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quarta-feira, junho 28, 2006

A poética de um casamento

Longos anos e felicidades

Resolvi apresentar a todos os leitores os textos poéticos que produzi para o Casamento de Eliana Sofia Almeida Soares e João Miguel Magalhães Alves Dias, o qual se realizará no dia1 De Julho de 2006, às 15.00 horas, no Mosteiro da Serra do Pilar, em Vila Nova de Gaia.

Sendo amigo do noivo desde que ele nasceu e sendo eu e minha mulher padrinhos do seu irmão, que neste momento se encontra hospitalizado em Bolonha, como sinal dos nossos desejos de felicidade para os noivos e de uma boa e consolidada recuperação para o nosso afilhado, deixo-lhes aos ventos da internet estas produções. Os textos assinalados com um asterisco têm música de minha autoria; os textos assinalados com dois asteriscos são para a recitação pelos noivos e o texto com três asteriscos é uma criação poética para a música de António Variações »Deolinda de Jesus».

Cântico de Entrada *

Cantemos ao Senhor
Porque fez brilhar a sua glória,
Cantemos ao Senhor
Porque Ele é o centro da História!

O Senhor é a minha fortaleza,
Ele é o meu louvor e a minha Lei,
Ele é o meu Deus e o de meus Pais,
Eu O exaltarei!

O Senhor é misericordioso,
Perdoa as nossas faltas, é clemente,
Dirige os nossos passos e conduz-nos
Com Sua mão prudente.

O Senhor é nosso Timoneiro,
Faz-nos o apelo à união,
Quer o nosso fruto por inteiro:
A nossa geração!

Salmo Responsorial *

Cantarei para sempre a bondade do Senhor

O Senhor é bom e clemente,
Lança sobre toda a humanidade
Seu olhar de Pai, sua bondade,
Ele é compassivo e paciente.

O Senhor é justo em seus caminhos
É perfeito em toda a criação,
Quantos O invocam, provarão:
Perto do Senhor, não estão sozinhos.

O Senhor é digno de louvor,
Ele é quem garante o alimento,
Alivia a dor e o sofrimento
A quem O procura com amor.

Aclamação ao Evangelho *

Aleluia, Aleluia, Aleluia
Benditos sejam aqueles / Que permanecem no amor,
Pois permanecem em Deus / E Deus permanece neles.
Aleluia, Aleluia, Aleluia

Cântico do matrimónio *

Testemunhas do Deus que é Amor
Abriremos nosso coração:
Nossa casa há-de ser o mundo,
Todo o mundo vai ser nosso irmão.

Caminharemos felizes
Por carreiros floridos,
Consolidando raízes
Na partilha dos perigos.

Nossas manhãs de esperança,
Terão razões de alegria:
O Amor é nossa aliança
E Deus é o nosso guia.

Construiremos a vida
Buscando a Felicidade.
Com trabalho e ousadia,
Com paz e fraternidade.

Este amor que nos abriga
Há-de crescer sempre mais,
Como essa ternura amiga
Que é a saudade dos pais.

Oração Universal **

Dai-nos, Senhor, o sonho e o sentido
Para sermos capazes de enfrentar
Os apelos de um tempo desmedido
Sem nos precipitarmos a julgar,
Ouvi-nos, Senhor.

Senhor, olhai a nossa ansiedade,
Tomai este fervor de juventude,
E dai-lhe a proporção da claridade,
E dai-lhe o sacrifício da virtude,
Ouvi-nos, Senhor.

Pegai, Senhor, agora em nossos braços,
Que guardem o sabor do vosso pão,
Pegai, Senhor, agora em nossos passos,
Que ganhem os valores da gratidão,
Ouvi-nos, Senhor.

Segui os nossos olhos e ouvidos,
Temperai-os, Senhor, na caridade,
Que não fiquem alheios nem contidos
Aos dramas e às dores da humanidade,
Ouvi-nos, Senhor.

Ouvi nossas palavras apressadas,
Ligai-as ao diálogo do mundo,
Que sejam pelas Vossas reguladas,
E busquem um sentido mais profundo,
Ouvi-nos, Senhor.

Nós somos dois que se amam na certeza
De um turbilhão futuro de porquês,
Vós, Senhor, vigiai nossa fraqueza
E dai-lhe a humildade e a lucidez.
Ouvi-nos, Senhor.

Rito da Paz **

Ela:
Nós os dois que nos amamos,
Por obra e graça de Deus,
Hoje, aqui vos abraçamos,
Erguendo as mãos aos Céus,
Num gesto de concórdia fraternal.
Que nossos olhos despertem,
E nossas mãos se concertem
Num desejo de paz universal,
Com Vossa Palavra, Senhor,
Raiz e bússola de Amor.

Ele:
Nós os dois que vos juntamos,
Por obra e graça de Deus,
Hoje, aqui, nos abraçamos,
Erguendo as mãos aos Céus,
Num acto de afecto e comunhão.
Se esta união nos apraz,
Seja o caminho da paz
Nossa firme e concreta obrigação,
Com Vossa Palavra, Senhor,
Raiz e bússola de Amor.

Comunhão *

Senhor, és nosso alimento,
És nosso sustento,
És o nosso pão.
Teu corpo, é fonte de vida,
É palavra viva
Da nossa Razão.

Queremos dar-Te graças
Pelo amor que aconteceu
Somos dois em Ti
Tu em nós és nosso Eu;
Queremos dar-Te graças
Pelo próximo desejo
Que já vive em Ti
A flor do nosso beijo.

Queremos dar-Te graças
Pelos pais que nos criaram,
Por nosso avós
Que também nos educaram;
Queremos dar-Te graças
Por nossos irmãos queridos,
Pelos sentimentos
Que nos tornam mais unidos.

Queremos dar-Te graças
Pelos anos que passaram
E pelos amigos
Que este amor testemunharam;
Queremos dar-Te graças
Pelo emprego que aceitamos,
Pelas relações
De trabalho onde estamos.

Queremos dar-Te graças
Por viagens e canseiras,
Pelas coisas sérias
E por nossas brincadeiras;
Queremos dar-Te graças
Pelos vários problemas
Que no dia-a-dia
Se transformam em dilemas.

Queremos dar-Te graças
Pelos povos que cruzamos
E pelos espaços
Que aos pouquinhos melhoramos;
Queremos dar-Te graças,
Pela nossa terra-mãe
E pela saudade
Dos sabores que ela retém.

Queremos dar-Te graças
Pela nossa segurança
E pela saúde
Que nos pede a esperança;
Queremos dar-Te graças
Pela fé que nos sustém
E pela Igreja
Onde nos sentimos bem.

Cântico à Mãe ***

Ó Virgem Mãe,
Tu és a mais bonita
Em graça e em valor
Tu és Aquela
Que foste a escolhida
E nos envolve sempre em amor.

Ó Santa Mãe,
Tu és nosso carinho,
O conto e a canção,
Que nos embala
E nos enche o caminho
De sonhos e de paixão.

Querida Mãe de todos nós,
Fonte de toda a ternura,
Cristalina e doce Voz,
Espelho de formosura.

Nosso colo procurado,
Conselho experimentado,
A bondade viva e pura.

Deixa-nos sentir crianças,
Dá-nos força e esperanças,
Traz-nos à Tua procura.

Pedra de toque

Amostra valiosa
Ainda sem saber de onde é e como chegou até mim, sei que a pedra tem um toque especial e por certo será preciosa, que já o foi neste tempo de a tomar em conta. Nada sei dele e ele pode ser figurado por esta ideia de pedra preciosa achada na margem do rio, rio que pode ser este tempo com suas duas margens, a da esquerda sendo a escola e a da direita sendo Braga. A princípio não dei por ele mais que dei pelos outros que não conhecia, que todos os anos ou ano após ano chegam à escola. Podemos estar juntos e não nos conhecermos, anormalidade que se justifica numa escola, embora sempre com argumentos da máxima fragilidade. Um aluno, meu educando de afecto e de encargo voluntário, aproximou-nos. Mais não sei, a não ser que é professor de Ciências no 3º Ciclo. Sei que é dedicado às viagens pela Net e sei que foi dele a iniciativa de eu construir e produzir este blogue. Pouco falamos e pouco saberemos de facto um do outro, mas o que nos resta é um futuro de conhecimento progressivo. O leitor poderá vislumbrar nesta escrita uma presciência de atracção mútua entre dois seres da mesma espécie, mas já lhe adianto que deverá acrescentar à intuição a ideia comezinha do florescimento de uma amizade e de uma admiração. Sei agora que vai para o Funchal dar aulas nos próximos três anos. Sei também o nome, António Gomes e hei-de colocar aqui a sua fotografia. Há pessoas, e o António é uma delas, a quem agradeço a casualidade do fulgor: este ano valeu por este encontro, numa escola onde o desgaste está a ser ruidosamente instalado e cultivado. Ouvirei as músicas que me arranjou com redobrado prazer e irei, na memória dos dias passados, lapidando as faces desta pedra preciosa, esperando nunca desmerecer. E que mais sei dele? Que é casado, que a esposa é bancária, como a minha. Se tem filhos? Se é de esquerda? Se... Tenho-o por «amigo titular».

domingo, junho 18, 2006

Fotos da Associação Cultural e Festiva «Os Sinos da Sé»


Grupo Folclórico de Professores de Braga, hoje Associação Cultural e Festiva «Os Sinos da Sé» na intervenção coral na Procissão de São João, em Braga, em 2002. Fotos tiradas por meu irmão António Machado. Esta associação tem mantido uma actividade regular em escolas, congressos, convívios, reuniões, festas e, de vez em quando, num ou noutro festival de folclore. Interpreta a música e a dança que configuram manifestações tradicionais das populações desta região minhota que tem Braga por capital, o Baixo-Minho. Procura uma «retoma» dessas manifestações, mas associada a uma crescente qualificação estética, não só em termos musicais e coreográficos, mas também em termos de uso de vestuário típico ou tipificado como etnograficamente representativo de costumes.

Presença da Associação Cultural e Festiva «Os Sinos da Sé»

A procissão de S. João

Associação Cultural e Festiva «Os Sinos da Sé» apresenta novo cântico a S. João na procissão do dia 24 de Junho.
Desde o princípio do ano que o Grupo Folclórico de Professores de Braga se transformou na Associação Cultural e Festiva «Os sinos da Sé», tendo, para isso, alterado os seus estatutos de modo a poder receber todas pessoas de boa vontade interessadas na prática e na criação de manifestações culturais de cariz popular, a vários níveis de intervenção, sendo um deles a presença regular na procissão de S. João de Braga, com a apresentação de cantares específicos de carácter religioso, produzidos expressamente por compositores contemporâneos. É o que vai acontecer este ano, em que o grupo, para além de retomar uma criação coral do professor Costa Gomes, com letra de José Machado, vai interpretar um hino a S. João da autoria poética de Castro Gil e da autoria musical de Joaquim Santos. Eis a letra:

HINO A S. JOÃO DE BRAGA
S. João, nós Vos saudamos,
Com fé, gratidão e amor:
No mundo em que caminhamos,
Convosco, o Senhor louvamos
De quem fostes Precursor.

Nobre mártir da verdade
Sem receio defendida:
Braga, que é Vossa cidade,
Quer a verdade na vida.

Pelas margens do Jordão
Destes a ver o Messias:
Dai-nos a mesma atenção
Na vida, todos os dias!

Se há ainda Herodes agora
A calar a Vossa voz,
Dessa coragem de outrora
É que precisamos nós.

Pequena é Vossa Capela,
Mas a devoção a afaga;
E faz, ao contrário dela,
A maior festa de Braga.

Por isso Braga e S. João
São bons parceiros leais.
E o que uniu a tradição
Ninguém o separe mais!

O pedido expresso desta composição poética ao professor Doutor Amadeu Torres, que assina as obras literárias sob o pseudónimo de Castro Gil, revestiu-se de toda a intencionalidade festiva e cultural, porquanto se trata de um poeta de fino estilo clássico, de profunda erudição e de genuína sabedoria popular. O poeta Castro Gil, entre os dias 15 e 18 de Maio deste ano de 2006, deu-nos, de facto, uma saborosa poesia de cariz popular tradicional, mantendo nela toda a presença da sua erudição bíblica e evangélica, num estilo de linguagem onde se faz presente uma construção frásica de recorte classizante, de inspiração barroca no que se refere à mistura de referências e ao cruzamento de sentidos. O refrão ou estribilho, na forma de uma quintilha, consagra as intenções da saudação e do louvor, unindo os três elementos básicos da relação religiosa – o Senhor Jesus, o profeta João e o povo –, numa hierarquia de súplica necessária às vivências no mundo contemporâneo. Depois, em cinco quadras, o poeta Castro Gil misturou sabiamente três dimensões da mensagem que a festa Bracarense ao S. João conserva e recria todos os anos: a história bíblica do Baptista, na sua condição de Precursor do Messias e de vítima da ferocidade de Herodes, a referência aos lugares da festa, a capela de S. João na Ponte e a cidade de Braga, e a lição evangélica do acto religioso, a qual se estriba na defesa dos valores como a verdade, a atenção, a coragem, a devoção e a união, absolutamente necessários hoje em dia para a vivência da fé cristã.

Sobre estes versos, o compositor Joaquim Santos produziu uma tão simples quanto interessantíssima harmonização de vozes, com diversidade rítmica e estilística, em modo maior, de modo a salientar a mensagem poética, mas também a manter vivas as características do canto popular, a capella. Com uma novidade que deixará surpreendidos os ouvintes: a melodia do refrão, em duas vozes, deverá ser acompanhada por gaita-de-foles, criando-se assim uma atmosfera de romaria galaico-portuguesa, com a presença do gaiteiro, em que o canto ocorre sob um arpejo melódico em contínuo e uma sustentação prolongada das notas principais do acorde, a tónica e a dominante, execução simultânea que a gaita-de-foles possibilita. A estrofe será cantada na forma de cânone, com o desencontro de vozes que esta forma permite, o que não deixa de estar em consonância com a impressão geral que os cantares processionais deixam no ouvido quando dispersos pelo caminho e pelos vários romeiros. Oxalá a interpretação resulte ao ar livre e os intérpretes possam estar à altura do criador, neste caso, o Padre Joaquim Santos, compositor de renome e de múltiplas obras nos vários domínios da arte musical.

Mais do que uma atitude de proselitismo religioso ou de euforia cristã, a presença da Associação Cultural e Festiva «Os Sinos da Sé», na sequência de anteriores intervenções do Grupo Folclórico dos Professores de Braga, pretende manter viva e digna de apreço uma das dinâmicas que a tradição religiosa enraizou na nossa cultura, precisamente a dimensão da peregrinação ou da caminhada festiva, para a qual e na qual o canto coral, polifónico, de criação poética e musical sempre renovadas, desempenhou e desempenha um papel de ilustração e de reflexão.

Deste modo, a Associação Cultural e Festiva «Os Sinos da Sé», respondendo ao apelo da Comissão de Festas de S. João, apela à presença atenta dos romeiros ao longo da Procissão e à sua presença no ritual litúrgico de encerramento da mesma na Sé de Braga, onde os cânticos a S. João voltam a ser interpretados.

quarta-feira, junho 14, 2006

A amostra não vale o esforço

Os pais, a ministra e eu que sou filho daqueles e enteado desta!
A polémica das novas propostas do Estatuto da Carreira Docente estará para durar, mas é preciso ver que ela não tem quaisquer fundamentos pedagógicos ou escolares, é uma mera questão de orçamento de Estado e os fins em causa são precisamente os de fazer diminuir a despesa com a educação no que se refere aos vencimentos dos professores. E porquê? Pela nossa própria experiência: um bom professor nunca dependeu do vencimento, um bom professor nunca dependeu do luxo das instalações, um bom professor nunca dependeu dos pais, um bom professor nunca dependeu dos gestores da escola, um bom professor esteve sempre entregue a si próprio e à sua consciência. E o resto é poeira para os olhos. Fazem falta os pais na escola? Nenhuma, a história da educação consagra a confiança dos pais nos professores como uma trave estruturante da relação pedagógica. Quando o Estado se começou a demitir da escola pública, os pais foram chamados a intervir para segurarem algumas pontas, precisamente aquelas em que o Estado se demitiu: captação de verbas pontuais, contratação de psicólogos e de trabalhadores de OTL, fornecimento de refeições, etc, etc. De resto, até parece que este país não é governado por pais, que eles não votam nos partidos políticos, que eles não são os fazedores das leis, que eles não estão presentes em todas as instâncias da vida pública!

quinta-feira, junho 08, 2006

Propostas e provocações

Quem morre de amores por ti, ó Lurdes?
Sócrates, que não duvida da tua entrega à causa de mudar o mundo, mudando a escola, mudando os professores. E Sócrates chega. Depois dele, outros virão declarar-te a paixão e a devoção. Se calhar, por bem e por obras ou atavios que eu e outros desconhecemos ou não sabemos ver para além das evidências que nos mostras na frieza dos contactos, no enfado da presença e na lamúria das palavras. Por razões que ainda não apurei, eu e outros não caímos no goto da tua sedução. Eu tentei, segui-te atentamente os passos e dei-me ao cuidado do entendimento das intenções. Frustrei-me, mas não desanimei de todo. Há grandes amores que nascem depois de grandes zangas e eu ainda me disponho a cair nesse lugar comum. Entretanto, li num jornal de domingo, com a dedicação de uma leitura escolar, que tens os professores na conta dos melhores e imprescindíveis companheiros de trabalho para um futuro promissor, desde que estejamos dispostos a abdicar dos nossos «vícios» de aconchego, vulgarmente tomados como direitos adquiridos. E eu que tive sempre a consciência de andar a trabalhar nas condições mais precárias! Pedias propostas e elas aí vão, para que o desamor não dure a vida toda. Concentra-te na escola e redu-la ao mínimo da certificação possível e desejável: retira-lhe as áreas não disciplinares, retira-lhe os 90 minutos de tédio e dá-lhe a eficácia dos encontros de hora a hora; dá-lhe a maleabilidade curricular desde o 5º ano, acabando com a ementa igual para todos e deixa que os exames resolvam o que as desistências querem provocar; dá às escolas o direito de aceitação da matrícula e dá aos pais o direito de escolha das escolas; exige aos alunos a certificação para o trabalho e deixa-os gerir o tempo de estudo; dá aos professores a liberdade de organizarem os tempos extra-escolares, mas paga-lhes a vontade e o esforço, ou dá aos pais essa capacidade de o fazerem; despacha os professores da gestão escolar - evita-nos os confrontos de classe - e contrata gestores por objectivos; livra-te dos pais manipuladores e obriga-os à escolha de currículos para os seus educandos; acaba com os livros caros e obriga ao pagamento generalizado de livros baratos, leves e actualizáveis; obriga-nos à avaliação por nós e por aqueles que estão acima de nós, mas não nos deites às feras dos afectos ou à desobriga dos humores; paga-nos de modo a não invejarmos o teu salário, nem o daqueles que, sendo professores como nós, foram contratados para a gestão de «coisas» públicas, algumas ainda menos produtivas que a escola; não faças de cada escola pública uma ilha dentro do mar comum, mas dá-lhe os recursos e os meios necessários: salas, serviços, ginásios, bibliotecas, computadores, espaço comum; não continues a libertar professores para tarefas que não sejam escolares com alunos; sorri-nos, que não te fizemos mal.

terça-feira, junho 06, 2006


Parabéns! Temos uma história para contar, ainda longe do fim, provavelmente, ainda passível de versões e variantes, mas já sedutora e envolvente, a ponto de sermos também personagens dela, jogados por um narrador omnisciente, um tanto distraído em pormenores fundamentais, é certo, mas sério no seu fio condutor. Oxalá o tempo o recompense.

segunda-feira, junho 05, 2006

A revolução de Abril e a Escola

A pedagogia muda a escola?
Comecei a dar aulas em 1975, no dia 4 de Janeiro, após concurso atribulado que se retardou no tempo, tempo esse que era o da revolução dos cravos, cravos esses que já iam quase com dez meses de caminho, caminho esse que era todo de crítica impiedosa às pedagogias da escola autoritária e ao mesmo tempo de adesão às pedagogias libertárias e democratizantes, pedagogias que então se praticavam sem rede, quase sem tempo para assimilação de leituras, quase sem tempo para o resguardo de uma crítica epistemológica que lhes acautelasse os excessos. Recordo-me bem do dilema pungente que então se me colocava como professor: deixar os alunos calados e pasmados perante a minha pessoa ou fazê-los falar, motivá-los para soltarem línguas e experiências de vida, gerar-lhes a vontade de escrever e de pensar, sim, de pensar. Pois parecerá incrível, mas era esta a maior dificuldade que então se partilhava na sala de professores, nos estágios pedagógicos e nas reuniões, muitas, que havia por tudo e por nada: como pôr os alunos a participar, como fazer-lhes soltar a língua, como libertar-lhes a mão, como torná-los sujeitos da aprendizagem e da construção dos conhecimentos? Comparados com os alunos de hoje, os de há trinta anos, quando comecei, seriam facilimamente alcunhados de múmias adormecidas, estátuas pasmadas numa sala, fantasmas pervertidos de um ideal de pessoa participante, activa, crítica, autónoma, senhora de si, libertada finalmente pela generosidade de uma revolução de militares descontentes com o regime. O que eu não fiz para descobrir formas e processo de motivação! O que eu não provoquei! E também digo, porque na altura assim o sofri: o que eu não irritei, o que eu não enervei quem se sentia bem a olhar para mim, assistindo a uma descompostura de palavras e de temas, pedindo com os olhos que eu não incomodasse e o deixasse em paz. Guardo desse tempo um manancial de propostas que ainda hoje digiro em silêncio, ainda que as veja na moda dessa crítica impiedosa aos métodos construtivistas e às pedagogias de aproximação. Toda a teoria pedagógica radical de então fiz minha leitura obrigatória, desde as experiências inglesas, às italianas e às brasileiras e depois às nossas, facilmente identificáveis pelos nomes de A. S. Neil, Pietralata, Paulo Freire, Piaget, Montessori, João Santos, facilmente divididas e opostas pelos conceitos de directividade e não-directividade, até essa leitura dos radicais de Hamburgo, nos quais encontrei o meu então e agora mais que definido ponto de apoio: a aula é um lugar de trabalho e quem não quiser trabalhar não vai para lá. Pois é ainda nesta sala de aula que me encontro, sala que já virei do avesso, em «u», redonda, sem carteiras, de pé, na relva, no café, no museu, no estádio, no rio, na serra, eu sei lá, com quadro, sem quadro, com painéis, com ecrans, com livros, sem livros, com folhas policopiadas, com cadernos pessoais. É desta sala que ainda não saí, meu lugar pleno de experiências pessoais, de silêncios e de pesadelos. É nesta sala que hoje me encontro com a dificuldade de os sentar e de os calar, com a dificuldade ainda maior de me ouvirem ou de me entenderem se por acaso se calarem, como se o modo de estar não tivesse nada que ver com o modo de ouvir ou de falar, como se estes não tivessem nada a ver com o espaço a que se chama sala de aula, como se eu tivesse todo o tempo do mundo para esperar por eles. Ouço hoje falar em «eduquês» como sendo o que restou dessa aprendizagem das pedagogias que experimentei e sinto que o ataque me é dirigido, ou à minha geração, ou aos meus formadores, mas sinto também que, fosse com esse linguajar, fosse com outro, a minha relação com os alunos teria precisado sempre deste excesso de entrega pessoal e deste optimismo crónico no princípio de que os alunos são capazes de trilhar os caminhos mais difíceis, os tais caminhos que vão configurando e mudando os regimes políticos em que nos empenhamos.

domingo, junho 04, 2006

Eu, os pais e os alunos

Mais longe é ainda perto
Está no ar a célebre proposta de os pais avaliarem os professores, ainda que de modo mínimo e em linguagem mínima. Donde veio tal ideia? Que fundamentos pode ela ter? Que vantagens traz? Saiu da cabeça de alguém, iluminado, provavelmente sabedor de estratégia: os pais assim são mobilizados para a pressão sobre os docentes. Estes andaram anos a pedir a participação dos pais na educação dos filhos, andaram anos a solicitar-lhes a intervenção nas mais simples questões de acompanhamento escolar! Numa altura em que cada vez mais os pais pedem aos professores para fazerem de pais, alguém se lembrou de os chamar a avaliarem os professores. Tudo bem, desde que cada professor saiba e conheça o pai que o avalia, tal como cada pai conhece e sabe qual o professor que avalia o seu filho ou educando. Nada de avaliações anónimas ou por estatística. Mas esta medida tem algum fundamento? Nenhum, que não é da natureza da formação docente a ocorrência de qualquer avaliador deste tipo: ora se não ocorre na sua formação, por que carga de água deverá ocorrer no seu desempenho? Diz-se que o pai segue a história escolar do filho? A história ou a ficção dela? E por seguir a história ou a sua ficção, já deve avaliar? Avaliar o quê? A simpatia? A dedicação? Fica aberta a porta para toda a espécie de pantominices, mas, pronto, ao menos que eu saiba que pai me avalia! Mas, já agora, porque não ir mais longe e pedir aos pais que avaliem os próprios filhos? Sim, eu, professor, preparo-lhes a papinha toda e eles ainda podem juntar mais a tal história ou ficção: dar-lhes-ei os resultados dos testes, as ocorrências de sala de aula, as observações e reparos, os incidentes críticos, as faltas e as mais objectivas anotações sobre comportamento e cumprimento; o pai junta os dados e dá as notas: Eu só quero ensinar e dedicar-me por inteiro aos alunos. Outra nota: se o Estado nunca conseguiu que um presidente do Conselho Executivo tivesse qualquer papel na avaliação docente, se nunca conseguiu que um presidente do Conselho Pedagógico, idem, aspas, se nunca conseguiu que um Coordenador de Departamento, idem aspas, se nunca... idem, aspas, para a Assembleia de Escola, onde os pais estão representados, idem, aspas, para a inspecção ou qualquer outra entidade exterior, idem, aspas, para os alunos... vai começar a avaliação dos docentes pelos pais? De facto, alguém, no Ministério, é perito em estratégias de terror.