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quarta-feira, junho 13, 2007

Professor titular de coisa qual?

Fotografia de Miguel Louro, da série «A Luz Viva da Morte», que uso aqui como metáfora de uma ideia de desfragmentação.
Está a resultar muito claro que este concurso para professores titulares se vai representar no futuro próximo como um momento de ajuste de contas. Tudo nele se configura para esta ideia do acerto de contas, umas recalcadas, outras mantidas em lume aceso, outras ainda mal apagadas, outras sempre espevitadas pelos ventos da língua. Mas que contas? As pessoais e as institucionais. No que toca às pessoais, cada um diz o que quer, mas agora diz mais porque a conjuntura assim o requer: agora é preciso falar sobre os colegas, agora é preciso referir quem fez o quê e quando e como, agora requer-se que se fale de tudo, sobretudo do que não sendo objectivo mais se presta para concretizar. Corre pela escola uma algaraviada sintonizada na crítica desabrida ao estilo e à personalidade de cada um: pelo que me toca, já ouvi de tudo, mas ainda mais terei de ouvir enquanto a procissão andar às voltas: que eu fui intratável, que eu fiz e aconteci, que eu não liguei a este nem àquele, que eu só me ocupei de cargos com visibilidade, que eu sou um daqueles para quem o concurso se fez por encomenda. Não discuto nem contesto, estas críticas e muitas outras são a minha vida e têm sido o meu sustento de feitio e de trabalho, e ainda hei-de ouvir muitas mais, senão morro de tédio e de falta de assunto. O nervo espicaçado rejuvenesce o tecido. No que toca às críticas institucionais, a coisa já pia mais fino. Este concurso é um revelador de quê? De um tipo de escola em que nos envolvemos em todo o tipo de trabalhos que agora não aparecem nos critérios de promoção e de contabilidade de pontos, que nos gastámos em actividades que agora não são minimamente valorizadas nem sequer referidas, que andámos a trabalhar para nada. Pois esta crua realidade é que nos está a pôr ao rubro, afinal este concurso só pontua cargos e mais cargos, não pontua desempenhos ou estilos de docência, não pontua dedicações nem preenchimento de papéis. É esta a realidade que nos põe a disparatar contra tudo e contra todos, mas é esta a realidade. Não julguem que os meus pontos resultam das aulas que dei ou das fichas que concebi para os alunos, ou das cantigas que lhes criei, ou das cenas e dos passeios que com eles desenvolvi, ou das horas que gastei em apoio lectivo ou em dedicação à escola, ou das histórias que lhes contei, ou das acções de formação em que participei quer como líder, quer como cliente. Os meus pontos para professor titular resultam da aplicação de uns critérios objectivos aplicados aos meus últimos sete anos de profissão docente. Este concurso é dilemático na sua essência e demoníaco nos seus propósitos: daqui para a frente, eu deverei continuar atento às actividades que derem pontos para a progressão na carreira ou deverei continuar disponível para todo o tipo de dedicações à escola e aos alunos? Daqui para a frente eu ocuparei cargos para exercer uma função pedagógica ou ocuparei cargos para obter os pontos necessários à futura progressão? Eu vou só dar dois ou três exemplos de dedicação docente que neste concurso não servem para nada: o caso primeiro pode ser o de um programa de rádio escolar: quem o faz e quem o sustenta não ganha nada com ele; mas a seguir posso indicar a paciência ilimitada dos colegas que gerem toda a informática da escola: não há qualquer ponto para o que fizeram; depois posso invocar os meus colegas e amigos, e eu próprio, contadores de histórias que servem todo o tipo de encomendas: pois que se contentem em contentar histórias ponto a ponto e até os podem aumentar que eles nunca aparecerão no concurso. A feira ainda não desarmou e está longe de esgotar os estoques da boa língua. Mas que este pode ser um bom ponto de partida para uma interrogação há muito desejada, pode: o que é que andamos a fazer que se veja e tenha sabor e cheiro e preço e gasto e não seja só um discurso de pedagogia verbal?

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