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quinta-feira, maio 11, 2006

Os lugares comuns - Viagem a Paris III

Ir a Paris foi ir aos lugares comuns do imaginário que nos acompanhou desde os bancos da escola e que hoje acompanha também o meu sobrinho na aprendizagem do francês, esses lugares comuns dos postais ilustrados, as provas dadas do turismo de massas, os lugares simbólicos de uma nação, de uma pátria, de uma civilização, pois foi assim que aprendi a França pelos livros, especialmente Paris, a cidade-luz, a cidade das luzes, o campo aberto de experiências estéticas e de recepções festivas a tudo quanto fosse descaramento e provocação culturais, ciência e ficção, concerto e desconcerto artístiscos. A partir do segundo dia da nossa permanência em Paris, quando iniciámos o roteiro turístico na estação do metro da Praça de Itália, esta ideia da cidade passou-me ao lado e no que me dei conta foi de que a cidade era de todos e todos eram os mais diferentes, os mais variados, os mais díspares e os mais semelhantes, na raça, no vestir, no estilo e na graça pessoais, no ir a dormir em pé ou sentado, no correr e no parar. Onde estão os franceses que não sejam estes que vão connosco de metro, que se cruzam connosco nas ruas, que sobem connosco à Torre Eiffel, que se sentam connosco nos restaurantes? É certo que não falei com muita gente, naquilo que fosse um falar de querer saber ou de entender o pensamento de alguém, que não tive tempo ou nem me concentrei em rostos que me ouvissem ou esperassem de mim três dedos de conversa. Mas é certo que entrei e saí de lugares frequentados e as pessoas me pareceram sempre as mais variadas e as mais comuns, nas lojas, nos restaurantes, nos cafés, nas livrarias, em Notre Dame, em Montparnasse, debaixo do Arco de Triunfo, no Louvre, na Praça da Concórdia, no Sacre Coeur. È certo que me espantei com os sem-abrigo e que receei daqueles cães tão grandes que os seguem tão andrajosos quanto eles, é certo que me espantei com o alívio de bexiga, público e descarado, de um deles na esquina de uma rua que tinha sinais exteriores de ser frequentada e rica, urbanizada que era em cantaria e vitrines, é certo que nos seduziu a simpatia dos empregados de café e restaurantes, e até dos bares de esquina. Dei comigo a pensar que a satisfação de subir às torres simbólicas da cidade, a de Eiffel e a de Montparnasse, poderia tomá-la como catarse das memórias dramáticas de 11 de Setembro e de facto não me livrei de um pequeno susto na primeira delas quando o altifalante anunciou que o acesso ia ser fechado por problemas de segurança e nos aconselhou a calma possível naquele topo do mundo, naquele excesso de confiança no futuro que fora construído em ferro para ser provisória atracção de feira de uma exposição universal em 1889. O que vemos e o que pensamos do alto destes lugares? Donde nos vem o conforto de ver tanto e tão longe e para que nos serve? Entre o alto e o baixo, o cemitério de Montparnasse merecia a nossa visita, mas não fomos lá, talvez que lá reflectíssemos na razão de termos subido tanto, a razão que acaba por se nos representar a mais forte, afinal, pois é de alturas que precisamos, e um passeio é uma espécie de aprendizagem de voo, para saciar uma fome que é de ver, mas também de conhecer, que é de falar e de estar, que é de sairmos de nós. Comprei uns livros no Boulevard de St Michel, na livraria de onde minha irmã me trazia algumas publicações avulsas a pedido, um deles sobre a França rural profunda, Le village métamorfhosé, de Pascal Dibie, comprei também o nº 1 de uma revista chamada Philosohie e dei-me por feliz por pensar que a filosofia ainda era assunto para primeiro número e para nome de uma revista que a promete fazer e pensar a partir do quotidiano contemporâneo. Andámos quilómetros, a pé, a «flâner», a divagar, como aconselhou minha irmã, rua abaixo, rua acima, até aos limites de urbanismos apelativos e até aos limites da repetição de lugares comuns, mas sempre surpreendidos pelas performances de rua e pelas apropriações tão familiares que as pessoas já fazem dela, como aquela surpresa de ainda termos visto as grades da polícia nas ruas da Sorbonne e os sinais evidentes das transgressões de limites que por ali se confrontaram, como aquela simplicidade de manifestação ruidosa que quatro ou cinco acorrentados decidiram realizar à frente da Notre Dame, super vigiados pela polícia, mas incansáveis na defesa de uma causa, a deles e a de outros, com muitos outros ao lado na maior das distracções com patinadores acrobatas ou com mimos de fantasias de máscaras, ou com pintores, ou simplesmente a ver a realização de uma cena de cinema em plena ponte sobre o Sena, esse rio que não cruzámos de vapor por acharmos que da margem se sentia também como imaginário de viagens. Regressávamos a casa satisfeitos e tomávamo-la, ainda que pequeno estúdio para uma rapariga só, como a casa mais larga que o cansaço deseja para se restabelecer.

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