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terça-feira, maio 23, 2006

Convidado e testemunha

As danças de salão
No passado sábado, 20 de Maio, foi o casamento da Sofia e do Jaime. Nós fomos convidados do noivo, amigos dos pais, amigos dele também porque o rapaz seguiu-nos sempre com uma curiosidade de satisfação e sempre nos saudou a presença com um riso de cumplicidade em torno de histórias, palavras e discursos mais ou menos promotores da boa disposição e da transgressão dos lugares comuns das boas maneiras, sobretudo sempre que a junção do seu pai com a minha pessoa proporcionava os imprevistos descaminhos da pilhéria e da graça no convívio. O casamento religioso foi na Igreja de S. Paulo e a boda foi na Quinta de Mouriz em Vila Verde, o primeiro lugar ditou a consagração da arte barroca como excelente símbolo da vida e o segundo ditou a terra e a casa como símbolos da criação pessoal. A água de nascente não poderia ter melhores apreciadores da sua correria para os campos e para a fonte. Na Igreja, fora, o padre passara-me ao lado ou vira-o até como quase arrumador de carros e de gente tal a dissemelhança do seu modo de estar e trajar, isto foi o que só pensei depois de o saber sacerdote, ao mesmo tempo que me deixava seduzir pelo seu lado juvenil e informal de celebrar o rito de casamento, numa prova de fé que espero seja profética o suficiente para se confirmar que o estilo do pastor ganha o rebanho. Ao som da marcha nupcial, interpretada pelo Coro da Igreja do Carmo, estilizado a preceito para este género de compromisso artístico, a noiva, a Sofia, entrou pelo braço de seu pai, segura e feliz, olhada e remirada, sentida, até se aproximar do noivo e o saudar beijadamente. Há gestos com que a gente ainda se comove. O cântico seguinte teve um trompete como personagem buliçosa, em contraponto melódico com a simplicidade do texto poético que afirmava a alegria de estar em festa com Jesus. A paixão mobiliza o altar e o altar dá-lhe um imaginário de intemporalidade, de encenação perpétua, como aquela talha dourada em rebuliço de formas e em excesso de motivos que está nos altares da Igreja de S. Paulo. Braga, a cidade do barroco, ganha no casamento católico um tempo propício de contemplação. O padre, afinal companheiro de infância de alguns outros convidados, colega de bairro, colega de escola, o Sandro, o miúdo que quis ser padre e que jorra a confiança de o ser, fez uma saudação de sabor familiar, de linguagem um nadinha marialva, mas de mensagem genuína, a apelar aos valores da união, do amor, da fé, da igualdade de esforços e de tempêros. O amor erótico, desde que agora recebeu a reflexão teológica de Bento XVI, dá mais alguns trunfos aos leitores atentos da palavra bíblica, seja aos que ainda estão no viço da juventude, seja aos que aguardam a «ditosa velhice» da experiência amorosa. Há sempre palavras acesas, vivas como o fogo, vermelhas e quentes como o vestido da primeira leitora, que tudo ali, ou na minha cabeça, estava a tomar as proporções estéticas do lugar. Esta euforia do casamento religioso católico, este querer casar pela Igreja, tem que ter uma explicação para lá da tradição e nela, há-de por força radicar em alguma energia incontida de optimismo na espécie, há-de entroncar em algum mistério de criação, se calhar é acto fundador da própria Igreja, da comunidade de crentes que se projectam em Deus para se transcenderem depois em nome de causas, de princípios, de ideias, de imagens, de tarefas. Por mais espectacular e exibicionista que possa parecer este modo de fazer um contrato a dois na presença de uma comunidade de familiares e amigos, é outra a energia que o move, é outro parecer e esse parecer é que é lindo porque é da ordem do ser. Divago, até que a Inês, criancinha de dois anos e já faladora de tudo, vem ter connosco e se apodera da esferográfica emprestada com que escrevo, para fazer uma outra escrita de flores ou de figuras. Retomo-a, já no sermão, para completar os avisos irónicos do Padre Sandro: nem sempre somos bons / mudamos muitas vezes / de cores, de lados e de sons / sofrendo, por isso, alguns reveses / Enquanto se é namorado /andamos bem agarradinhos / que o amor quer-se apertado / com correntes de beijinhos. (Continua)

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