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segunda-feira, junho 05, 2006

A revolução de Abril e a Escola

A pedagogia muda a escola?
Comecei a dar aulas em 1975, no dia 4 de Janeiro, após concurso atribulado que se retardou no tempo, tempo esse que era o da revolução dos cravos, cravos esses que já iam quase com dez meses de caminho, caminho esse que era todo de crítica impiedosa às pedagogias da escola autoritária e ao mesmo tempo de adesão às pedagogias libertárias e democratizantes, pedagogias que então se praticavam sem rede, quase sem tempo para assimilação de leituras, quase sem tempo para o resguardo de uma crítica epistemológica que lhes acautelasse os excessos. Recordo-me bem do dilema pungente que então se me colocava como professor: deixar os alunos calados e pasmados perante a minha pessoa ou fazê-los falar, motivá-los para soltarem línguas e experiências de vida, gerar-lhes a vontade de escrever e de pensar, sim, de pensar. Pois parecerá incrível, mas era esta a maior dificuldade que então se partilhava na sala de professores, nos estágios pedagógicos e nas reuniões, muitas, que havia por tudo e por nada: como pôr os alunos a participar, como fazer-lhes soltar a língua, como libertar-lhes a mão, como torná-los sujeitos da aprendizagem e da construção dos conhecimentos? Comparados com os alunos de hoje, os de há trinta anos, quando comecei, seriam facilimamente alcunhados de múmias adormecidas, estátuas pasmadas numa sala, fantasmas pervertidos de um ideal de pessoa participante, activa, crítica, autónoma, senhora de si, libertada finalmente pela generosidade de uma revolução de militares descontentes com o regime. O que eu não fiz para descobrir formas e processo de motivação! O que eu não provoquei! E também digo, porque na altura assim o sofri: o que eu não irritei, o que eu não enervei quem se sentia bem a olhar para mim, assistindo a uma descompostura de palavras e de temas, pedindo com os olhos que eu não incomodasse e o deixasse em paz. Guardo desse tempo um manancial de propostas que ainda hoje digiro em silêncio, ainda que as veja na moda dessa crítica impiedosa aos métodos construtivistas e às pedagogias de aproximação. Toda a teoria pedagógica radical de então fiz minha leitura obrigatória, desde as experiências inglesas, às italianas e às brasileiras e depois às nossas, facilmente identificáveis pelos nomes de A. S. Neil, Pietralata, Paulo Freire, Piaget, Montessori, João Santos, facilmente divididas e opostas pelos conceitos de directividade e não-directividade, até essa leitura dos radicais de Hamburgo, nos quais encontrei o meu então e agora mais que definido ponto de apoio: a aula é um lugar de trabalho e quem não quiser trabalhar não vai para lá. Pois é ainda nesta sala de aula que me encontro, sala que já virei do avesso, em «u», redonda, sem carteiras, de pé, na relva, no café, no museu, no estádio, no rio, na serra, eu sei lá, com quadro, sem quadro, com painéis, com ecrans, com livros, sem livros, com folhas policopiadas, com cadernos pessoais. É desta sala que ainda não saí, meu lugar pleno de experiências pessoais, de silêncios e de pesadelos. É nesta sala que hoje me encontro com a dificuldade de os sentar e de os calar, com a dificuldade ainda maior de me ouvirem ou de me entenderem se por acaso se calarem, como se o modo de estar não tivesse nada que ver com o modo de ouvir ou de falar, como se estes não tivessem nada a ver com o espaço a que se chama sala de aula, como se eu tivesse todo o tempo do mundo para esperar por eles. Ouço hoje falar em «eduquês» como sendo o que restou dessa aprendizagem das pedagogias que experimentei e sinto que o ataque me é dirigido, ou à minha geração, ou aos meus formadores, mas sinto também que, fosse com esse linguajar, fosse com outro, a minha relação com os alunos teria precisado sempre deste excesso de entrega pessoal e deste optimismo crónico no princípio de que os alunos são capazes de trilhar os caminhos mais difíceis, os tais caminhos que vão configurando e mudando os regimes políticos em que nos empenhamos.

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