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segunda-feira, março 26, 2007

Homenagem à colega Márcia

Não podendo estar no jantar de «despedida» à colega Márcia, que se aposentou no decorrer deste período lectivo, partilho com os leitores um pequeno texto reflexivo sobre este ofício de sermos professores.

Colega e amiga, são deste momento as palavras simples, e estas são-no, e por elas nos ficaríamos se as conseguíssemos depurar dos excessos do tempo e do coração.

Do tempo, que foi comum à nossa presença neste espaço de consumição e de aspiração a que chamamos escola.

Do coração, que o ouvimos bater ao ritmo das mesmas ansiedades, de iguais preocupações e de semelhantes desatinos.

Colega, fez-nos o tempo e o espaço que partilhámos.

Amiga, deu-nos sinal o coração que conhecemos.

Assim deveríamos ficar com este recheio na saudade: colega e amiga, excedem por si próprias quanto precisamos de dizer e quanto sabemos que é preciso ser dito nestes momentos de reconhecimento afectivo.

Mas, ou não fora uma reunião de professores a nossa melhor aprendizagem dos excessos, manda a saudade do futuro que nos confortemos com as perífrases do segredo.


A colega Márcia, nascida em Lisboa, aprendiz e praticante deste ofício de ensinar nas terras a Sul do Equador, nessa Angola de tanta promissão quanta ilusão, trouxe consigo esse modo de ser e de estar em que a discrição se conjuga com a eficiência e a atenção se sublima com a dedicação.


Neste cumprimento do ofício docente é dessa segurança de modo de ser e de estar que porventura precisaremos mais ainda no futuro. Ser colega é saber que há outro braço a puxar a corda, é sentir que há outra voz a garantir o sentido, é prever que há outro sorriso a temperar o cansaço.


A amiga Márcia vincou-nos a necessidade da partilha e a precisão urgente de uma simpatia de raiz. Para lá das circunstâncias, a que respondemos com os humores da superfície, a amizade requer-nos a propiciação dos afectos e a profundidade do respeito mútuo, vectores que a Márcia soube pacientemente tornar seus.


Colega e amiga, no próximo futuro voltaremos a esta despedida como hora feliz.


Bem-haja. Que o tempo lhe seja pródigo em anos e em momentos de felicidade com os seus.

sexta-feira, março 16, 2007

Eu feito mestre Gil Vicente

Gil Vicente me fiz e faço para recontar as suas histórias, primeiro foi nas escolas do 1º ciclo D. Pedro V e S. Vítor, no ano 2002/2003/2004, agora é na BLCS, em Braga. De 1502 a 2002 e agora até 2037 andaremos a celebrar centenários das obras de Gil Vicente, o que poderá manter o fulgor destas iniciativas, minhas ou de outros. O projecto tem andado em crescimento e agora até arranjei uma farpela que aumenta o imaginário dos receptores e me desinibe mais, mexendo com este esquema de faz de conta. Agradeço ao professor doutor Aurélio de Oliveira uma boa dose do meu entusiasmo por Gil Vicente, mas também gostava de lembrar aqui os meus professores de português do ensino secundário, por me terem incutido toda a curiosidade sobre a linguagem de Mestre Gil, afinal o mesmo propósito que eu prossigo agora com os alunos de quaisquer idades. O objectivo é este mesmo, o de me interessar fazendo interessar outros.

segunda-feira, março 12, 2007

Na cripta do Sameiro

À boa maneira de todos aqueles que tomaram a arte como forma de registo, desde príncipes a mecenas, passando por ministros, clérigos, empresários ou entidades colectivas de variada identidade, o senhor Cónego Eduardo Mello, presidindo aos destinos da Confraria de Nossa Senhora do Sameiro em Braga, mandou fazer uma pintura que celebrasse e perpetuasse o Sameiro como Santuário Mariano, registando nela uma sucessão de tempos, de personagens e de acontecimentos pertinentes face à história e às memórias do lugar. Hoje anda no ar uma polémica sobre este acto. Deixá-la correr. Tomo posição sobre o assunto porque naquele lugar fui encarregado de organizar um encontro de cantadores ao desafio, em 2005, e no espaço exterior fui encarregado de organizar o evento «Vamos bailar à Senhora», também em 2005, no calor do Verão, havendo deste último alguns documentos disponíveis, um disco e um cancioneiro, à venda na casa das estampas. A cripta é um lugar de exposição documental, de pastoral catequética, de celebração ocasional de actos litúrgicos ou para-litúrgicos destinados a multidões. Que constem da pintura personagens ainda vivas, como o senhor cónego Mello e o senhor D. Jorge Ortiga, arcebispo de Braga, acho bem, pois foram e são testemunhas dos actos ali celebrados, são actores da história. Outros ali poderiam estar, até o próprio povo, que não faltariam modelos de inspiração. A Senhora, que é, cá para mim, a personagem melhor conseguida, não obstante a extensão do manto, que posso tomar pelo mundo e pela ideia de protecção que lhe anda associada, tem uma presença sedutora; já a criança, com toda a carga simbólica que possa assumir, tem qualquer coisa de incompleto nela própria, talvez um braço, talvez a pose, talvez a falta de um brinquedo, talvez o lugar ou cantinho em que foi posta; dos guardas e da referência ao Vaticano, bem como do anjo, não sei que diga para lá da facilidade óbvia; o ajudante de cerimónias é um retrato de muita gente serviçal e generosa. Onde está a polémica? Onde tem de estar, ou não cumpriria a pintura qualquer destino. As personagens de um quadro têm de lá estar com toda a história e com todas as histórias em que participaram, mais a função da ilustração intemporal, que essa há-de renovar-se com todas as leituras que entretanto a pintura for acumulando. Dou os meus parabéns à Confraria. Na catedral de Westminster, quando por lá passei, ficaram-me os olhos em todas as marcas que registavam a história de pessoas e instituições e actos públicos. Como me ficam os olhos nas paredes que guardam mãos. A minha cultura é figurativa, consumidora de imagens, carente de histórias representadas. Agora me lembro de já ter ensinado aos alunos que as nossas igrejas são a BD dos pobres.

segunda-feira, março 05, 2007

O adro vai sempre com a procissão.

Temos o adro como parte fixa, território de partida e de chegada, temos a procissão como coisa móvel, viagem de vai e volta. No caso desta foto, por ela se ilustra a pequena peregrinação que os meus alunos fazem pelo adro, o espaço entre as salas de aula, numa figuração do que uma aula pode ser. Tenho esta bizarria de procedimento há já uns anos, e os alunos acham-lhe piada, eu tomo-os como anjinhos da minha procissão. Mas, voltando atrás, dizemos que a procissão ainda vai no adro quando já antevemos que os sucessos da viagem vão dar que falar no adro. Ou, dizemos que a procissão ainda vai no adro quando os efeitos iniciais da viagem já dão sinais evidentes de «grande mar, grande tormenta», augurando expectativas surpreendentes. O adro é o permanente, a experiência, a velhice, a sabedoria, a procissão é o efémero, a volta, o devaneio, o atrevimento, a loucura. O adro é o património estabelecido, a procissão é o património virtual, o adro é o físico, a procissão é o imaginário. O Auto da Alma de Gil Vicente pode ser invocado. As palavras abrigam uma fonte de figurações alegóricas. Servem como outras. No caso da escola, o adro é ela mesma, o território fixo e a ideia que persiste na sua identidade. A procissão é a passagem dos alunos, a fuga da idade, o desconcerto das aprendizagens. Agora a questão é: quando a procissão sai, o adro fica ou vai com ela? A gente diz que fica, mas quando a procissão volta, o adro não parece o mesmo, nunca é o mesmo. Vai daqui... está visto onde o escriva chegou para dizer que o adro escolar faz parte da procissão e sai sempre com ela. Sendo mordoma da festa a D. Lurdes, a procissão está destinada a sair sem hora de chegar, que a freguesia é grande e os lugares a percorrer são muitos. Entretanto já se pressente que nem adro nem procissão vão ser os mesmos à chegada, seja esta onde for.

Andamos atrás daquela coisa linda!

Da esquerda para a direita e de trás para a frente: O João Miguel e a Eliana, casados no Verão passado, ainda em lua de mel e de trabalho na Suiça, quadros de uma multinacional, depois a Tininha encostada à parede da capela do Sameiro, com a Ana, nossa comadre e mãe do João Miguel, na posição de saberem o que a fotografia celebra, o rapaz alto é irmão da Eliana e da mocinha sorridente que está ligada à cadeira do Zé Carlos, nosso afilhado, irmão do João Miguel, a recuperar de uma intervenção complicada, logo atrás a mãe da Eliana e dos dois jovens, depois, ao fundo, o senhor Magalhães, o pai da Ana, com a Olga Castro à sua frente, de óculos escuros, depois o João , nosso compadre, marido da Ana, a estriar chapéu de anos, com a dona Conceição, sua sogra, à frente, finalmente o senhor Soares, pai da Eliana e a Fátima, amiga de todos nós, colega de nosso compadre em lides de profissão. Eu fui o fotógrafo e a necessidade que nos juntou ali, na esquina nordestina, fria e ventosa do Sameiro, foi um acaso de felicidade, pois numa recuada noite de Primavera, ali cantáramos, os quatro, nós os dois, a Ana e o João, um dos cânticos que o João e a Eliana haveriam de ouvir no seu casamento, e o transmitíramos por telemóvel para a Suiça. Tinhamos jantado no Maia, o restaurante do lugar a que nos sentimos particular e afectivamente ligados, não obstante o apreço pela qualidade dos seus serviços. Desta vez, tornámos àquele restaurante para celebração do aniversário de meu compadre, numa assumpção de família alargada e numa partilha de louvores e parabéns, embora muito macerados neste sofrimento de nosso afilhado. Quando o sorriso volta aos rostos, o cimo deste monte completa-lhe o sentido, fustiga-o de luz e de vento, refrigera-o, conserva-o. Cantámos na capelinha um cântico a Maria, na versão poética que eu fiz da melodia de António Variações dedicada à sua mãe, naturais de Amares, como toda a família de Eliana. São momentos que acabam por ser outra coisa mais do que foram pensados, dados ao impulso das emoções e desta dificuldade em fotografar o que nos vai na alma.