Pesquisar neste blogue

terça-feira, maio 30, 2006

Convidado e testemunha II

As danças de salão
O rito do matrimónio é uma escola de poesia, daquela que o tempo e a memória consagram depois da perda da referencialidade e da perda da fonte e da perda do destino, daquela que pode ser sempre o nosso caso e nunca o desilude, daquela que tem sempre a ver connosco e sempre nos transcende. Já assisti a casamentos pelo civil, com e sem arremedos de poesia, mas esta história fica mais bem contada dentro de uma igreja barroca, com um padre na função de mordomo do simbólico. São pareceres, que nem precisam de fundamentação na fé, pois acho que se aguentam na razão pelo lado meramente estético, melhor, por esse lado que se chama a tradição de nossos pais e avós e outros, sim, poderá ser o lado da cultura, como poderá ser o lado da convenção social. Mas, seja na perspectiva da hipocrisia social, seja na perspectiva da imersão religiosa, o rito é mais do que parece, tem um segredo que o enaltece e tem um ritmo... Esquece, alguém me diz ao lado, sentindo-me o devaneio do momento. Mas foi esta a música que o poema do pai do noivo fez nascer em mim, terá feito nascer nos outros, terá feito nascer em si próprio ou não lhe sentira eu as lágrimas incontidas da emoção. Nós temos de ser quem somos nestas alturas, temos que deixar «esbaganhar a alma», que o linho deve-se à flor e esta deve-se à raiz. Está bem, chega um dia, a sopa salga / a chuva cai e vai-se a ela / o amor vai-se, o frio galga / e a luz do sol já não nos péla / mas esse momento poderá ter a segurança de cautelas e caldos de galinha que neste dia se deitam à vida, à terra a dois, à família que se quer ser. A partir de hoje, aumenta a casa / a mesa, a conta da despesa / a família de cada um fica mais larga / e aumenta a confiança e a franqueza. É o que se diz, como se diz que a seguir cada um vai à sua vida, mas este ir é sair para andar no meio. A Sofia e o Jaime deram o sim, deram o nó, são marido e mulher e o padre Sandro lembrou-lhes que não separassem mais o que Deus uniu. Olhei a minha menina, mulher nas minhas histórias ao longo de quase trinta anos e lembrei-me que a noite será de noivos, com aquela fé de Abraão que ainda não perdi. A Teresinha leu a oração dos fiéis, o coro interpretou «Ave Maria» de Shubert, a Inês cirandou pelos bancos e pelo altar. Avé, Maria, aqui se lembra a Mãe / o colo carinhoso, permanente / cheio de graça, de saudade e bem / de que se precisa diariamente. E mais um tudonada e estávamos aos beijos e abraços, rezando pela paz, lembrando-a através da banalidade que aqueles gestos mais íntimos ganham com o uso, mas que assim, no lugar, entre nós, bem-vestidos, bem-cheirosos, bem-comportados, adquirem a «pose» cerimonial dos compromissos. Ainda não é hoje que falo das danças de salão.

Sem comentários: