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domingo, junho 24, 2007

A noitada de S. João foi de camiões!

(Fotografia tirada por meu irmão António Machado no dia 23 de Junho de 2007)
Eram as trombetas do apocalipse, mas se não foram, pareceram. A noitada de S. João na cidade de Braga subiu de tom e o inferno das roncas, das sirenes e das bochechas inflamadas de ar ocupou os ouvidos, penetrou até aos tímpanos de uma memória já feita de barulhos mais ténues, mais toleráveis e menos impositivos, embora estes já andassem a cobrir uma memória de noites sossegadas, onde os estampidos eram provisórios e efémeros. Quando os martelinhos se impuseram, logo com eles vieram também os apitos da arbitragem, mas este ano chegaram os claxons de camião, essas sanguessugas da atenção rodoviária. Se a juventude estouvada se quis afirmar e exibir, ontem, na noitada de S. João, teve meios de eficácia absoluta. Fico na dúvida que tais roncos sejam apelativos da sedução, mas hoje nada se sabe de seguro sobre o terreno dos instintos. Aquelas sirenes de camião em trovoada, movidas pelo sopro pulmonar, poupando assim no ar comprimido das botijas, trouxeram o desassossego da noite. Já de tarde me encontrara com o Dr. Meneses e ele me dissera que ia a caminho da casa, a fugir da barulheira dos bombos, sobre os quais afirmava o aumento exponencial de barulho e de impacto em relação aos Zés Pereiras da sua juventude, e eu estivera ali a temperar a sua intolerância para com este exibicionismo contemporâneo, mal intuindo o que me esperava nessa mesma noite. Também vim de malas para casa, muito mais cedo do que pensara, muito mais intolerante que o Dr. Meneses. Arre!

quarta-feira, junho 13, 2007

Cantemos o S. João

Vamos atrever-nos a editar um disco com temas de origem popular e tradicional e com temas de autor. O atrevimento foi até o de sermos também autores de arranjos e de melodias, que de poéticas já o éramos, para compositores como António da Costa Gomes e Joaquim dos Santos. Mas não é o trabalho pessoal que está em causa, mas sim a dinâmica de um grupo que se revê neste símbolo esquemático, feito há anos pelo António Precioso e agora retocado na nomeada. Os temas são 12: 3 polifonias da tradição rural, a três e quatro vozes, no sistema de harmonização em fabordão, com vozes sobrepostas, simétricas quase na totalidade, mas com pormenores de desencontro ou de fim; 4 polifonias de autor, três de Joaquim Santos e uma de A. Costa Gomes, duas delas com acompanhamento instrumental, ouvindo-se numa a gaita de foles, num fraseado de volteios simples; 5 temas corais e instrumentais, com dois inéditos de raiz, um romance e uma cantiga narrativa. Tudo sobre o São João, figura icónica na cultura ocidental pela leitura utópica de esperança na renovação. Oxalá agrade, pese embora alguma insuficiência assumida.

Professor titular de coisa qual?

Fotografia de Miguel Louro, da série «A Luz Viva da Morte», que uso aqui como metáfora de uma ideia de desfragmentação.
Está a resultar muito claro que este concurso para professores titulares se vai representar no futuro próximo como um momento de ajuste de contas. Tudo nele se configura para esta ideia do acerto de contas, umas recalcadas, outras mantidas em lume aceso, outras ainda mal apagadas, outras sempre espevitadas pelos ventos da língua. Mas que contas? As pessoais e as institucionais. No que toca às pessoais, cada um diz o que quer, mas agora diz mais porque a conjuntura assim o requer: agora é preciso falar sobre os colegas, agora é preciso referir quem fez o quê e quando e como, agora requer-se que se fale de tudo, sobretudo do que não sendo objectivo mais se presta para concretizar. Corre pela escola uma algaraviada sintonizada na crítica desabrida ao estilo e à personalidade de cada um: pelo que me toca, já ouvi de tudo, mas ainda mais terei de ouvir enquanto a procissão andar às voltas: que eu fui intratável, que eu fiz e aconteci, que eu não liguei a este nem àquele, que eu só me ocupei de cargos com visibilidade, que eu sou um daqueles para quem o concurso se fez por encomenda. Não discuto nem contesto, estas críticas e muitas outras são a minha vida e têm sido o meu sustento de feitio e de trabalho, e ainda hei-de ouvir muitas mais, senão morro de tédio e de falta de assunto. O nervo espicaçado rejuvenesce o tecido. No que toca às críticas institucionais, a coisa já pia mais fino. Este concurso é um revelador de quê? De um tipo de escola em que nos envolvemos em todo o tipo de trabalhos que agora não aparecem nos critérios de promoção e de contabilidade de pontos, que nos gastámos em actividades que agora não são minimamente valorizadas nem sequer referidas, que andámos a trabalhar para nada. Pois esta crua realidade é que nos está a pôr ao rubro, afinal este concurso só pontua cargos e mais cargos, não pontua desempenhos ou estilos de docência, não pontua dedicações nem preenchimento de papéis. É esta a realidade que nos põe a disparatar contra tudo e contra todos, mas é esta a realidade. Não julguem que os meus pontos resultam das aulas que dei ou das fichas que concebi para os alunos, ou das cantigas que lhes criei, ou das cenas e dos passeios que com eles desenvolvi, ou das horas que gastei em apoio lectivo ou em dedicação à escola, ou das histórias que lhes contei, ou das acções de formação em que participei quer como líder, quer como cliente. Os meus pontos para professor titular resultam da aplicação de uns critérios objectivos aplicados aos meus últimos sete anos de profissão docente. Este concurso é dilemático na sua essência e demoníaco nos seus propósitos: daqui para a frente, eu deverei continuar atento às actividades que derem pontos para a progressão na carreira ou deverei continuar disponível para todo o tipo de dedicações à escola e aos alunos? Daqui para a frente eu ocuparei cargos para exercer uma função pedagógica ou ocuparei cargos para obter os pontos necessários à futura progressão? Eu vou só dar dois ou três exemplos de dedicação docente que neste concurso não servem para nada: o caso primeiro pode ser o de um programa de rádio escolar: quem o faz e quem o sustenta não ganha nada com ele; mas a seguir posso indicar a paciência ilimitada dos colegas que gerem toda a informática da escola: não há qualquer ponto para o que fizeram; depois posso invocar os meus colegas e amigos, e eu próprio, contadores de histórias que servem todo o tipo de encomendas: pois que se contentem em contentar histórias ponto a ponto e até os podem aumentar que eles nunca aparecerão no concurso. A feira ainda não desarmou e está longe de esgotar os estoques da boa língua. Mas que este pode ser um bom ponto de partida para uma interrogação há muito desejada, pode: o que é que andamos a fazer que se veja e tenha sabor e cheiro e preço e gasto e não seja só um discurso de pedagogia verbal?