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segunda-feira, setembro 25, 2006

Crato, Nuno (2006). O ”Eduquês” em discurso directo. Uma crítica da pedagogia romântica e construtivista. Gradiva. Lisboa. 5ª Edição.

A leitura do livro de Nuno Crato foi significativa para mim, porquê? Porque coloca interrogações sobre o alcance, em termos de resultados imediatos no ensino, de um conjunto de procedimentos didácticos que decorrem de certas crenças pedagógicas, obrigando-me a rememorar o processo histórico da minha formação e do meu desenvolvimento: e se lhe dou razão, não é por ele atacar o modelo em que me formei, mas porque, ainda que reine o seu modelo de eficácia, eu saber que sobrarão sempre para os professores como eu os trabalhos mais duros do insucesso escolar.

Eu começo a dar aulas depois do 25 de Abril, com o propósito de «demolir» a escola do fascismo, da ditadura, das aprendizagens por memória, dos exames por decoranço, dos silêncios impostos, da falta de criatividade, do livro único e permanente… Com uma formação católica, com uma experiência radical de marxista-leninista-maoista, começo a desconfiar de tudo e de todos e eu próprio me motivo a construir o meu conhecimento e a minha arte de ser professor. Saber o mais possível para ensinar cada vez melhor é o meu lema dentro desta tradição de missionário ilustre, de militante que dá o exemplo, de líder que tem a obrigação de puxar pelas massas. Eu começo com a intenção de dar a palavra aos alunos, de os emancipar, de os libertar, de os ouvir, de lhes fazer testes em que não se sintam apanhados, democratizando as regras da sala de aula, negociando as aulas e os feriados, negociando o manual ou a construção dele, aceitando as justificações de classe e de trabalho e de condições de vida.

Eu faço estágio em 1978/79 e sou confrontado pela orientação do mesmo de que eu é que teria de elaborar o currículo de português e de história, eu é que teria de pôr os alunos a investigar e a construir o conhecimento…e eu acreditei, investi, convenci-me que o caminho era esse… Eu leio e estudo e aplico Freinet, Montessori, Pietralata, devoro Piaget, estudo os radicais de Hamburgo, discuto com outros as experiências mais radicais que andam pelo mundo, leio e releio os teóricos das teologias da libertação, poetizo em força sobre esta crença nos amanhãs que cantam, na perspectiva ideológica de combater fascismos e social-fascismos. Eu adiro à pedagogia por objectivos, eu trabalho tomando como guia a taxonomia de Bloom e as críticas ou ajustes que dela fazem belgas e franceses e americanos.

Eu frequento as formações «vanguardistas da época», em Lisboa, com Albano Estrela, no Porto com Luísa Cortezão, em Braga com Elias Blanco, no Porto com ICAV de Bordéus, e toda a formação vai no sentido de dar voz aos alunos, de acreditar no poder da motivação, de os entusiasmar pelas suas potencialidades. Em termos de ensino do português eu frequento acções de formação com os principais estudiosos da literatura e da gramática, Vítor aguiar e Silva, Carlos Reis, Pinto Correia, Inês Duarte, Mira Mateus.

Eu orientei todos os tipos de estágio de formação de professores, o estágio clássico, a profissionalização em exercício, os estágios integrados. Eu fui «companheiro de estrada» de autores de manuais escolares, como Álvaro Gomes, Emília Traça, Maria José Costa. Nos estágios integrados, como o da Universidade do Minho, eu tenho pela primeira vez a experiência do desencanto e da desilusão, mas invisto e procuro colmatar as deficiências que descubro. Candidatei-me sempre à formação e à inovação e se mais longe não fui é porque me cortaram as asas.

Eu usei todos os recursos disponíveis: teatro, música, vídeo, filme, passeios, visitas de estudo, desportos, computadores.

Eu frequento um mestrado de Literatura e Cultura Portuguesa e interiorizo as perspectivas antropológicas que olham sempre o professor como o «lacaio» do poder e procuram distinguir nos «outros» o outro que é excluído, que é rural, que é periférico, que é «incorrigível», que resiste Bourdieu? Foucault? Li, reli e citei.

Eu nunca abdiquei dos três testes por período, mas também não defendi os exames na praça pública. É um facto que eu e a minha geração nos embrenhámos na poética do «aprender a aprender».

Eu entro em crise profunda, irritante e descontrolável, quando surge a política da «paixão pela educação» - abandono a sala do Hotel da Póvoa quando ouço a senhora Benavente dizer que os seus filhos frequentam uma escola particular - desatino com o currículo por competências, com as áreas não disciplinares, com os planos curriculares de turma, com os planos de recuperação e de acompanhamento. Conheço o «eduquês» por dentro.

Fiz tudo para dar a palavra aos alunos e hoje vejo-me grego para os mandar calar. Dou-lhes a ler todo o tipo de textos e eles não se interessam por nenhum.Ensaio com eles peças de teatro mas os ensaios quase não passam da fase da bagunça se eu não meter as mãos na «lama».Ensino toda a gramática e eles dizem sempre ao professor seguinte que nunca deram gramática. Corrijo todos os erros, mando passar a limpo e eles voltam a praticá-los. Levo os alunos para os computadores e nem tenho tempo de lhes dar qualquer orientação, já estão onde nunca querem demorar se não forem jogos. Se tenho tido bons resultados? Não me queixo e algumas memórias dos alunos reconfortam-me.

Hoje a minha interrogação é esta: como posso resolver os problemas que me surgem de modo a ensinar bem e muito e mantendo a minha liberdade pedagógica? O livro de Nuno Crato dá-me uma resposta: ir à luta do debate, aparecer na praça pública para discutir, para levar as perguntas até ao fim.

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