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sexta-feira, setembro 07, 2007

De então para cá

De então pode ser o mês de Agosto e para cá é o dia de hoje: espero por uma reunião inútil, mas tem de ser assim, reunião porque nos vamos juntar uns quantos com esta função de sermos directores de turma, inútil porque se trata de uma preparação a partir de tudo quanto já se sabe e se fez em anos anteriores, mas tem de ser assim porque quem a marca não tem outra forma de ser e o lugar onde acontece tem de estar marcado por rituais de ocupação. Entretanto escrevo, porque é descompressor da atmosfera.
Escrevo na lembrança de gente que perdi nestes últimos tempos: a D. Mia, a mãe de dois irmãos meus amigos, os Farias, uma senhora que me encheu sempre a alma com aquela franqueza de acolhimento e de comunicação: ela tivera um negócio de taberna e venda e muito bem se especializara em saber encarar os fregueses e em saber adivinhar-lhes as tendências, ela acumulara experiências de trato com todos e eu bem pude saber quanto isso lhe dava vantagem para nos perceber, aos mais novos, para nos atiçar e para nos confrontar com este nosso tempo de abastança e de conforto; dela recebi alguns testemunhos que definiram o meu interesse pelas práticas musicais e coreográficas desta região, dela guardo uma lembrança de ternura e uma preocupação constante pelos meus: estar com ela era estar com todos os que temos e com todos os que somos, era ter a curiosidade de sabermos mais de nós.
Outra perda foi o Teles, meu colega de profissão, homem avantajado em todas as dimensões, no corpo, na amizade, no riso, no trabalho e na saudade; tive com ele alguns momentos decisivos neste ofício de animação cultural e neste ofício do convívio; nunca a palavra lhe foi de cerimónia e nunca o abraço lhe foi de episódio, o seu optimismo era uma força da natureza, era uma água benta de entusiasmo.
E ainda outra perda, a do «meu reitor», o professor Lúcio Craveiro da Silva, com 92 anos cheios de lucidez e de compreensão. Nos idos anos da revolução de Abril, chefiei um «comité revolucionário» de ocupação do seu gabinete de direcção da Faculdade de Filosofia em Braga, para satisfação de longo historial de reivindicação da equiparação e habilitação do curso para a docência, depois sentei-me a seu lado como representanate dos alunos no primeiro conselho directivo alargado daquela faculdade e ainda hoje me lembro com nitidez das suas palavras de recepção àquela fúria invasora do «vimos ocupar-lhe o gabinete»: «sentem-se e vamos conversar» e desarmou-nos com graça, que ele era mais reivindicativo do que nós. Falámos deste e doutros episódios do Verão quente, falámos de quanto me faltou para ser hoje mais orgulhoso de mim próprio, a última vez ali na esquina da Faculdade, depois de um encontro com música na Casa de Monção. O tempo deu-me bem a oportunidade de o ter como mestre.
Entretanto correram as festas e as marés e entre as praias de Maiorca e as de Esposende o vento e o sol proporcionaram-nos bons momentos, a mim, à minha esposa e aos amigos e familiares. Fui a S. Lourenço da Armada, com o Borralheiro e a Helena, festa que me decepcionou, não fui à Senhora do Pranto a Salto, fui a Viana do Castelo às da Sra da Agonia, outra vez com o Borralheiro e a Helena, fui às de S. Bartolomeu do Mar, com o Frank, um amigo alemão que se encontra agora entre nós e que é especialista de som, fui a S. João de Arga, com uma enchente como nunca vi, não fui à Peneda porque não pude. As festas são uma ocasião de curtimento das conversas, valem pelo descanso e pelo reparo naquilo que cuido ser a minha terra e o meu tempo.
O regresso à escola foi uma decepção, pela banalidade dos gestos e das palavras, pela curiosidade de desgaste e pela impressão de suspensão em relação às decisões que podem vir de cima, claro, do Ministério. Salvou-se e salva-se o projecto em que nos metemos para a «rentrée»: a tocata dedicada a S. Martinho de Dume, já com os alunos nos ensaios do canto, com a Ondina Cunha ao piano e a Teresa Couto como intérprete «diva» e eu a teimar no clarinete em dó, e a Céu Lucas a dar volta aos gestos e à encenação. É para o Festival de Mimos de Braga.
Em casa, nos intervalos de tudo, nos momentos de desconforto, corro com os trabalhos do vinho e da vinha, de parceria com o Aurélio de Oliveira, para apresentar no I Congresso Internacional do Vinho Verde. Só falta ensaiar. Por falar em ensaios, retomaram-se os da Associação «Os Sinos da Sé», às quintas, às 21.00 horas.
No dia 25 de Agosto foi o aniversário de minha mãe, 83 anos em situação de imobilidade progressiva, com lucidez de palavra e de memória, mas com muito tempo de silêncio e de olhar. Meu pai está com 80, estivemos lá, em Raiz do Monte, os filhos todos e quase todos os netos. Estamos ainda todos com o barulho da infância.

2 comentários:

A. Costa Gomes disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
A. Costa Gomes disse...

Feliz de ti que ainda tens Pais!!! E, se calhar, com mais cabelo do que o filho...
Pois acabo de saber os caminhos que trilhas durante os tempos livres. Se não fossem certos compromissos, inclusivé familiares... faria o mesmo que tu. Olha, acabo de chegar do funeral de um colega da minha idade mas com uma vida "cheinha" de boas obras a avaliar pela lotação da igreja: quase cem padres, gente a chorar por todos os cantos, a igreja a abarrotar com os "camarotes" do adro completamente cheios. E não era pequeno. Foi ali para os lados de Castelo de Neiva. Às vezes parece que é mais vantajoso morrer na mocidade: dá mais nas vistas e fica mais saudade.
Já agora, deixa-me fazer-te uma proposta: que tal pensarmos num "blog" do género "PROFAPOSENTADO"? Seria uma boa maneira de continuarmos a trocar umas ideias. Vê lá: hà quanto tempo não ouço a voz do Jaime Carreira... e do Aníbal.... e da... Olha que fazia falta. Onde é que vou, agora, saber do Zé Machado? ou do Castanheira... Carambas! Isto de ficar "entradote"...
Um abraço, Costa Gomes