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domingo, dezembro 24, 2006

Meu pai plantou as couves

A chuva veio muita e elas não vingaram. Meu pai continua certo de que elas se devem plantar a 25 de Julho, se as queremos para o Natal, mas este ano a chuva foi demais e em tempo que elas não mereciam, de modo que tivemos as que a terra deu e como as pôs. Boas, dizia-lhe eu, suficientes para todos, apetitosas antes de as cortar, compensadoras depois, temos a certeza, que as provas foram boas e agora hão-de estar melhores com a geada. Meu pai olhava para lá de nós, para lá dos castanheiros que lhe estavam no horizonte e revelava a pena de não ter melhores couves para os filhos todos. O que contava ali eram os olhos que estavam sobre a terra, sobre a horta que fez a nossa infância e que faz a servidão de todos os cuidados de meu pai. E os olhos estavam carecidos. Minha mãe, lá dentro de casa, sabia a mesma razão, que fora o tempo a não nos dar melhor. Vão-nos saber a mel de terra prometida as poucas que todos lá cortámos. A «couve da mãe» e a «couve do pai», duas receitas que encheram sempre a nossa mesa de Natal, hão-de confortar-nos: a primeira serve-se mais da folha, coze-se e mistura-se depois com pão, azeite e alho, refogados juntos; a segunda é mais à base dos troços e vai a cozer com pouco bacalhau, para lhe dar gosto, e depois leva azeite, alho e vinagre, ficando mais agreste. «Quero couve da mãe«, «quero couve do pai», receitas que já fazemos soltas por outros dias do calendário, quando as couves daqui ou de nenhures nos fazem lembrar a terra, a horta de nossa casa, a horta da Mó, a escola das nossas regras. No Natal, as couves de meu pai são uma horta de estrelas, um luzeiro de olhos embaciados com amor.

1 comentário:

Anónimo disse...

Ainda hoje, mais de quarenta anos após a sua partida, não podemos deixar de fazer as "sopas" de minha mãe. É a irmã mais velha que as faz. Sabem a mel. Já outrora, embora com muito pouco mel e mais açúcar, sabiam a mel. Muito doces naquele tempo. Contudo não eram mais que pão cortado às fatias e escaldado com água açucarada (açúcar amarelo naquela altura, porque mais barato) e um pouco de mel. Oh como sabiam bem as sopas de minha mãe. Ainda hoje sabem, mais que as modernas rabanadas ou os sonhos. É que, naquele tempo, nem sequer se sonhava com isso. Tudo era bom, tudo sabia bem. Como era belo o Natal... para além das couves e do rabo de bacalhau, claro. A. Costa Gomes