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segunda-feira, março 12, 2007

Na cripta do Sameiro

À boa maneira de todos aqueles que tomaram a arte como forma de registo, desde príncipes a mecenas, passando por ministros, clérigos, empresários ou entidades colectivas de variada identidade, o senhor Cónego Eduardo Mello, presidindo aos destinos da Confraria de Nossa Senhora do Sameiro em Braga, mandou fazer uma pintura que celebrasse e perpetuasse o Sameiro como Santuário Mariano, registando nela uma sucessão de tempos, de personagens e de acontecimentos pertinentes face à história e às memórias do lugar. Hoje anda no ar uma polémica sobre este acto. Deixá-la correr. Tomo posição sobre o assunto porque naquele lugar fui encarregado de organizar um encontro de cantadores ao desafio, em 2005, e no espaço exterior fui encarregado de organizar o evento «Vamos bailar à Senhora», também em 2005, no calor do Verão, havendo deste último alguns documentos disponíveis, um disco e um cancioneiro, à venda na casa das estampas. A cripta é um lugar de exposição documental, de pastoral catequética, de celebração ocasional de actos litúrgicos ou para-litúrgicos destinados a multidões. Que constem da pintura personagens ainda vivas, como o senhor cónego Mello e o senhor D. Jorge Ortiga, arcebispo de Braga, acho bem, pois foram e são testemunhas dos actos ali celebrados, são actores da história. Outros ali poderiam estar, até o próprio povo, que não faltariam modelos de inspiração. A Senhora, que é, cá para mim, a personagem melhor conseguida, não obstante a extensão do manto, que posso tomar pelo mundo e pela ideia de protecção que lhe anda associada, tem uma presença sedutora; já a criança, com toda a carga simbólica que possa assumir, tem qualquer coisa de incompleto nela própria, talvez um braço, talvez a pose, talvez a falta de um brinquedo, talvez o lugar ou cantinho em que foi posta; dos guardas e da referência ao Vaticano, bem como do anjo, não sei que diga para lá da facilidade óbvia; o ajudante de cerimónias é um retrato de muita gente serviçal e generosa. Onde está a polémica? Onde tem de estar, ou não cumpriria a pintura qualquer destino. As personagens de um quadro têm de lá estar com toda a história e com todas as histórias em que participaram, mais a função da ilustração intemporal, que essa há-de renovar-se com todas as leituras que entretanto a pintura for acumulando. Dou os meus parabéns à Confraria. Na catedral de Westminster, quando por lá passei, ficaram-me os olhos em todas as marcas que registavam a história de pessoas e instituições e actos públicos. Como me ficam os olhos nas paredes que guardam mãos. A minha cultura é figurativa, consumidora de imagens, carente de histórias representadas. Agora me lembro de já ter ensinado aos alunos que as nossas igrejas são a BD dos pobres.

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