunos que têm bons resultados escolares e vejo aqui os que não querem ter quaisquer resultados escolares, vejo aqui os filhos dos pais que acham a escola pública o melhor desafio educativo para os seus educandos e vejo aqui os filhos dos pais que vêem nesta escola o melhor centro ocupacional de tempos livres. Por força de lei e de grei, Senhora Ministra, terão de existir outras razões para as escolas particulares estarem à frente das escolas públicas: os currículos não podem ser os mesmos, os tempos de estudo não podem ser iguais, os métodos e as técnicas hão-de ser bem diferentes, a disciplina será outra, o empenho docente será de outro quilate, o regime de frequência e de assiduidade pesar-se-á com outras balanças, a preocupação dos pais andará por outros parâmetros. Positivamente, esta minha escola tem um rigor de construção indesmentível e não me tenho cansado de o referir: é permissiva com tudo e com todos, o currículo tem áreas não disciplinares inúteis, os tempos lectivos de 90 minutos cansam e aborrecem, o apoio educativo é consumido ao desbarato, as instalações são carenciadas, os métodos e as técnicas de avaliação não estão certificados, as tarefas de burocracia escolar ultrapassam de longe as tarefas de preparação didáctica das lições, os casos de excepção ditam as regras para o geral. Dito isto, a minha escola é como é, e assim é preferida por quem a frequenta. Podia ser melhor? Não ponho isso em causa, podia sim, mas duvido que o fosse com todos os alunos que tem, com as instalações que tem, com a organização que tem. Se não é mentira que ouvi a Senhora Ministra dizer que o insucesso escolar baixou, então também a minha escola contribuiu com alguma coisa, mas sem ser motivo para que festeje. Antes, me arreigo mais à ideia de que a minha escola cumpre o plano nacional de nunca poder estar em primeiro lugar, nem nos lugares da frente. A minha escola está bem organizada demais para ficar muitos pontos atrás das escolas particulares, simplesmente porque está concebida assim. Aceito o debate com quem quiser debater, mas não aceito debater para comparar escolas públicas e particulares, aceito debater para esclarecer porque é que uma escola pública, organizada assim como a minha, nunca chegará a lado nenhum, por mais que seja escolhida e por mais que escolha. Se não é mentira que ouvi dizer que foi aprovada legislação para desconsiderar o regime de frequência e para desconsiderar o regime de prestação de provas ou exames, então é porque se confirma ainda mais esta vontade de me transformarem em burocrata, de me anularem como professor de alguma coisa. A evidência é excessiva: queremos uma escola que não reprova os alunos, que não os obriga a qualquer regime de frequência e que os dispensa de exames. Seja. Então agora, tratemos de organizar a sociedade em função destes parâmetros e exigências: o aluno sai da escola pública e diz que a frequentou, quem quiser pede-lhe a documentação comprovativa do que lá andou a fazer e tira daí as consequências. O mesmo para as particulares. Quem escolhe quem, é que sabe mesmo o que quer! E o escalonamento nacional das escolas em função dos resultados há-de ser sempre rigoroso, como até aqui: cada um escolhe o lugar que quer no ranking. Ou agora o Estado vai fechar as escolas a partir do vigésimo primeiro lugar?

domingo, outubro 28, 2007

No País dos Verdes - os sons ajudam a beber

Trata-se de um livro produzido expressamente para o Primeiro Congresso Sobre Vinho Verde – História. Economia, Sociedade. Património (Maia, Porto, Penafiel, Baião:19-21 Outubro 2007), com criações de Aurélio de Oliveira,professor catedrático de História da Universidade do Porto, e eu próprio, mestre em Literatura e Cultura Portuguesa pela UNL, que também fiz a selecção musical.

Este livro contém a comunicação apresentada ao Congresso pelos seus autores na qualidade de membros da «Associação Cultural e Festiva “Os Sinos da Sé”», grupo dedicado à divulgação das criações musicais e coreográficas de foro tradicional e popular do País dos Verdes.


A comunicação consiste na abordagem diacrónica de algumas produções musicais populares consideradas significativas no contexto temático dos Vinhos Verdes, apresentando simultaneamente uma contextualização histórica dos movimentos culturais que fundaram a demarcação desta região vinícola, que a tomaram como fonte de inspiração na literatura e na farmacopeia e que a marcaram como território ou espaço ou paisagem singulares no conjunto das tradições populares e dos documentos ligados à história nacional e local, ao canto, à dança e à língua.


O livro é ilustrado a cores com imagens e fotografias que documentam a presença do Vinho, com relevo para imagens raras da arte sacra e da estatuária religiosa.


O corpo do texto lança novas hipóteses e interpretações (a partir da «provocação» da capa) e algumas anotações históricas sobre o temário dos vinhos. O texto poético, na sua quase totalidade inédito, junta o agradável ao jocoso, por vezes com alguma irreverência, que o tema báquico requer e exige.
Em termos musicais, o livro suscita várias leituras sobre o acumulado musical tradicional e popular e apresenta a anotação em pauta quer de melodias tradicionais recolhidas na região dos Vinhos Verdes, quer de melodias de autores ou grupos de música popular, quer de criações ou arranjos originais sobre temas específicos, valendo a pena citar a obra para coro misto a 4 vozes da autoria do compositor Joaquim Santos, elaborada expressamente para este evento e para circular doravante no repertório dos cantares religiosos dedicados a Nossa Senhora da Vinha.

Na perspectiva do repertório da Associação Cultural e Festiva «Os Sinos da Sé», este livro sugere algumas pistas de redescoberta dos sons que nos convocaram para os trabalhos e as festas, para além de avançar com a necessária redescoberta de outros sons que se tornaram demarcadores da nossa evolução social, antes e depois de Abril de 1974.

Preço: 10,00 €.

quarta-feira, outubro 24, 2007

Passageiros do comboio escolar

Volto ao blogue neste acto de me lembrar que três colegas se aposentaram da minha escola e nunca mais os vou ver na mesma carruagem do comboio: a Manuela Carreiro (CN e Mat), o Costa Gomes (Mús) e o António Macedo (Ing e Port). Conheci a Manuela em Vila Real, na Escola Diogo Cão, nas actividades do estágio pedagógico; no ano seguinte, 1979, em Braga, na Francisco Sanches, ela seria uma das fundadoras do Grupo Folclórico de Professores de Braga, do qual fez parte durante uns anos; trabalhei com ela o projecto das campanhas da Dádiva de Sangue, numa equipa de que faziam parte a Maria José Lopes, a Luísa Ivo e o Fernando Cardoso. Atenta, crítica, por vezes seca e dura, tinha o culto da coerência e da responsabilidade. Conheci o António da Costa Gomes sempre como músico, primeiro como pianista, depois como professor; vi-o sempre envolvido em projectos de animação musical e recordarei sempre como iniciativa exemplar o seu projecto d'Os Pequenos Cantores da Francisco Sanches, a formação de um grupo dedicado à interpretação de temas originais, de cuja composição se encarregou com todo o fulgor de criação. Devo-lhe quase toda a minha curiosidade em assuntos musicais, agradeço-lhe a paciência com que me ajuda e espero ainda dele muitas contribuições para o Grupo de que faço parte: já cantamos dele alguns temas originais e outros harmonizados. É um criativo, uma torrente de generosidade, um santo. O António Macedo é um combativo, com tanto de persistente como de resistente, adepto da coloquialidade, questionador, prático da disciplina e da autoridade, mas entusiasta da troca cultural. Comecei a escrever sobre eles e fui ler uns versos ao Pires Cabral, numa obrazinha poética recente que meu irmão António me sugerira como surpresa.

Retirei então desse livro de poesia «Que comboio é este», edição do Teatro de Vila Real, 2ª edição, 2007, p. 23, a seguinte passagem:

Passageiro.

Caramba,
não preciso que mo lembrem.

Não me enterrem mais
a coroa de espinhos:
já me está apertada,
fundida com o crânio quanto baste.

E pus a banda a tocar, saí para a rua, que a vontade era visitar a estação de Vila Pouca se ela ainda pudesse ser meu ponto de partida para a Régua. Pois para o mundo é que foi, com direito a banda de música na memória deste presente, como se fora a inauguração da minha linha e como se fora a recepção da minha chegada a outro lugar. Tenho do comboio uma saudade eufórica e da condição de passageiro uma liberdade resignada, de aceitação, uma condição de outra condição. E desde então vi-me passageiro entre outros, em todos os comboios que o foram e naqueles que o parecem. Desde então não desci mais de comboio algum, não obstante a ilusão de apeadeiros ou de estações demoradas. Ando de comboio nesta naturalidade de viver. De professor me vi como passageiro de comboio, espinhado até ao tutano pelo ofício. A poesia de Pires Cabral é como água.
Entrámos passageiros na idade da flor e deixámo-nos seduzir pela viagem, essa mesma ideia da viagem com destino, nesse encantamento das mudanças de estação, nessa variedade de entradas e saídas de gente, nesse encontro perturbador de lugares e de acasos.
Deixo-me conduzir por esta ideia de ser passageiro com outros e vejo-me neste comboio escolar donde alguns se vão apeando, ontem um, depois uma, agora três, qualquer dia cinco ou seis e depois eu e um dia todos. De mim sai sempre um pouco com os outros que vão à frente. Eles ficam um pouco comigo. Eles saem, melhor, mudam de comboio, se calhar apenas de carruagem, mas deixo de os ver e deixo de me ver neles. Acontece nesta condição de passageiros essa mesma comunhão de traços de família, esse mimetismo de gestos e de tiques: misturamo-nos até nos gestos e nos rostos. Fiquei mais só até me recompor, inevitavelmente seguirei sem eles. Foram passageiros incomodados e gostei deles por isso.
Volto ao livro de Pires Cabral, oportuna metáfora também sobre a escola que nos serve de comboio. E leio:

Companheiros de viagem

Comigo viajam todas as moscas,
bandos de aves, trupes de ciganos,
o papa, a miss mundo, a empregada
do shopping e os seguranças do mesmo,
o cão que ladra no terceiro andar,
o salmão que comi ao almoço.

Minto: o salmão apeou-se
na estação anterior.
Dele viaja apenas, por enquanto,
uma espécie de sombra
e depois nada.

Eu poderia substituir os sintagmas do poeta com outras entradas lexicais: livros, alunos, disciplinas, processos disciplinares, funcionários, pais, problemas, ministros, e cada uma destas poderia ser o salmão que não digeri ou a trupe, ou a miss, ou as aves, ou as moscas, ou o papa, enfim, tudo vai comigo no comboio, tudo viaja connosco neste que é escolar e que parece servir uma linha interior a outras linhas.
Aqueles meus colegas saíram há pouco, um mesmo agora e ainda se vê no cais. Vivemos juntos desde que este comboio da Sanches era só metade e quase descomposta de recursos interiores, que por fora teve sempre grandeza de aspecto. Não começámos a falar por sedução de corpo ou de estilo; aconteceu-nos primeiro o desconforto, depois a discussão, mais tarde a partilha, finalmente o respeito e a amizade. Se algum traço comum retenho deles é este mesmo: foram três paradigmas do passageiro empenhado em chegar a algum lugar, empenhado e convencido das vantagens de chegar. Eles enterraram na cabeça essa coroa de espinhos, fundiram-na com o cérebro e pensaram-se sempre na mesma condição de serem passageiros num comboio especial, de serem os passageiros condutores de outros, de serem os animadores especiais dessa viagem do conhecimento. Entrámos na flor do sonho e sustentámo-la com insucessos, nessa esperança de viajar melhor, nesse desejo de renovar o próprio comboio. Páro um pouco, abro a janela, vejo a paisagem e regresso ao banco: estes passageiros eram da tempera de levar com eles as suas tralhas, toda a bagagem lhes fazia falta no lugar, sempre cheios de bagagem e sempre de bagagens cheias. Que fossem as ciências ou a matemática, que fosse a música, que fosse o inglês ou o português, estes passageiros eram-no de bagagem completa. Com eles ia tudo à frente, debaixo de olho, ainda por cima sempre nesse cuidado permanente de acumular as novidades de estação para estação.
Quando chegou ao comboio essa moda de viajar com distracção continuada, resistiram-lhe, puseram a cera nos ouvidos: viaja-se para aprender, não se viaja para ficar ignorante em qualquer apeadeiro. E ignorar, se foi alguma vez objectivo da viagem, parece ter ficado mesmo a ser destino e nome de estação. Passageiros da resistência, bem os posso considerar assim: ciências e matemática, música, inglês e português, tinham de ser para eles carruagens com vida própria. No comboio, os passageiros determinados acabam por fazer falta aos turistas de ocasião. Páro por aqui. Vejo o revisor ao fundo. Volto a Pires Cabral:

O revisor barafusta.
Ele acha que o meu bilhete
não é válido para este comboio,
mas apenas, quando muito,
para um qualquer tranvia suburbano.

Bem fizeram, colegas, senhores passageiros, gostei de vos ver assim. Obrigado.

terça-feira, outubro 16, 2007

RFS - outra vez no ar

De cabeça erguida é que se anda bem, mas de cabeça baixa acha-se dinheiro ou vê-se a terra que se pisa, e onde se põem os pés é dever de cuidar bem, não vá aparecer um bosteiro de cão urbano e lá se vai a sola do sapato até casa ou até à escola, lugar este mais delicado para sola de sapato entrar suja, pois há mais gente a reparar, gente com pituitária analítica, inclusive para cheiros de ar, que demais para cheiros de terra. Mas é da cabeça erguida que eu quero falar neste começo de ano e não estou a conseguir levantar o cachaço. Como é que se anda de cabeça erguida em tempo que toda a gente olha para as solas dos sapatos? Como é que se cheira o ar quando o chão de baixo está empestado de licenciosidades? Como é que se anda de cabeça erguida em maré de desinvestimento na linha do horizonte? Um homem ergue um pouco a cabeça e logo a baixa, tal é o costume, ou hábito, ou vício de olhar o chão. Mesmo quando a gente começa de levantar os olhos para ver pernas e depois seguir as suas chamadas de atenção e as suas curiosidades de encaixe ou seguimento para a cintura e depois continuar a levantar os olhos até ver o antes e logo depois o rosto e baixar de novo, que não deu para sustentar sorriso ou esperança de olhar o céu. Anda uma tristeza no ar e eu não sei dar conta dela. Anda mais gente na escola, está mais velha a escola, está mais ocupada e suja e cheia e ruidosa e entupida a escola, de gente que olha o chão. Há falta de ar? Há falta de céu? Chega de metaforizar a intencionalidade de falar daquilo que não tenho, nem acho, nem vejo onde o procuro: o entusiasmo. Não há entusiasmo no chão, não o há no ar, não cheira a entusiasmo, cheira a gente, a rebanho enredilado. Dizem-me, quando olho para o chão ouço mais vezes o que não quero, que nada deu em nada, que a montanha pariu rato de pequenez acentuada: e agora sou professor titular de olhos no chão. Mas eu obrigo-me a erguê-los: levanto-os na sala, levanto-os naqueles corredores de vento e de sol e de chuva que são os cobertos de lusalite envelhecida e frágil, levanto-os no quadro que ainda me exige o braço todo, levanto os olhos para pedir aos alunos que os levantem, que os vejo sempre de olhos em baixo, de mãos metidas entre pernas, de cabeça distraída com o tampo das carteiras. Anda aqui qualquer coisa a destemperar o gosto e não é só a minha idade, que agora até me sinto bem na leveza dos assuntos repetidos e dos exemplos renovados. Anda aqui mosca varejeira, anda aqui gravidade a mais. Procura-se leveza, arejo, vontade de voar. Chega-se a professor titular e deixa-se o avião em terra? Pois mais parece. Pode ser que a rádio ajude a ganhar lanço. Mas a nossa rádio fica no rés-do-chão, ali, no piso mais fundo do Pavilhão F, num daqueles cantos onde se passeia uma freira teimosa e resistente. Até as fadas se entrincheiraram. Isto promete. Eu vou ler aos meus alunos aquela história do Italo Calvino que começou precisamente no momento em que alguém viu outro alguém a olhar para o ar, para o cocuruto de um prédio ou de uma igreja ou de um palácio ou de uma árvore ou de uma montanha. Toca a levantar a cabeça, pessoal! Eu vejo qualquer coisa acima da minha cabeça!

sexta-feira, outubro 12, 2007

Os blogues que frequento

Leio sempre que posso, e procuro poder diariamente, o abrupto de JPP, onde o cansaço é cuidadosamente aliviado pela variedade de posturas verbais e visuais, onde a repetitividade analítica sempre me surpreende e onde os textos poéticos ou narrativos paralelos são embraiadores da própria velocidade de circulação; o poesiailimitada é uma questão de treino interpretativo, é uma obrigação de informação e uma figuração da ansiedade; o farraposdeseda é uma curiosidade intensificadora do desejo de ler mais, foi pena que o autor tivesse retirado um conto e não tivesse lá posto muitos outros que escreveu; o autor, psiquiatra, é um amigo de infância que tomo por mestre de caminhos, não de os fazer ou de os indicar, mas sobretudo de os saber andar com novos fôlegos; o sacouto por ser um lugar do encantamento das ilhas e do mar, por ser um acumular de conversas intervalares. Viajo por outros, um deles de economia, participo em poucos com comentários, passo e vejo blogues como pelas ruas das cidades em que vejo tudo e não guardo nada e me lembro depois do que nem vi. Se calhar são para este mesmo jeito de ver e de ser e de estar e de andar que os blogues se fizeram. Entusiasmei os meus alunos a fazerem um blogue. Está em crescimento: aefs-6-1.blogspot.com