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quinta-feira, maio 24, 2007

Em memória da Maria José Costa

Eu levarei comigo as tuas cinzas,
Lançá-las-ei em terra de palavras,
Serão flores discretas muito lindas,
Hão-de colher-se em vozes partilhadas.

segunda-feira, maio 21, 2007

Um casamento, uma comunhão e um baptizado

(Estas duas fotos foram tiradas por meu irmão António Machado; na da esquerda a mãe segura o afilhado e a madrinha limpa-lhe a cabecinha; na da direita o padrinho segura a vela e a mãe tem o menino ao colo) O Padre Orlando, da Cedofeita, Porto, presidiu e fez o baptizado: foi humanamente perspicaz e apelativo.
No dia 19 de Maio estive num casamento muito singular, o da filha de um amigo, filha essa que exerce a sua profissão numa instituição a que me ligam laços de solidariedade educativa, não obstante os reparos que tenho distribuído para que essa instituição seja mais eficiente em termos de recursos e de competências demonstrativas. Este casamento, que se estendeu pela tarde e pela noite, foi continuado no domingo por uma primeira comunhão e por um baptizado, ambos no Porto, de manhã, ambos de dois irmãos e meus sobrinhos, da parte de um irmão meu. Fomos os padrinhos, eu e minha esposa, completando assim uma ligação mais intima em termos das nossas duas famílias, posto que já éramos padrinhos do lado da família de minha esposa e agora ficamos a sê-lo do lado da minha, para além de o sermos do lado de outras, as de amigos. Nós não fomos felizes em termos de sucessão e isso agora até vem ao caso, porque se relaciona tudo e a nossa cabeça é o nosso mundo e o nosso mundo são as nossas realizações e frustrações, estas maiores que aquelas, porque somos de muito sonho e de menor concretização deles. Todavia sonhámos e tivemos duas meninas gémeas que não vingaram naqueles poucos dias de presença na maternidade do Hospital de S. Marcos. Então toda a escuridão do mundo foi abafada por uma esperança sem limites de nova oportunidade e próxima, mas não quis a fortuna nem a vida que fosse como sonhávamos e hoje estamos entregues a todo o amor aos outros que nos são próximos e relativos. Não deve um homem falar destas coisas num blogue destes, bem sei, mas as palavras fugiram-me e eu fui atrás delas só para evitar que se espaventassem em exagero com este lugarejo de fama que o blogue lhes é. Mas era aos minutos da fama que eu queria chegar e cheguei. A noiva e o afilhado e o batizando foram apenas um enxerto de imaginário, mas o essencial vem a seguir. Casamentos e comunhões e baptizados são ritos de passagem, mudanças de estado, entradas para novos estatutos da pessoa. De muitas e variadas formas se celebram, mas o seu essencial é todo feito dessa massa humana que se chama imaginário e esperança no novo, aspiração superior de mudança, desejo de outra plenitude, na comunidade, na família, na relação a dois, na vida pessoal. Vem-me à memória o choro colectivo que se desencadeou na igreja da minha freguesia nesse dia em que a comunhão solene do meu grupo de catequese nos obrigou a um compromisso colectivo de sermos melhores meninos, melhores cristãos e melhores cidadãos dali para a frente: foi a derrocada da contenção de lágrimas, desatou tudo a fungar e a soluçar que foi uma carrada de frescura. Depois as fotografias e a boda compensaram-nos. Mas onde eu quero chegar é à escola e à televisão, onde num dia destes apareceu, fulgurante e arrasador, um professor de Harvard a declarar-se portador de um novo método de ensino e de aprendizagem, desinibindo-se cruamente diante das câmaras a expor o seu caos de docência, que consistia precisamente em desafiar os alunos, expondo-lhes um problema a resolver e deixando-os depois em tal discussão que se convencessem uns aos outros do que sabiam e do que era preciso saber para descobrir as soluções do problema. Que os alunos se convençam uns aos outros com as suas explicações e os seus raciocínios, com os seus argumentos e as suas crenças, que sejam eles próprios a mobilizar os recursos informativos e documentais para encontrar as soluções. A cada passo aparecem estes minutos de fama e de visibilidade a lembrar-nos que anda alguém atrás da pólvora, que anda alguém a experimentar soluções. Já na minha formação profissional houve disto tudo; desde o trabalho cooperativo, desde a dinâmica de grupos, desde a sala em redondo e em quadrado, desde os quadros interactivos, desde a pesquisa em laboratório, desde a exposição pura e simples, desde o faça você mesmo, desde o experimente e torne a experimentar. A gente anda sempre a baptizar-se em pedagogias e a gente anda sempre a comungar novas possibilidades de alimentação desta cadeia de relações pessoais que é o ensino, que é a aprendizagem. A gente anda sempre a casar-se com gurus da última moda, ou seja, da última lapalissada. Tudo serve, tudo está bem, tudo enriquece a gente. A novidade é precisamente esta: a de uma pessoa fazer dos seus momentos de vida ritos de passagem para algo melhor e de superior realização. A gente até parece que não corre risco nenhum em optar pelo caos ou pela directividade plena da exposição pura e simples, a gente quando não estiver bem muda-se, volta a experimentar. Uma noiva quer casar-se para sempre e catequisando quer comungar a eternidade e o baptizando quer entrar no reino de Deus. É este programa de futuro que merece as modas pedagógicas, não são estas que precisam daqueles momentos para se revelarem como provisórias e efémeras. Os métodos variados devem estar ao serviço dos princípios. Mas não foi disto que falei à noiva, nem aos meus dois sobrinhos do Porto.

quinta-feira, maio 17, 2007

Os dias na escola 3

São de impotência crua e ressentida,
Actualizadamente frustradora.
Se o caos for origem de mais vida,
Então é de esperar por essa hora.

segunda-feira, maio 14, 2007

«Os Sinos da Sé»

Este conjunto de gente tem sido a minha consumição e eu a deles, sem que se possa medir quais de nós são mais gastadores de tempo e de paciência. O certo é que nos temos amparado, distraindo-nos e concentrando-nos em torno desta veleidade que são as cantigas e as poesias populares e mais aquelas criações que caem no âmbito da «cultura popular tradicional», valendo este apanhado verbal pouca lucidez de propriedade conceptual, que melhor fora dizer que gastamos o nosso tempo com aquele tipo de criações culturais cujo fascínio se nos colou ao corpo por serem simples, depuradas, contaminadoras de tudo quanto sabemos e dizemos, enfim, por serem aquele caldo que nos sutentou a educação aldeã ou rural, até urbana, que a cidade não foi por isso mais dada a outros gostos de sopa ou de presigo. Fizemos todos parte do Grupo Folclórico de Professores que agora mudámos para Associação Cultural e Festiva «Os Sinos da Sé» - de Braga, naturalmente, que foi essa a pia baptismal, para ser por si própria fundadora de um sentido de missão mais generoso, e de dever mais lúcido. Agora demo-nos ao trabalho de gravar um CD, um conjunto de 11 temas, para mostrarmos o que temos andado a mobilizar no jeito de fazer alguma festa com as sobras desta mesa actual de farturas cosmopolitas. Temo-nos na conta de colectores e praticamos uma etonografia de inclusão, ainda que a não estejamos a saber levar tão longe quanto gostaríamos. Os temas aí se ouvirão para se verem: cantares polifónicos de uso rural, ouvidos no campo, ainda provados na infância de alguns de nós, companheiros dos ofícios agrícolas daqueles que mantêm terras de cultivo e lidam diariamente com jornaleiros e lavradores; corais polifónicos de compositores bracarenses, Joaquim Santos e António da Costa Gomes, criados para a procissão do São João de Braga; cantigas de romaria e de arraial, dançáveis, contagiadoras, irónicas e picarescas, motivadas pela noite sanjoanina, pelo desejo; um romance do São João, de nossa criação, letra e música, aquela do Aurélio de Oliveira, esta de mim, numa ousadia que nos pode sair cara, mas que há-de ficar como vivência e estudo de muita literatura oral; uma cantiga narrativa de minha lavra, quase a cair no fado, mas sem ainda se assumir como tal, sobre o tema do amor perdido e achado, que é motivo sempre suficente para correr as capelas e os territórios do amor. Quando ouvirem, que digam, mesmo relevando algumas insuficiências de paciência para um registo mais profissional.

sexta-feira, maio 11, 2007

Os dias na escola 2

São de balbúrdia extrema e libertina,
São de extremos verbais e gestuais,
Já são o património da rotina,
Sem eles, dir-nos-iam anormais!

quinta-feira, maio 10, 2007

Os dias na escola

São de pasmo alguns por falta de obras,
São de pasmo alguns por sobra delas,
As obras e o pasmo são as provas
Do estado de limpeza das janelas.

quinta-feira, maio 03, 2007

O canudo não é tudo!

Esta questão do currículo escolar do primeiro-ministro também interessa à escola e não apenas à mundaneidade dos meios de comunicação ou aos corredores da política partidária. O tema interessa a todos, é até o ganha-pão dos humoristas e serve às maravilhas os desejosos de farra e copos, como bem observei em Barcelos, no desfile estudantil do IPCA, onde o tema foi saturado e descambado com requintes de sordidez verbal e icónica. Encontrou-se um rastilho. Mas se de tudo se faz festa, importa também que se faça alguma reflexão. A nossa entrada no assunto faz-se por esta porta: as escolas estão aí para conferirem diplomas aos alunos, os alunos estão aí para conseguirem os diplomas que pretendem, pressupondo-se neste jogo de interesses que as escolas concedem os diplomas e os alunos os obtêm mediante o cumprimento de um programa de ensino e de aprendizagem devidamente frequentado e creditado por ambas as partes. Se isto corre assim nos princípios, nas práticas introduzem-se variantes devidamente calculadas para que uns e outros, as escolas e os alunos, se ajudem mutuamente. As escolas visam sempre a seriedade dos objectivos, dos métodos e das formas de avaliação, mas os alunos estão sempre a apelar a uma flexibilização de currículos, métodos de ensino e formas de avaliação, num processo de negociação que, ainda que muitas vezes não declarado nem assumido, possibilita as mais variadas estratégias de prossecução e de acabamento. Os alunos desenrascam-se como podem para obterem os seus diplomas e as escolas facilitam até onde podem, ou exigem até onde conseguem, que é outra maneira de dizer o mesmo. Nesta narrativa de estratégias escolares predominam os discursos extremos de bem-fazer, sem merecimento ou favor, e de não conseguir, ainda que com toda a água benta permissível; no meio estão as narrativas de esforço e de denodo, de cálculo e de estratégia, de simpatia ou sorte, que também se invoca nestes casos. Pois bem, voltemos ao assunto: de toda a exposição e de tudo quanto li interiorizei esta ideia recorrente: o aluno que foi o primeiro-ministro procedeu de modo a tirar o melhor partido dos sistemas escolares que frequentou. As escolas estão aí para ajudar os alunos e os alunos precisam de ser ajudados. Esta ideologia de benefício mútuo é, quer queiramos, quer não, a trave-mestra do nosso sistema de ensino. Todo o ensino básico está estruturado em função deste discurso: a escola está aqui para ajudar o aluno a formar-se; o sistema de avaliação do básico tem este pressuposto: em caso de dúvida sobre as aprendizagens do aluno, os professores devem conceder o benefício ao aluno e transitá-lo para o ano seguinte; a perspectiva de ciclo que está regulada no processo de avaliação dos alunos do ensino básico está literalmente desenhada assim. E este assim já leva trinta e três anos, com poucas e fugazes variantes de permeio. E quando houver uma escola que se dê ao critério de ser absolutamente rigorosa na avaliação do mérito pessoal de cada aluno, logo haverá a pressão social suficiente para que a seu lado se crie outra que seja absolutamente rigorosa na avaliação das capacidades do aluno e a seguir outra que seja absolutamente rigorosa na avaliação das potencialidades do aluno. Podemos agora relacionar tudo e dizer que temos o país que temos por termos as escolas mais permissivas do mundo ou que temos o país que temos por termos as escolas mais rigorosas do mundo, o problema é sempre e só este: os cidadãos formados nas nossas escolas demonstram as capacidades que lhes são requeridas nas profissões e nas ocupações e nas situações para que são desafiados? Se a resposta à questão for um não, em termos de análise global, pois claro, que pontualmente já sabemos que há génios ao dobrar de cada esquina, então importa tomar as medidas mais adequadas e uma dessas medidas, entre outras, deverá preocupar-se exactamente em partir deste ponto: como é que se pode ainda ajudar melhor o aluno a conseguir uma formação académica? Se ajudar for passar diplomas, estaremos na continuação da pilhéria, mas se ajudar for a construção sustentada de uma escola de exigência, então temos muito que andar e valeu a pena ter discutido o diploma do primeiro-ministro. Mas agora, quem varre da praça os efeitos da desconfiança? Talvez valha a pena abrir uma licenciatura em estragos na coisa pública.