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terça-feira, dezembro 26, 2006

Ceias de Natal - a mesa posta

9/12/06 - A primeira deste ano foi a da Associação Recreativa e Cultural de Palmeira, à qual somos convidados pela colaboração activa que oferecemos à edição anual da revista que assinala a organização do Festival de Folclore nesta freguesia e que está a cargo do Grupo Folclórico e Etnográfico de Palmeira, uma extensão daquela associação, a mais forte e activa, se bem que a actual direcção esteja decidida a fazer progredir outras actividades, agora que a sede social é já uma realidade em pleno funcionamento. À frente desta ssociação tem estado o professor Manuel Maia, um filho da terra, dinâmico e incansável promotor de iniciativas em prol da freguesia. A ceia de Natal valeu por aquele momento de emocionada tensão que emergiu nos olhos do presidente Maia, quando este dirigia a todos os presentes umas palavras de estímulo associativo e de solidariedade pessoal. Não pude ficar indiferente àquele desejo incontido de esperar dos seus pares e de todos os elementos uma solidária colaboração, que se concretize para além do direito pessoal de criticar e para além do saudável exercício de maldizer. Os apelos à crítica são fáceis de fazer, os apelos à construção, esses requerem algumas vezes uma emoção para além das regras de bem parecer. E o Maia mostrou uma dor de alma que não se espera ver transformada em ferida aberta. Nas localidades em que todos nos conhecemos não é fácil esconder a verdade das emoções.
15/12/06 - A segunda foi no Clube de Ténis de Braga, com bacalhau à moda da terra e com peru assado no próprio Clube por gente da Casa sob a direcção de ilustre gastrónomo e dirigente associativo, cujo nome não revelo por questões de extremo cautelismo de mão-de-obra: aquele recheio do galináceo, com aquele branquear de pinhões, deixou o sabor preso da gula, ainda mais crescida com aquela mesa de bilhar grande recheada de posodorias caseirinhas. Jogou-se à mesa, em singulares e pares, sempre com o primeiro serviço a entrar bem. Contei por lá umas histórias, para desempatar.
16/12/06 - A terceira foi a da Casa de Trás-os-Montes e Alto Douro em Braga e esta teve no fim o filme de João Botelho, «Viagem ao Coração do Douro», a ilustrar uma das dimensões que a mesa mais fomenta entre nós: a de mais nos expormos quando estamos bem comidos e bebidos. Expormo-nos, entenda-se, em fragilidades de terras e de seivas, em rudezas de caminhos e de projectos, embora tudo fique depois misturado em mosto, que sempre é mais estrume para outros devaneios. Lá se comeu o bacalhau e as batatas e as tronchudas, lá se falou da região, lá se afogaram umas tantas ideias sobre a paisagem que o Douro é, em água e em margens. A presença do Dr. Francisco Gil Silva, da Comissão Executiva das Comemorações dos 250 anos da Região Demarcada do Douro, deu um toque de excelência às garrafas de vinho fino.
24/12/06 - A quarta foi a de nossa casa, com os meus sogros, cunhado e cunhada e sobrinhos, oito à mesa. Na forma do costume, assim se pode dizer, sempre com mais afectação de recursos, mas também de resultados. Uma ceia que terminou no dia de Natal com a consagração que lhe veio trazer a presença do nosso afilhado do Porto, o Zé Carlos, com os pais e o irmão e a cunhada e os irmãos desta. Depois de tão difícil e longa série de intervenções médicas, o nosso jovem faz finca-pé na estatura dos seus 27 anos e ergue-se com o merecimento do sacrifício pessoal, um acto que o tem obrigado a renascer todos os dias, mas que acabará em superação, estamos certos e confiantes. De que forças precisamos nós e onde as vamos procurar? Que palavras nos podem consolar as intromissões imprevistas da fortuna? Que transcendência nos impele a não desanimar? Este Natal as respostas ficaram mais próximas de nós e sentimo-nos como reis que seguem uma estrela.

domingo, dezembro 24, 2006

Meu pai plantou as couves

A chuva veio muita e elas não vingaram. Meu pai continua certo de que elas se devem plantar a 25 de Julho, se as queremos para o Natal, mas este ano a chuva foi demais e em tempo que elas não mereciam, de modo que tivemos as que a terra deu e como as pôs. Boas, dizia-lhe eu, suficientes para todos, apetitosas antes de as cortar, compensadoras depois, temos a certeza, que as provas foram boas e agora hão-de estar melhores com a geada. Meu pai olhava para lá de nós, para lá dos castanheiros que lhe estavam no horizonte e revelava a pena de não ter melhores couves para os filhos todos. O que contava ali eram os olhos que estavam sobre a terra, sobre a horta que fez a nossa infância e que faz a servidão de todos os cuidados de meu pai. E os olhos estavam carecidos. Minha mãe, lá dentro de casa, sabia a mesma razão, que fora o tempo a não nos dar melhor. Vão-nos saber a mel de terra prometida as poucas que todos lá cortámos. A «couve da mãe» e a «couve do pai», duas receitas que encheram sempre a nossa mesa de Natal, hão-de confortar-nos: a primeira serve-se mais da folha, coze-se e mistura-se depois com pão, azeite e alho, refogados juntos; a segunda é mais à base dos troços e vai a cozer com pouco bacalhau, para lhe dar gosto, e depois leva azeite, alho e vinagre, ficando mais agreste. «Quero couve da mãe«, «quero couve do pai», receitas que já fazemos soltas por outros dias do calendário, quando as couves daqui ou de nenhures nos fazem lembrar a terra, a horta de nossa casa, a horta da Mó, a escola das nossas regras. No Natal, as couves de meu pai são uma horta de estrelas, um luzeiro de olhos embaciados com amor.

quarta-feira, dezembro 20, 2006

Na tal instante ocasião

Há Natais que os livros memorizam,
Há livros que o Natal escreve,
Há um Natal que os nossos olhos visam
E esse é que nos serve.

terça-feira, dezembro 19, 2006

Deveres de ofício: de Novembro a Dezembro


São os cactos da nossa janela, ao cuidado do tempo e das mãos da Tininha que os preserva como os dias, espinhosos e floridos, tão intensos de dores como de cores. Os extremos dão jeito à delimitação das isotopias do sentido e esta dos cactos veio a propósito. Que se preservem as imagens, as reais e as da literatura, umas e outras acabadas nas palavras.
De Novembro, ficaram os dias, agora, reduzidos a memórias breves, uma, a dos aniversários de amigos e de familiares, dada pontualmente pelo calendário do telemóvel, outra, a dos trabalhos escolares, esta sempre apagada e recalcada pelos seguintes, que seguem todos ensarilhados uns nos outros, os de trás avisando sobre os da frente e estes não querendo saber dos avisos e continuando sempre a mesma pressa de consumo e de esquecimento. Será marca da idade, defesa da própria vida contra as veleidades que os trabalhos futuros trazem agarrada a si, como se fossem os decisivos do nosso entusiasmo. E depois passam e foram o que pareceram, gastadores de sabão. Mas a graça está em fazer bolinhas e vê-las sair e vê-las pousar e vê-las sumir. Mas talvez eu esteja mesmo a escrever isto movido pela memória do livro «Quatro Estações», poemas de Mário Dias Ramos e fotografias de Miguel Louro, que eu fui, com os autores, apresentar ao Diana-Bar da Póvoa de Varzim, esse espaço de animação que a autarquia povoense mantém em ritmo de cruzeiro, no fim de tarde de 25 de Novembro: os poemas, disse o autor, beberam o sentido no envelhecimento do corpo, no cansaço da vida, na utopia de um lugar outro que vem empurrar este; as fotografias, disse eu, beberam a luz na fuga de si mesma contra o tempo, evitando o contacto próximo com as coisas, as casas, as ruas, os corpos, o mar. Precisamos de continuar a pensar que não nos esgotámos, caráspite!

A bola - duas idas às Antas foi obra, mas os convites fizeram-se para isso e gastaram-se assim. Só me falta agora uma terceira vez para confirmar a roleta do azar. Já por uma vez, aqui há anos, num jogo Porto-Real Madrid, eu saíra com amigos de Braga e com o bilhete para meu pai que me esperava à porta do estádio, ainda o velho; eu saíra já tarde, mas todos nos fiáramos na leveza da auto-estrada. Foi bonita a angústia de não ver saída que não a de seguir em frente, naquela fila ronceira de carros e mais carros, que houvera acidente lá algures e o trânsito entupira. E eu no carro, éramos cinco e dois miúdos, então, carro que nem lhe adiantara nada ser rápido e ser seguro e ser jipe! E meu pai à minha espera! Entrámos para o Estádio a cinco minutos da segunda parte. Agora: Porto-Arsenal. Desta vez pareceu-me o tempo de saída de Braga demasiado cedo, mas aceitei que o azar nos pudesse visitar de novo e considerei o horário uma questão de seguro. Éramos quatro. Que a pariu, à auto-estrada e a mais quem lá anda convencido que é larga e rápida e segura. Que o pariu, ao acidente lá na frente e a quem o viu ou por ele passou a esganar-se e a esganar quem fosse e pudesse agarrar. Que me pariu a mim que aceitei o convite de meu irmão, que saiu de Lisboa uma hora antes de eu sair de Braga, e me esperaria religiosamente com o bilhete na mão até eu chegar se entretanto não me tivesse ocorrido uma troca de vítimas, ele pelos filhos dos colegas com quem ia, que localizaram meu irmão por telemóvel e lhe ficaram com o meu bilhete. Já passavam vinte minutos da primeira parte quando entrei nas Antas, e quando abracei meu irmão já passavam vinte e dois, tal foi a pressa com que subi um ror de escadas. Eu já fiz a promessa de voltar a viajar com o mesmo condutor e com os mesmos amigos na hora de morrer, que assim chegaremos todos atrasados, e bem. Mas se houver uma terceira hipótese, há-de ser com bilhete na mão e saída de véspera. Sempre quero ver se o destino ou o azar, que é seu parente, têm os cornos afiados.

domingo, dezembro 10, 2006

A memória da festa que o amor causou

Hoje recebi esta prenda, enviada pela Olga Castro, professora minha colega, já aposentada, autora de manuais escolares de boa memória e de muita actualidade e pertinência pedagógicas. Os noivos são reconhecíveis, ela por estar de vestido branco, Eliana, ele por estar de gravata prateada em fato preto, João Miguel. Eu estou bem entre o meu compadre e pai do noivo, à minha direita, e uma risonha e airosa menina, à minha esquerda. A minha esposa está ao ladinho do noivo e à sua frente está a Olga Castro, com a mãe do noivo, minha comadre Ana, as duas em dois tons de verde que a esperança fará perdurar até próximo encontro festivo. Eu fui de laçarote por disposição artística, para mais eficiente direcção do coro no acto da celebração religiosa, esta no Mosteiro da Serra do Pilar, sobre este Douro que agora se vai ver, em fotografia também tirada pela Olga. Ainda bem que há maquinetas que digitalizam os momentos mais felizes do olhar. Isto já foi em Julho passado, mas ainda agora há-de ser assim, se por lá passarem outros olhares interessados e apaixonados. Juntam-se as pessoas nos lugares e os lugares ganham os olhos das pessoas. Encontros felizes. Obrigado, Olga Castro.

sábado, dezembro 09, 2006

Se não houver o que nós queremos

Voltamos a procurar
É verdade, tem de ser, ou nos mesmo sítios ou noutros, como se fora esta a nossa razão de ser: procurar. O quê? A explicação para o sofrimento, ou antes, a explicação para lhe dar sentido ou para o projectarmos como sentido de nós próprios, como horizonte, neste querer dizer que a palavra é um futuro de valores, de explicações, de soluções ou de suspensões. Coloca-se a questão de Deus, pois que se coloque, mas não para colocar na conversa um juízo ou uma fixação deterministíca, mas antes para considerar que a questão de Deus é a nossa questão, resolver com Ele é resolver connosco e entre nós e para nós, é validar para um futuro de nós a mesma necessidade e a mesma explicação. O sofrimento é então uma marca indelével de nós, é-a também de Deus e a explicação para ele terá de sossegar os dois: no homem como marca de temporalidade provisória, em Deus como desejo absoluto de superação. Deixo assim, porque a resposta ao meu poema de Natal, por parte de meu compadre João Alves Dias me fez enveredar por aqui e senti que não tenho fôlego para muito mais. Esta problemática do sofrimento, vista só pelo nosso lado de mortais e finitos, é uma procura desesperada de soluções, é um acumular de investimentos e de esperanças, é um desencadear de queixas e queixumes, mas também de resistências e de superações. Mas vista pelo lado da transcendência espiritual, logo também pelo lado de Deus, esse que seja nosso ou de outros, requer mais esforço de superação dos limites em que pensamos ou em que estamos habituados a pensar, disto não tenho dúvidas. Então, onde estribar esse desejo ou esta necessidade de superação?

domingo, dezembro 03, 2006

Um poema para a Mediação escolar

Eu sou capaz

Refrão:

Eu sou capaz, eu sou capaz,

Digo isto de cor,

Eu sou lindo (a), eu sou bonito(a),

Eu mereço o melhor.

Hoje o dia está

Tão maravilhoso,

Abro os olhos já,

Tudo é espantoso.

Abro a boca e canto

A felicidade.

Mostro o meu encanto

Rio-me à vontade.

Hoje a vida tem

Lições positivas.

Eu procuro bem

Minhas perspectivas.

Preparo o futuro,

Olho para a frente,

Vou-lhe dar no duro,

Estou aqui presente.

Refrão:

Eu sou capaz, eu sou capaz,

Digo isto de cor,

Eu sou lindo (a), eu sou bonito(a),

Eu mereço o melhor.

Todo o ser humano

É uma estrela imensa,

Brilha todo o ano,

Acredita e pensa.

Olho a energia

Que o Sol me dá

Pra vencer um dia

Sei que chego lá.

Eu posso alcançar

Onde os outros vão

Tenho luz no olhar

Paz no coração.

Não deixo que a lua

Se apague em mim,

Sigo, venço a rua,

Vou até ao fim.

Refrão:

Eu sou capaz, eu sou capaz,

Digo isto de cor,

Eu sou lindo (a), eu sou bonito(a),

Eu mereço o melhor.

Levanto a cabeça:

Como é linda a vida!

Pra que eu a mereça

Tem de ser vencida!

Por uma batalha,

Não se perde a guerra,

E só quem trabalha

É que ganha a terra.

Tudo tem solução

Com honestidade,

Trago em minha mão

Ânsias de verdade.

Esta vida assim

Vale mais que o ouro

É o meu jardim,

É o meu tesouro.

Refrão:

Eu sou capaz, eu sou capaz,

Digo isto de cor,

Eu sou lindo (a), eu sou bonito(a),

Eu mereço o melhor.

Poema de Natal 2006

Voltar ao presépio

Já pensei que o Natal pudesse ser

A razão mais ousada e libertária

De um pobre, rebelde, ou guerrilheiro,

À procura desse outro amanhecer:

Em que o povo, de posse igualitária,

Une as mãos e convence o mundo inteiro.

O Natal, estratégia de poder,

Desafio, cruzada visionária,

Testemunha, profeta, timoneiro!

Foi assim. Acabei por me perder.

E o meu sonho, por mão humanitária,

Convalesce, pasmado num pinheiro.

Vou voltar ao Presépio do Menino

E pensar de outro modo o meu destino.

(São os nossos votos de Boas Festas
e de um Ano Novo cheio de sucessos.
José Machado e Albertina Fernandes.

Braga, Natal de 2006)

domingo, novembro 26, 2006

Pós-casamento: o amor no dia seguinte

Foi surpresa para a maioria dos convidados, ainda que houvesse uma quase certeza de suspeitar que a festa era para anunciar o casamento ou o compromisso entre os noivos, mas quase ninguém supusera que eles fossem apresentar a cerimónia do casamento de véspera neste dia seguinte. O Carlinhos Couto, nosso amigo desde pequeno, agora engenheiro civil na empresa do sogro, convidara-nos para a festa de anos da Filipa, sua noiva, dentista, menina que sempre víramos tímida e recatada, mas de um sorriso desarmante. Foramos com aquelas prendas que se dão por anos, mas que não se indicam para o casamento, se calhar as prendas certas para uma surpresa do género daquela que nos fizeram, uma para guardar o retrato dos noivos, outra para o noivo ele próprio se lavar em dia de empreitada de caboucos. Os pais de um e de outra bem que andavam com um ar comprometido, mas a gente nunca iria suspeitar que fosse o ar de já terem mais um filho no rol das funções familiares. Boa surpresa seria ainda aquela que os desse por adiantados já em matéria de herdeiros, mas dessa não soubemos, cá fica a ideia de que lhes ficaria bem, até porque a noiva estava esplendorosa, feminina, deninibida, maternal e o noivo tinha aquele ar desinteressado das obras de papel que nunca mais se alicerçam no terreno. Já gora, outra surpresa dentro da surpresa: o filme do casamento da véspera levou na montagem para o dia seguinte os Beatles, Imagine e Let it be, inspirações de uma cultura pop em que toda uma geração de pais se banhou e com a qual se prolongou neste futuro que foi a festa do casamento dos filhos. Há sons que fazem caminho pelos nossos corpos! Deixa andar! Se calhar está na mesma linha de imaginar um mundo de amor o poema que dediquei ao Carlinhos e à Filipa, os filhos de outros que me dão cuidados.

Poema aos filhos dos outros como se foram meus

A gente se convence

Que os cria,

Que os guia e lhes porfia

Um tempo venturoso de voar.

Mas quase, a gente sabe

E desconfia

Que um dia esta harmonia

Se torna conflito e mal-estar.

Então, resta o amor,

Entregue a si:

O teu, de mim flor,

O meu, raiz de ti.

De todo, há um modo

Singular

De amar e partilhar

As horas mais propícias à razão.

Mas sempre se pressente

O divagar,

Vulgar e lapidar,

Das perdas que nos traz a solidão.

Então, resta o amor,

Entregue a si:

O teu, de mim flor,

O meu, raiz de ti.

Guardo esta saudade

De o teu corpo, em nossa vida,

Ser um verbo meu.

E tenho em minha idade

A do teu rosto, como prova viva

Deste amor ser teu.

José Machado / Braga, 24 de Novembro de 2006

domingo, novembro 19, 2006

Deveres de ofício

De 14 de Out. a 18 de Nov. - Aos sábados, curso de formação sobre a TLEBS (Terminologia Linguística para o Ensino Básico e Secundário), na FAC-FIL, com o professor Doutor Augusto Soares da Silva, um investigador da linguística cognitiva. O curso veio na hora, a matéria arrasta-se em polémicas nos jornais, com muita gente a reagir contra a renovação do corpus terminológico gramatical e este a precisar de mais estudo e de mais investimento nas escolas, escolas onde alastra uma desmotivação pedagógica nunca vista, alimentada pelo ME, tão desastrado a pegar fogos como a querer apagá-los, incapaz de se consciencializar da necessidade de uma didáctica para as mudanças que pensa implementar. Os intelectuais que têm vindo ao terreiro lançar farpas contra a TLEBS têm contribuído, apesar de tudo, mais para a sua continuidade de estudo: Carmo Vieira destrói e não constrói, mas leva-nos a duvidar de que esteja certa; Alzira Seixo problematiza e estimula mais o estudo; Graça Moura anda cá e lá, perde-se em cautelismos e em estratégias de edição e de Palops, mas incentiva sempre a que se prove melhor o que se quer atacar; Prado Coelho alerta para a pragmática, mas o caminho já anda a ser trilhado há muito; Álvaro Gomes demora a encontrar uma resposta e ele até poderia dar soluções no interior dos novos suportes científicos que estimulam a mudança; gostei do artigo da professora Assunção Caldeira Cabral, hoje dia 19 de Novembro, no DN; faço minhas as suas palavras.

Terças e Quintas - Desde Outubro, eu e a minha mulher estamos na hidroginástica, na piscina da Casa Sacerdotal, das 18.00 às 19.00 horas, uma actividade em simultâneo que só tem trazido vantagens. Boa ideia!

Terças, à tarde, das 15.00 às 17.00 - Gaita de foles, aprendizagem e treino, como Paulo Pirata Petulante, assim mesmo, galego quase a chegar aos trinta, monge budista na aparência, músico de formação popular e clássica, instrumentista de eleição. Uma oportunidade há muito desejada, vou ver se aproveito bem, sem a pretensão de chegar longe, mas de me ser útil a mim próprio que sempre tive a ideia de tocar umas gaitadas. O grupo de aprendizes pode ainda crescer, mas é motivado e motivador.

Quintas, das 15.00 às 16.00 H - Na Biblioteca Lúcio Craveiro da Silva: histórias para os miúdos, tenho de as contar senão esqueço-as e depois não as poderei inventar no futuro. Já me viciei em precisar de histórias.

Quintas, das 21.00 horas às 23.00, ensaios da Associação Cultural e Festiva «Os Sinos da Sé» na Escola Francisco Sanches, um grupo a que pertenço desde 1978/79, dedicado à música folclórica minhota, mas também de estudo e de animação. Ando por lá a puxar a carroça, ainda não desanimei e tenho trabalho até mais tarde, mas gostava de ver mais gente nova a entrar, até com o desafio de outros instrumentos e de outros sons que foram fazendo a nossa tradição de músicas e de cantigas e que não deveríamos deixar esquecer. Pena que a pontualidade não seja a regra e que alguns andem a desmoer, mas é de aguentar, ainda dá prazer e a festa é apreciada por outros que gostam de nos ouver.

25 de Outubro - o Duarte, nosso sobrinho, fez 10 anos. Anda também na minha escola, no 5º ano, já tem memórias na caderneta escolar, questões de estilo pessoal e de acomodação ao grupo; é de si próprio um rapaz com graça e com poder de criação. Estou para ver, mas espero bem que seja sempre ele a descobrir-se.

1 de Novembro - No cemitério, a visita aos amigos e familiares que nos enchem a memória de bons momentos e de boas lições de vida. O tempo recompõe-nos, a vida consolida-nos.

14/11/06 - Conselho Consultivo do Theatro Circo: fui convidado a fazer parte, aceitei-me a representar a música de tradição oral, o folclore, a cultura popular, «programas» eventualmente possíveis nesta Casa de espectacular renovação. Numa contemporaneidade que já se preocupa sempre com a sua auto-representação popular, o caminho parece facilitado: por lá deverão passar todas as artes da tradição e todas as tradições de arte, com a qualidade crítica julgada por quem de ofício, que é para isso que recebe, e na sua responsabilidade há-de estar, certamente, o dever de saber ouvir.

19 - feira de campo - Sábado, fomos a Raiz do Monte visitar os pais, eu e a Tininha, assámos lá umas castanhas em forno de lenha, fizemos um arroz de polvo, fomos a Jales visitar amigos e conversar, fomos ver o novo supermercado que abriu nas Alminhas. Minha Mãe está mais pesada e menos, menos, móvel, mas conversa bem; meu pai parece ter voltado a ser quem foi: falador, cáustico de causas e de homens, sobretudo de quem governa, adepto emotivo do FCP, leitor de jornais, preocupado. Na viagem ouvimos o «Ligação Directa» de Sérgo Godinho, com agrado.

Amanhã é outro dia para continuar como hoje e como ontem, semana a semana, nesta teimosia de prestações. A escola ocupa agora mais o tempo, menos bem, mas mais, e o tempo mal ocupado pesa mais nas costas. Soube notícias de nosso afilhado, as coisas parecem estar a correr melhor, a recuperação está a instalar-se.

domingo, outubro 29, 2006

A Luz Viva da Morte: livro e exposição

O livro: A Luz Viva da Morte, de Maria da Conceição Azevedo, com fotografias de Miguel Louro.

Local: Biblioteca Lúcio Craveiro da Silva, Largo Paulo Orósio, Braga.

Dia 31 de Outubro, 21.30 Horas, com a presença dos Professores Doutores Carvalho Guerra e Cassiano Reimão

Tomando a fotografia como linguagem da referência, mas explorando o ludismo da criação e da exposição, Miguel Louro aceitou, e bem, «ilustrar» um livro singular – A Luz Viva da Morte – dedicado à interpretação antropológica dessa realidade última que se inscreve nas nossas vidas, seja como limite, seja como passagem: a morte.

Ou não fosse a fotografia, em si, uma fixação mortal, e mortífera, das mais vivas e cruas realidades ou dos mais vividos e díspares momentos de ser. Aquilo que a fotografia é, é a morte de um instante de vida, uma interrupção do fluxo temporal, uma posse de corpo sem alma, a memória do simulacro, a construção do mausoléu.

Mas não fosse também a fotografia um produto da vida, portanto, uma técnica extensiva do corpo, para a considerarmos, na sua deriva de simulações, a mais contrastiva oposição à morte, ou seja, trazendo todos os recalcamentos para a superfície, a mais atrevida manifestação do erotismo criador.

Fiquemos, então, com este velho compromisso entre o eros e o tanatos, redimindo naquele adjectivo, não a idade da técnica (os 160 anos da fotografia), mas a idade das forças que equilibram os sistemas vitais (a velhíssima idade da luz, a velhíssima idade do desejo).

O livro de Maria da Conceição Azevedo, A Luz Viva da Morte, é o resultado de uma apurada tese de doutoramento sobre a educação da vida, a paideia do ser humano, no pressuposto de que é possível e desejável falar em valores culminantes – «os valores que determinam as escolhas fundamentais da existência e são condição da possibilidade de realização de todos os outros valores» (Obra citada). O livro transporta-nos pelo interior da educação que o homem faz para sua própria realização pessoal, iluminando demoradamente, em várias isotopias da interpretação religiosa, as relações, os modos e os estilos, que a morte tem imposto ao ser humano e outros tantos que este vai inventando para a superar, ou não fosse esta a utopia a perseguir.

O caminho encontrado por Miguel Louro foi um regresso a si mesmo, aos seus traumatismos físicos e psicológicos de um passado recente, usando agora a máquina e a técnica como meios reveladores desse estado comatoso e letárgico a que fora sujeito há 15 anos, por motivo de acidente automóvel. Já na exposição retrospectiva dos seus 25 anos, Miguel Louro ensaiara esta deriva imaginária, naquele espaço esventrado que fora a Sala Nobre do velho Tribunal de Braga: expusera, então, um conjunto de fotografias «anómalas», se relacionadas com as outras, mas produzidas com uma intencionalidade de abstracção se vistas em função da problemática da morte: eram fotografias com excesso de movimento e carência de precisão referencial, expressões da emoção, marcas de actos falhados, vestígios de palavras censuradas, corpos apagados, estados subvertidos, luzes residuais – a violentação da foto: a normalidade do enquadramento para a anormalidade do conteúdo – tudo coincidindo num espaço em que o descalabro das superfícies prenunciava o abismo das profundidades, num lugar que desencadeara a cólera e em que o fotógrafo estivera dos dois lados, ora como réu, ora como perito.

As fotografias ocorrem nas páginas deste livro como ancoradouros subtis da leitura, como margens fugidias da viagem, como tempos de repouso do olhar, como marcadores da abstracção. O poder catalítico da fotografia acaba por ser outra forma de ilustração, outra subtileza do seu poder de sedução.

Diz-se que a falta de luz gera o preto, que o excesso de luz gera o branco, que os excessos de branco e de preto cegam, impedem de ver, que sem ver se morre, que ver é precisamente viver, ou seja, que viver é graduar, equilibrar, a escala de luz entre o preto e o branco, progredindo ou regredindo na nitidez de definição dos contornos, progredindo ou regredindo na visão esclarecida dos conteúdos, progredindo ou regredindo na construção do próprio acto de ver. Não deixa de ser sintomático que numa escala de gradação da luz o fotógrafo confira aos vocábulos preto, branco e cinzento a função de marcadores referenciais, atribuindo-lhes mesmo uma função temática, conteudística, narrativa e poética: o campo da foto é povoado pelos seres, o preto, o branco, o cinzento, e estes seres jogam os seus papéis na história: eles agem no sentido de nos darem a percepção de fundo do túnel, eles remetem-nos para um imaginário de velocidade, eles orientam-nos para um horizonte de eternidade. Parafraseando Fernando Pessoa, este acumular de fotos de Miguel Louro vai no sentido de vermos para lá de nós, em busca dessa coisa linda que está sempre para lá de outra coisa linda, e essa coisa é que é linda.


segunda-feira, outubro 23, 2006

Também se escreve e fala e canta para quem já foi

Foi no pretérito dia 20 de Outubro, sexta-feira, à noite, que a Casa de Trás-os-Montes e Alto Douro em Braga fez a homenagem póstuma ao seu associado Nuno Pacheco Álvares Pereira, falecido em Março deste ano, após doença incurável. Retenho a minha própria síntese: homem bom, satisfez um percurso de vida onde pontuaram os valores da terra, da família e da dedicação profissional; sócio voluntário, deixou as marcas da ponderação e da exigência, duas dosagens que o bom senso precisa sempre de combinar na gestão da vida associativa. Lembrei-me de musicar um soneto que ele escrevera na juventude, meio emprestado por um irmão mais poeta do que ele, mas saudoso, como ele, das dores que o futuro sempre reserva a todos. Ficou tudo num pequeno livro de mão ou de gaveta, mas feito com parte do entusiasmo que o amigo falecido deixou nos seus pertences. O mais tenho de agradecer ao Rogério Borralheiro que me ajudou neste trabalho e à família do Nuno, esposa e filhas, que se disponibilizaram para me ouvir e informar do que quis saber. Agradeço também ao António Castanheira a mestria do acompanhamento musical nos sons que me expuseram, mas a vida é mesmo assim, alguém tem de dar a voz e o rosto ao que todos gostaríamos de fazer ou de ter feito.

quinta-feira, outubro 19, 2006

Até à Biblioteca LCS

Vou lá, embora suspeite que não vou ter público para as histórias. Tomo café na Brasileira, se lá estiver o Mota falo com ele, troco umas repetidas e outras novas, embora suspeite que ele não vai estar lá, está a chover muito, se estiver ainda lhe falo naquele «site» do Desidério, o tal da filosofia analítica que o Zé António me recomendou, «criticanarede», essa espécie de linguagem lógica que nada quer omitir quando tudo quer deixar claro, mas se ele não estiver... Ainda não veio, mas vem - disse o empregado com a bandeja cheia de serviço. O café soube-me bem, em cheiro e temperatura, mas deu-me o sono e quase dormitei. Na esquina da Rua, no cruzamento, o flautista toca de joelhos o «bolero de Ravel», um euro sem hesitação no tampo da caixa dos sapatos e deixa-o tocar que ele gosta e quer assim e a troca fica equilibrada. Está quase tudo dito até à esquina, o pensamento passa por si próprio e não se enche, rejeita isto, rejeita aquilo e devaneia, salta, fantasia, mistura mas não escolhe. Aceito a brevidade e sinto os pés molhados, afinal as botas da Ideal «entrem água», à minhota, como ouço dizer e é incorrigível, até que sequem. Estou com sono e a biblioteca presta-se. Entro na «rede» e agora escrevo no blogue, vou precisamente aqui, nesta linha, nesta palavra palavra para dizer que estou com vontade de terminar. Ao meu lado está uma jovem, insistente viajeira pela net, floribela despachada pelo Sapo fora à procura de flores. Não tive infância de brinquedo assim, em Jales, naquela biblioteca do Clube Desportivo do Pessoal das Minas, Centro de Alegria no Trabalho, donde meu pai trazia uns livros de histórias que se abriam e ficavam à frente do meu nariz, direitinhas como gente, a mexerem-se até eu querer. E agora nem sei porquê veio-me à cabeça a imagem lindíssima da minha catequista, loira, perfumada, maternal, doce na palavra e levíssima nos gestos, a esposa do patrão das minas, traço histórico que não posso deixar de referir nesta exposição analítica, pedra angular de muita argumentação posterior. Creio que me ficaram dela todas as aprendizagens sobre o encantamento das palavras, e poucas são estas, as que deixo aqui. Vou-me sentar ali e adormecer. Não sei se deva.

domingo, outubro 15, 2006

Primeiro conto da conta

Ao tempo que eu falo nisso
É verdade, quem quis ouvir, ouviu, ele a dizer que tudo fora feito contra a sua ideia, que não era assim que gostava que as coisas tivessem sido votadas e aprovadas, que se deveria ter ido mais longe e ter desmontado a vontade oficial de burocratizar ainda mais a escola e os seus serviços, mas pronto, ele não estava lá só e os outros tinham aprovado. Os outros, os outros quem? Os outros e as outras que estavam lá só para fazer a vontade não sei a quem, uma porque nem sabia bem o que se estava a discutir, pois fumava e fumava com um pé dentro da sala e outro fora, outros porque estiveram sempre na conversa paralela, outro porque estava de frente para não sei quem e quem estava de frente tinha a saia curta de pernas e assim até nem parecia que a burocracia fosse tanta, outros porque acharam sempre que a ideia de meter os pais nos conselhos de turma era a melhor maneira de eles ficarem a saber como são, na verdade, os seus educandos, mas estes eram só dois, a maioria é que estragou tudo e depois já se estava ali há duas horas e meia e ainda havia a boca do presidente ou da a dizer que nem que se estivesse ali até à meia-noite, ora já se vê, há filhos em casa à espera do jantar, há maridos à espera do comer e à esposas à espera da mesa, portanto o que é que ele havia de fazer. Dito assim até parece que votaste contra, perguntou o mesmo que perguntava sempre quem votava o quê. Que não, votou a favor, então ele é que ia estar ali a desfazer, ainda por cima com gente que estava já de acordo antes de falar. E além do mais, os pais nem virão nunca aos conselhos de turma se as reuniões forem às quatro da tarde, só virão os que já vêm, os pais dos bons alunos e com esses nunca há chatices. Até porque na minha turma nem há pais, são todos filhos de divorciados e divorciadas, primeiro que se entendam sobre quem é que tem de vir! Boa, melhor ainda foi saber por outros que ninguém votara nada, que afinal fora ele que pedira a votação só para despachar a reunião, porque se ele fosse fino calava-se e a reunião ia até às tantas e depois eu queria ver quem é que votava àquelas horas da noite. E a mim até me interessava, disse alguém que nem costumava dizer nada das reuniões, porque eu estava filado noutra coisa e assim aquilo acabou cedo.

sexta-feira, outubro 13, 2006

Atira-te, Zé!

Motivação

Levanta o dedo e ergue a testa
Não persigas os teus pés,
A palavra manifesta,
Confrontada e descoberta,
Corre o céu de lés a lés.

Põe o dedo no ar
Que o tempo cobre-o
De humidade ou de secura,
E assim tu pode-lo,
Pouco a pouco transformar
Nas tuas fontes de aventura.

Se ao papel não for a pena,
Com que pena vais contar
Que o teu dedo foi em vão!
Mas se o puseres a lavrar
Pelas folhas, cena a cena,
Mudarás teu próprio chão.

O dedo erguido tem
Uma força de bandeira,
Amigo meu,
Só no ar se mostra bem
Como a ave mais ligeira
Quer o céu.

José Machado / Set. 2006
Professor de Português
Presidente da Assembleia de Escola

A saudade de um amigo

Casa de Trás-os-Montes e Alto Douro em Braga

Homenagem póstuma da Casa de Trás-os-Montes e Alto Douro em Braga ao associado nº 114 NUNO PACHECO ÁLVARES PEREIRA

A Direcção da Casa de Trás-os-Montes e Alto Douro apela a todos aqueles que conheceram e privaram com o associado Nuno Pacheco Álvares Pereira a juntarem-se neste acto público de conversa e reflexão sobre o seu perfil, as suas obras e os seus exemplos.

Da homenagem consta o seguinte programa: Sexta-feira, dia 20, às 21.00 H – Conferência pública e Brinde.
Sábado, dia 21, às 12.30 H – Almoço de confraternização, por inscrição.
Sábado, dia 21, às 18.30 H – Missa por alma, em Santo Adrião.

Aqueles que estiverem interessados em testemunhar sobre ele ou em lembrar dimensões da sua esfera de acção poderão fazer uma curta intervenção de 3 minutos, devendo para tal comunicar essa vontade ao Vice-presidente da Casa, o professor José Machado: 969059230 e-mail: costamachado@mail.pt

A Direcção da Casa de Trás-os-Montes e Alto Douro em Braga

quinta-feira, outubro 12, 2006

As escolas de boas práticas

Aparecem a cada passo na comunicação social e são chamadas à primeira página dos noticiários televisivos, são invocadas a destempo, é certo, mas emergem em ocasiões oportunas, sobretudo quando é preciso fazer contraponto, que o contraponto em música faz parte da peça para lhe garantir harmonia e encantamento, para assegurar o efeito surpresa. Elas são as escolas que resolveram o problema da violência, elas são as escolas que resolveram o problema da exclusão social, elas são as escolas que resolveram o problema dos feriados, elas são as escolas que resolveram o problema da limpeza, elas são as escolas que resolveram o problema da falta de funcionários, elas são as escolas que resolveram o problema da carência de obras nas instalações, elas são as escolas que resolveram o problema do défice orçamental, enfim, elas são as escolas de boas práticas. O que é que eu lhes acho de extraordinário? Tudo o que dizem que fizeram e fazem sem dizerem como e com quem e quando! Mas, sobretudo, o facto de essas escolas omitirem sempre que tudo foi possível porque introduziram a diferenciação salarial e titular, como quer o ME, omitirem sempre que as boas práticas resultaram de concursos internos por competência curricular, como quer o ME, omitirem sempre que fizeram a avaliação dos professores, como quer o ME, omitirem sempre que diminuíram despesas e aumentaram as receitas, como quer o ME. Por entre linhas do discurso laudatório, as notícias vão dando conta de que tudo nessas escolas se deveu, afinal, ao voluntarismo e à carolice de uns tantos, que tudo se deveu à assiduidade contínua dos mesmos, que tudo se deveu à boa vontade, ou seja, que tudo se fez por raiva e por vingança poética sobre aqueles que faltaram, desde a primeira hora, ao cumprimento dos seus deveres. Provavelmente, no futuro, quando o novo estatuto da classe docente entrar em vigor, todas as escolas terão boas práticas e já não haverá notícais de excepção.

segunda-feira, setembro 25, 2006

Crato, Nuno (2006). O ”Eduquês” em discurso directo. Uma crítica da pedagogia romântica e construtivista. Gradiva. Lisboa. 5ª Edição.

A leitura do livro de Nuno Crato foi significativa para mim, porquê? Porque coloca interrogações sobre o alcance, em termos de resultados imediatos no ensino, de um conjunto de procedimentos didácticos que decorrem de certas crenças pedagógicas, obrigando-me a rememorar o processo histórico da minha formação e do meu desenvolvimento: e se lhe dou razão, não é por ele atacar o modelo em que me formei, mas porque, ainda que reine o seu modelo de eficácia, eu saber que sobrarão sempre para os professores como eu os trabalhos mais duros do insucesso escolar.

Eu começo a dar aulas depois do 25 de Abril, com o propósito de «demolir» a escola do fascismo, da ditadura, das aprendizagens por memória, dos exames por decoranço, dos silêncios impostos, da falta de criatividade, do livro único e permanente… Com uma formação católica, com uma experiência radical de marxista-leninista-maoista, começo a desconfiar de tudo e de todos e eu próprio me motivo a construir o meu conhecimento e a minha arte de ser professor. Saber o mais possível para ensinar cada vez melhor é o meu lema dentro desta tradição de missionário ilustre, de militante que dá o exemplo, de líder que tem a obrigação de puxar pelas massas. Eu começo com a intenção de dar a palavra aos alunos, de os emancipar, de os libertar, de os ouvir, de lhes fazer testes em que não se sintam apanhados, democratizando as regras da sala de aula, negociando as aulas e os feriados, negociando o manual ou a construção dele, aceitando as justificações de classe e de trabalho e de condições de vida.

Eu faço estágio em 1978/79 e sou confrontado pela orientação do mesmo de que eu é que teria de elaborar o currículo de português e de história, eu é que teria de pôr os alunos a investigar e a construir o conhecimento…e eu acreditei, investi, convenci-me que o caminho era esse… Eu leio e estudo e aplico Freinet, Montessori, Pietralata, devoro Piaget, estudo os radicais de Hamburgo, discuto com outros as experiências mais radicais que andam pelo mundo, leio e releio os teóricos das teologias da libertação, poetizo em força sobre esta crença nos amanhãs que cantam, na perspectiva ideológica de combater fascismos e social-fascismos. Eu adiro à pedagogia por objectivos, eu trabalho tomando como guia a taxonomia de Bloom e as críticas ou ajustes que dela fazem belgas e franceses e americanos.

Eu frequento as formações «vanguardistas da época», em Lisboa, com Albano Estrela, no Porto com Luísa Cortezão, em Braga com Elias Blanco, no Porto com ICAV de Bordéus, e toda a formação vai no sentido de dar voz aos alunos, de acreditar no poder da motivação, de os entusiasmar pelas suas potencialidades. Em termos de ensino do português eu frequento acções de formação com os principais estudiosos da literatura e da gramática, Vítor aguiar e Silva, Carlos Reis, Pinto Correia, Inês Duarte, Mira Mateus.

Eu orientei todos os tipos de estágio de formação de professores, o estágio clássico, a profissionalização em exercício, os estágios integrados. Eu fui «companheiro de estrada» de autores de manuais escolares, como Álvaro Gomes, Emília Traça, Maria José Costa. Nos estágios integrados, como o da Universidade do Minho, eu tenho pela primeira vez a experiência do desencanto e da desilusão, mas invisto e procuro colmatar as deficiências que descubro. Candidatei-me sempre à formação e à inovação e se mais longe não fui é porque me cortaram as asas.

Eu usei todos os recursos disponíveis: teatro, música, vídeo, filme, passeios, visitas de estudo, desportos, computadores.

Eu frequento um mestrado de Literatura e Cultura Portuguesa e interiorizo as perspectivas antropológicas que olham sempre o professor como o «lacaio» do poder e procuram distinguir nos «outros» o outro que é excluído, que é rural, que é periférico, que é «incorrigível», que resiste Bourdieu? Foucault? Li, reli e citei.

Eu nunca abdiquei dos três testes por período, mas também não defendi os exames na praça pública. É um facto que eu e a minha geração nos embrenhámos na poética do «aprender a aprender».

Eu entro em crise profunda, irritante e descontrolável, quando surge a política da «paixão pela educação» - abandono a sala do Hotel da Póvoa quando ouço a senhora Benavente dizer que os seus filhos frequentam uma escola particular - desatino com o currículo por competências, com as áreas não disciplinares, com os planos curriculares de turma, com os planos de recuperação e de acompanhamento. Conheço o «eduquês» por dentro.

Fiz tudo para dar a palavra aos alunos e hoje vejo-me grego para os mandar calar. Dou-lhes a ler todo o tipo de textos e eles não se interessam por nenhum.Ensaio com eles peças de teatro mas os ensaios quase não passam da fase da bagunça se eu não meter as mãos na «lama».Ensino toda a gramática e eles dizem sempre ao professor seguinte que nunca deram gramática. Corrijo todos os erros, mando passar a limpo e eles voltam a praticá-los. Levo os alunos para os computadores e nem tenho tempo de lhes dar qualquer orientação, já estão onde nunca querem demorar se não forem jogos. Se tenho tido bons resultados? Não me queixo e algumas memórias dos alunos reconfortam-me.

Hoje a minha interrogação é esta: como posso resolver os problemas que me surgem de modo a ensinar bem e muito e mantendo a minha liberdade pedagógica? O livro de Nuno Crato dá-me uma resposta: ir à luta do debate, aparecer na praça pública para discutir, para levar as perguntas até ao fim.

quinta-feira, setembro 21, 2006

A rotina e a retina escolares

São de saúde, mais a primeira que a segunda, porque daquela vivo eu e com esta me consumo, que não gosto do que vejo nem do que me é escondido ver, mas é assim. Cá estou no Agrupamento de Escolas Dr. Francisco Sanches, na EB 2/3 do mesmo nome de patrono, a dar aulas ao 5º 1 e ao 6º 3, sendo Director de Turma da primeira referida, o que implica «ser professor» de Formação Cívica, e na segunda referida sou também professor de Oficina de Língua Portuguesa, um tempo curricular criado «ad hoc» para satisfazer caprichos da invenção educativa e que devia muito bem ser parte integrante do horário de Português, agora e sempre que se diz ser esta área de carência nacional. O resto do meu horário tem as duas horas para o cumprimento das funções de presidente da Assembleia de Escola, órgão que ainda não entrou no jargão da actual Ministra da Educação, mais duas horas para tempos escolares, atendimento de encarregados de educação e tempo de estar disponível e o resto são horas para aulas de substituição, que as quero dar, mas não quero que nenhum colega falte, com isto apenas desejando longa vida e saúde a todos, que eu não sou de proibir os caprichos das escapadinhas ou das consultas e enchaquecas ocasionais. Espero cumprir bem, embora este ano me sinta predisposto a fazer melhor que os anos anteriores, sendo que neste fazer melhor incluo a criação de atritos e de polémicas q.b. para desenfastio de mim próprio e deste meu lugar.

segunda-feira, setembro 18, 2006

Feiras Novas - a festa cheia

Ponte de Lima, 16/09/06 - Cortejo etnográfico e noitada nas Feiras Novas. A ideia de ir à festa redime o corpo, cansa-o e se nem sempre o compensa será pelas razões do próprio corpo, que as da festa são sempre as melhores, as do excesso, as de encher tudo com a fartura do tempo, as de esconder tristezas e sinais de crise até onde as «calças» deixarem tapar. Que as mazelas vêem-se sempre e deixam rasto, seja o lixo amontoado por tudo quanto é esquina ou lugar de o pôr, seja a falta de sanitários, seja a falta de parques, seja a falta de restaurantes, seja a falta de espaço mesmo para se estar conforme se quer estar. Mas nestas feiras novas tem de se estar ao jeito que elas consentem, tal é o aperto de gentes e de eventos, tal é o desejo que as procura. As duas festeiras sentadas são a minha mulher, a Tininha, de «lenço» laranja e a Helena, a mulher do Rogério Borralheiro, sentadas por bem da arte dos vendedores de banquinhos, dois a cinco euros, que o número cinco era o rei das transacções, só variando a quantidade de peças a comprar, aqui cinco guarda-chuvas, ali seis pares de meias, ali umas calças rotas, acolá duas camisetas de marca ou uns sapatos a escolher e por aí adiante, tudo a cinco euros. Do cortejo etnográfico, em estilo directo e cru, vivendo como representação a vida quotidiana dos campos e das artes que sustentam ainda a vida que se tem, fica a memória do tom de paródia e da conivência entre «actores» e espectadores, mas também o descuido do arremedo e da imitação naquelas áreas que são mais caras ao desejo de preservação, como a da música e a dos trajares. Da noitada, fica o deslumbramento com o enchimento de rusgas e tocatas, onde a concertina é instrumento dominante e onde o apelo às coreografias da tradição ou o impulso do canto à desgarrada requereriam mais mestria e mais espaço. Sobrou a quantidade de gentes a deslocarem-se lenta e custosamente de lado para lado, a não quererem perder pitada de nada, muito menos naquelas ruas onde a juventude e as músicas contemporâneas se estreitam e se consomem numa gestualidade de progressivo desejo: o de estarmos juntos, em simultâneo, no ar da festa, com quem queremos ou muito perto de encontrar quem procuramos.

sábado, setembro 16, 2006

Um casamento mais

Boda estrepitosa, mas amorosa
Foi assim
do princípio ao fim:
os noivos já de si eram vistosos
e mais ficaram com os trajes rigorosos:
ele, de fato nobre, militar,
e ela, de noiva, cinza a iluminar.
Um amor intenso, ao que me disse o pai,
contando aquela história do bonsai
que já de pequenino
induz o seu destino.
Na igreja de Cardielos
deu gosto vê-los,
por entre guarda de honra espevitada,
cumprir a tradição sagrada
de prometer eterna comunhão
de planos, de filhos e de pão.
O padre esteve bem no seu papel
de lembrar o doce e o fel
que a vida a dois constrói no seu tear,
ora com pressa, ora devagar.
A voz e o violão fizeram contraponto
e o casamento transformou-se em conto
mais uma vez de fadas,
com o príncipe e a princesa,
e as outras personagens convidadas,
a saberem que o amor se faz à mesa,
depois das escrituras celebradas.

sábado, setembro 09, 2006

Contas da vida

Na Senhora da Pena (Mouçós)

Ai vida, vida,
Que tão bem sabe,
Mas não nos cabe
Toda na mão!

Ai vida, vida,
Que mais nos custa
Quando se assusta
O coração!

sexta-feira, setembro 08, 2006

As festas limam as arestas

No monte de S. Gregório

No pretérito dia 2 de Agosto, a Junta de Freguesia de Maximinos organizou um convívio no monte de S. Gregório aberto à sua população e a todos os bracarenses e forasteiros que aparecessem. Da ementa constava um serviço de bar generoso e um cartaz de animação com folclore e música ligeira. A capela estava aberta. O objectivo deste convívio consumava-se na ideia de devolver o monte de S. Gregório à população como espaço de lazer e de convívio, como lugar privilegiado de vistas sobre a urbe bracarense e arredores, como recanto de passeio, reflexão e sossego. Naturalmente que o lugar para ser este objectivo ainda precisa de mais obras de encantamento, mas falar assim pode querer dizer que os responsáveis da Junta de Freguesia, especialmente o seu presidente, o comerciante João Seco Magalhães, demonstraram a consciência da perda e do abandono a que este lugar fora votado durante anos, tomado como acampamento espúrio e invadido por negócios marginais.
A ocasião para a festa foi a véspera da data que, no calendário religioso, assinala a consagração de S. Gergório como Papa, 3 de Setembro. A festa tornou-se então uma ocasião excelente para a Junta e o seu presidente darem a verificar o trabalho de recuperação deste lugar cimeiro, que tem S. Gregório Magno como santo residente, oráculo dos aflitos do coração.
Bem poderia este santo, que foi papa da Igreja entre 590 e 604, num tempo de invasões bárbaras na Europa, ser o inspirador de autarcas, ele que fora prefeito da cidade de Roma antes de se tornar monge e merecer a escolha como papa. E bem poderia este monte de S. Gregório tomar-se como lugar de sentinela sobre a cidade e sobre o mundo, desde que a palavra sentinela tivesse o sentido que lhe deu S. Gregório: «Deve notar-se que o Senhor chama sentinela àquele que envia a pregar. De facto, a sentinela está sempre num lugar alto, a fim de perscrutar tudo o que possa vir ao longe. Todo aquele que é colocado como sentinela do povo, deve, portanto, pela sua vida, situar-se bem alto, para ser útil com a sua previdência.» (Das Homilias de São Gregório Magno, papa, sobre o profeta Ezequiel) Que outras palavras poderiam inspirar mais os autarcas do nosso tempo?
Com esta iniciativa da recuperação do monte de S. Gregório, o Presidente da Junta de Freguesia de Maximinos, João Seco Magalhães, essa pessoa incontornável da história da cidade, o tal que fez a campanha autárquica distribuindo chouriças pela sua população votante, quis provar, e provou, que o preço do fumeiro está muito aquém do preço justo que mereceu e merece a recuperação deste lugar da freguesia, agora cercado por um muro encimado com o gradeamento antigo da estação dos caminhos de ferrro, agora dotado de casas de banho, em breve melhorado no seu ordenamento e ajardinamento, finalmente assumido como ponto de encontro da cidade. Diz-se, nas histórias populares, que quem dá uma chouriça quer receber um porco, mas neste caso a história parece inverter-se e depois da chouriça, o presidente da Junta está na disposição de dar um porco e, quem sabe, a vara toda, tal é a sua predisposição ao trabalho e tal é o entusiasmo da sua equipa. Oxalá S. Gregório não falte a esta gente assim decidida com a protecção devida aos achaques de coração e às vertigens das alturas.
O programa de animação musical contou com o grupo de música popular da UMATI, com três grupos folclóricos, o de Gondizalves, o dos professores e o de Martim, e com um conjunto, os Vaticanos.
O dia esteve luminoso, a tarde esquentou, o que deu maior relevância ainda às árvores do monte de S. Gregório, aquelas oliveiras e outras que terão testemunhado alguns vandalismos, mas que resistiram às alucinações. O grupo de música popular da UMATI abriu as sonoridades com estilo, compostura e agradável alinhamento de instrumentos, ritmos e vozes. As camisas brancas, as calças ou saias pretas, os cabelos delas requintadamente compostos, acrescentaram ao gosto de aprender e de tocar uma dimensão educativa, exemplar para todas as idades. As árvores morrem de pé e testemunham bem as vicissitudes da história.
O grupo Folclórico de Gondizalves, uma história de família alargada, com ligações ainda muito fortes aos trabalhos agrícolas, continuou a festa com o sentimento de ainda ser cedo para o público dançante e de já ser tarde para a simpatia do lugar, mas teve de ser e as danças e cantares tiveram o condão de atrair mais gente.
Seguiu-se o Grupo dos Professores de Braga, que agora se nomeia Associação Cultural e Festiva «Os sinos da Sé», em estilo de convívio com a população presente e em atrevimento verbal com o presidente da Junta de Freguesia, com S. Gregório e com o mundo, como é próprio do seu apresentador. Este grupo trouxe ao lugar as histórias do Né, o professor Manuel Tavares Lopes Prata, que em tempos de rapaz indomável tomou o monte de S. Gregório como seu castelo de fantasia, a ele chegando e dele partindo com aventuras de brincadeiras, corridas, banhos e merendas, fossem estas à base da fruta das quintas ou das sardinhas de uma mulher distraída, da broa do padeiro ou das chouriças do merceeiro, que a rapaziada da sua idade, isto há quase sessenta anos, tinha mesa de pedra privativa no monte de S. Gregório para planificação e distribuição. E lembrou-se a festa que então se fazia no monte de S. Gregório em que a canalha se pelava por beber um pirolito ou limonada. O resto foi cantar e dançar e anunciar o arroz de feijão malandrinho que saiu e a missa do dia seguinte.
Depois entrou a cantar e a dançar o Grupo de Martim, com cantador aprimorado e de improviso espevitado. Se até ali, e já eram sete e meia da tarde, o Bar já estava em bolandas, então passou a ganhar velocidade de cruzeiro e foi um vê-se-te-avias, sempre com a presença no prato da simbólica chouriça, entre arroz, febras e barriguinha de churrasco, broa, caldo verde, vinho ou cerveja ou água e café.
Finalmente o baile mais informal, ao som dos Vaticanos, apenas um, que chegou, tal a quantidade de «chips» enlatados que trabalhavam para ele cantar, e cantou, de tudo, até o hino ao Braga que compôs para animar as hostes arsenalistas da cidade em todas as marés. Foi então que se desejou que o futuro terreiro de S. Gregório tomasse em consideração o gosto pela dança em espaço corrido e amplo, fresco e de bom pisar. Só não dançou, nem comeu, nem bebeu, quem não quis ou não pôde abusar dos avisos de S. Gregório sobre os limites do coração, mas que a festa valeu, valeu.
Muito provavelmente, a esta hora, o presidente da Junta de Freguesia de Maximinos terá caído bem na conta das obrigações a que ficou sujeito com tão simples quanto simbólica distribuição de uma chouriça na campanha eleitoral.
Tomando a sabedoria de S. Gregório Magno - «É natural que no exercício do magistério a língua se confunda quando ensina uma coisa que não aprendeu» - o leitor fica já avisado que esta descrição da festa pode pecar por defeito e precisar de outros testemunhos que acrescentem, corrijam ou redobrem os tempêros.

segunda-feira, setembro 04, 2006

Uma semana em Tenerife, na linha de quem se descobre melhor sabendo dos outros, ou quase, que os lugares resistem à voracidade e ao mais parece que se entregam às escâncaras. Afinal uma pequena introdução à velha dicotomia entre os roteiros oficiais e os roteiros à margem dos lugares eleitos. Valeu pela familiaridade, pela subida ao Teide, pelas curvas e contra-curvas, pelo bem-estar dos serviços, pela graciosidade do tempo, pela feira de gentes. O mais foi andar sempre à volta da urbanidade, esta cantilena que nos vai consumindo, na rua, na piscina, na cama e no prato, no mais rústico recanto a que um sujeito aceda para confirmar as excepções. Nos últimos dias, os títulos dos jornais davam o alarme dos imigrantes africanos. Já viajámos cá por outro Tenerife que mal pressentíramos no comércio de rua. A gente viaja para muitas coisas, nem sabe quais, provavelmente para ganhar memórias de lugares felizes. Que os há.

S. Lourenço da Armada

10 de Agosto: caminhada até S. Lourenço da Armada, desde Pedregais. O monte de S. Lourenço pertence à freguesia de Gondufe, Ponte de Lima, e confina com a de Beiral do Lima à qual pertence o lugar de Armada, mas eu já o conheci como monte de S. Lourenço da Armada e assim o digo. Fomos com dois irmãos do falecido Domingos Dias, nosso amigo, colega e vizinho quase de porta, natural de Pedregais, Vila Verde, homem que nos ensinou o caminho há uns anos, antes de ir para a América como Leitor de Português. Foram três horas de caminhada, quase sempre a subir. Nesta paragem, na Boalhosa, fotografei o grupo, da direita para a esquerda: o António, irmão do Dias, a Tininha, minha mulher, um amigo do filho do António, o Armando, irmão do Dias, a filha do Armando, uma amiga da filha do Armando, o Borralheiro, meu colega, a Helena, mulher do Borralheiro, o filho do António. O António e o Armando são emigrantes em França. Esta romaria é um caso de encantamento: aprendi-a como festa discretíssima, à margem dos roteiros dominantes, vivi-a como «legado» da tradição de rezar, dançar e cantar, aguentei-a como desafio de ir ver o que vai acontecendo, dei este ano com ela em polvorosa e renhida disputa sobre a sua identidade religiosa: os de Gondufe acham que tudo lhes diz respeito, os da Armada acham que a tradição os envolve na celebração da festa, o padre, a Junta e a comissão decidiram-se pela reorganização física do lugar... resultado: os tasqueiros não estavam à volta da capelinha, o leilão foi frouxo, o sol restolhou quanto quis e pôde, a música foi de fábrica até ao tempo que lá estive, os sinais de vazio e de silêncio impunham-se demais. Valeu pelo cansaço da caminhada, pelo franguinho de churrasco na única tenda de pasto instalada no declive de acesso à capela, pelo prazer que a experiência deu aos mais novos que foram e vieram a pé. Entre o amargo da situação e a frescura dos panachés, ficaram os doces da romaria e as lembranças de tempos em que a festa compensou por excesso os desejos do seu imaginário.

quarta-feira, julho 19, 2006

Ano lectivo 2005-2006: avaliação

1. A escola é um lugar de aprendizagem e realiza-se como tal. Vale o esforço e compensa-o. A escola vale também por ser fonte de maldizer e se prestar a todos os desabafos.

2. A escola é um espaço receptivo a decisivos jogos ou peladinhas de futebol, com embalagens vazias de iogurte a fazer de bola, ou latas de sumos, ou embalagens de não sei quê. Normalmente o número de jogadores é limitado, mas as regras existem e cumprem-se: marcam-se livres e penaltes, as fintas sucedem-se, os golos festejam-se ruidosamente.

3. A entrada principal da escola tem sempre muros abertos à escrita de todas as intenções; os seus muros interiores também, ainda que nem sempre de acordo com as regras da ortografia, mas sempre de acordo com as regras da frustração. Nos placares ou no quadro, mas também ali, junto à fita do estore, à margem da carteira, no fundo da sala, longe do quadro, a parede e a pedra mármore do parapeito da janela ficam receptivas à escrita. Frequentar a escola quer dizer usá-la com frequência? E usar a escola quer dizer transformá-la em caderno de apontamentos?

4. A CMB repavimentou o passeio exterior de acesso aos portões da nossa escola. Mas uma obra necessária era também a marcação dos lugares de estacionamento e a melhoria da estrada de saída para o mundo.

5. Existe o mundo subterrâneo das carteiras escolares, basta olhar para debaixo dos tampos. As inscrição poderão sempre ler-se em vários sentidos, conforme as marcas, mas algumas sugerem-nos intenções possíveis: Eu escrevi nesta carteira para experimentar o corrector, Eu comecei mas outros continuaram, Eu não consegui fazer o que queria, Foi a melhor maneira que tive para passar o tempo de aula, Consegui fazer sem ser incomodado, Para a próxima termino o texto. Os correctores são uma invenção do nosso tempo. As chiclas moram nas costas das carteiras, em lugares opostos aos dos livros, mas em lugares que os dedos aproveitam sempre muito bem. E se as chiclas não colassem? Já agora, deve-se dizer chicla ou chiquelete ou chiclete? Se não se diz biciquelete, mas bicicleta, deveria ficar chicleta?

6. A Escola em dias de nevoeiro não é a mesma coisa que o nevoeiro nos dias da escola, pois não? Mas que há um sossego próprio dos espaços escolares, lá isso é verdade. Valha a verdade, a escola sossegada é um desejo absoluto, mas não tem interesse, nem para o nevoeiro. O barulho solar ou a confusão dos dias de inverneira dão-lhe outro fastio, outra vontade de comer.

7. A escola dá fome, na escola come-se muito e mal e estraga-se a comida como sinal de afirmação das indecisões do crescimento. Quando os alunos atiram com pão uns aos outros, na cantina, mexem abusivamente nos símbolos e desafiam o sentido do mundo. A educação não cresce por instinto, de facto.

8. Na sala de professores passa-se o tempo, gasta-se o tempo, nunca se ganha tempo.

O Tomás

O nosso sobrinho, e proximamente afilhado, Tomás, filho do meu irmão Fernando e da Paula, já pais do Francisco, residentes no Porto, ele de Jales, ela de Mogadouro, um casal de pergaminhos. Que o tempo futuro nos permita enriquecedoras oportunidades de aprendizagem na arte de educar um jovem a sentir-se feliz no melhor dos mundos possíveis. Dizem que chora muito, que só quer a mãe, que dá muita canseira, mas que é encantador, que está a crescer a olhos vistos, que qualquer dia não vai acreditar que deu mau dormir, que fez birra, que mamou com exagerada frequência. Qualquer dia vai estar a jogar a bola com o Francisco e com os pais e estes é que se vão aborrecer com frequência, porventura fazer birras ou então abandonar o jogo para comer.

domingo, julho 09, 2006

Casa de Trás-os-Montes e Alto Douro em Braga

Sou vice-presidente desta associação que tem a qualidade de Pessoa Colectiva de Interesse Público há quase dez anos, os primeiros quatro com o presidente Nuno Carlos, professor, depois outros quatro com o presidente Correia Vaz, engenheiro, e agora já um com o presidente Avelino Gonçalves, Procurador-Geral Adjunto. Na foto ao lado, aqui estamos alguns no acto solene de hastear a bandeira e cantar o Hino Nacional, ritual com que iniciamos a celebração do aniversário da Casa no seu dia principal, ou seja, aquele em que decorre o almoço de confraternização depois da romagem ao cemitério em memória dos associados já falecidos ou dos seus familiares. Esta associação tem sede no prédio onde vivo, somos condóminos. Esta associação tem vinte anos de existência, cerca de 900 associados inscritos, mas com três centenas apenas de pagantes regulares de quotas, as suas instalações abrem ao fim-de-semana, sexta à noite, sábado de tarde e à noite e domingo à tarde, tem um bar com cozinha onde se preparam jantares e pestisqueiras de ocasião, tem uma biblioteca, tem duas salas e um terraço para convívio. Habitualmente os associados jogam as cartas, a sueca quase sempre, em mesas de pano verde. Eu não jogo a sueca e frequento mal a casa no aspecto do convívio semanal, ocupo-me com iniciativas de carácter cultural, faço as actas, dou seguimento ao correio, ando por lá. A Casa já teve um Grupo de cantares regionais e um Grupo de Pauliteiros, agora mantém com grande dinamismo um Grupo de Cavaquinhos. Todos os anos se organizou um grupo de Cantar os Reis, o qual foi uma das pedras fundamentais para a aquisição das instalações, compradas ao INH e construídas pela Cooperativa de Construções e Habitação Bracara Augusta, já extinta. O que é suposto a Casa ser, um centro de estímulo e de crescimento de uma certa identidade regional em torno da transmontaneidade, se é que esta ideia tem sustentação, é-o com razoável humildade, mas é-o, até pela resistência de vinte anos em torno desta mesma ideia.

quarta-feira, julho 05, 2006

A minha mãe e a minha mulher e depois a malhada do centeio com uso de malhadeira mecânica, em Raiz do Monte, terra onde fica a casa e a propriedade de meus pais. Na foto em que se vê a Tininha com a hortaliça à cabeça, vê-se ao fundo um castanheiro e para lá dele, à direita, não se vê a parte do terreno em que se fez sempre a horta da casa, um território onde eu, e meus irmãos também, fizemos o tirocínio da agricultura, numa aprendizagem ora individualizada, ora comunitária, sempre a custo das horas da brincadeira, sempre sacrificada no regresso à aldeia de Jales, ali a dois quilómetros, com os carregos dos produtos e dos serviços que a terra determinava. A malhada decorreu na eira em frente a nossa casa, depois de segado o centeio uns dias antes, em jornada de reconstituição festiva de usos e costumes, promovida pelo Grupo Folclórico local, uma iniciativa em que meu pai andou sempre envolvido enquanto pôde. A minha mãe é natural de Raiz do Monte, onde nasceu a 25 de Agosto de 1924, na família Gomes. Toda a vida trabalhou de costura, que aprendera com seus pais. O meu pai é natural de Nogueira, freguesia de Vila Real, essa mesma que tem uma banda de música de quem se diz que se esfarrapam todos, mas meu pai não foi músico; depois de cumprido o serviço militar veio trabalhar para as Minas de Jales, de onde se reformou ao fim de quase meio século de dedicação exaustiva à empresa, tendo cumprido quase sempre funções de fiel de armazém, mas acabando como chefe do escritório. As heranças de Nogueira, pequenas que foram, transformaram-se em recursos da criação de nove filhos; das de Raiz do Monte manteve-se esta propriedade da Mó, onde meus pais acabaram por construir uma casa e onde estão a viver a reforma, já limitados por problemas de saúde.

sábado, julho 01, 2006

SALVÉ DIA 6 DE JULHO DE 2006
O MEU PAI FAZ 79 ANOS.

quarta-feira, junho 28, 2006

A poética de um casamento

Longos anos e felicidades

Resolvi apresentar a todos os leitores os textos poéticos que produzi para o Casamento de Eliana Sofia Almeida Soares e João Miguel Magalhães Alves Dias, o qual se realizará no dia1 De Julho de 2006, às 15.00 horas, no Mosteiro da Serra do Pilar, em Vila Nova de Gaia.

Sendo amigo do noivo desde que ele nasceu e sendo eu e minha mulher padrinhos do seu irmão, que neste momento se encontra hospitalizado em Bolonha, como sinal dos nossos desejos de felicidade para os noivos e de uma boa e consolidada recuperação para o nosso afilhado, deixo-lhes aos ventos da internet estas produções. Os textos assinalados com um asterisco têm música de minha autoria; os textos assinalados com dois asteriscos são para a recitação pelos noivos e o texto com três asteriscos é uma criação poética para a música de António Variações »Deolinda de Jesus».

Cântico de Entrada *

Cantemos ao Senhor
Porque fez brilhar a sua glória,
Cantemos ao Senhor
Porque Ele é o centro da História!

O Senhor é a minha fortaleza,
Ele é o meu louvor e a minha Lei,
Ele é o meu Deus e o de meus Pais,
Eu O exaltarei!

O Senhor é misericordioso,
Perdoa as nossas faltas, é clemente,
Dirige os nossos passos e conduz-nos
Com Sua mão prudente.

O Senhor é nosso Timoneiro,
Faz-nos o apelo à união,
Quer o nosso fruto por inteiro:
A nossa geração!

Salmo Responsorial *

Cantarei para sempre a bondade do Senhor

O Senhor é bom e clemente,
Lança sobre toda a humanidade
Seu olhar de Pai, sua bondade,
Ele é compassivo e paciente.

O Senhor é justo em seus caminhos
É perfeito em toda a criação,
Quantos O invocam, provarão:
Perto do Senhor, não estão sozinhos.

O Senhor é digno de louvor,
Ele é quem garante o alimento,
Alivia a dor e o sofrimento
A quem O procura com amor.

Aclamação ao Evangelho *

Aleluia, Aleluia, Aleluia
Benditos sejam aqueles / Que permanecem no amor,
Pois permanecem em Deus / E Deus permanece neles.
Aleluia, Aleluia, Aleluia

Cântico do matrimónio *

Testemunhas do Deus que é Amor
Abriremos nosso coração:
Nossa casa há-de ser o mundo,
Todo o mundo vai ser nosso irmão.

Caminharemos felizes
Por carreiros floridos,
Consolidando raízes
Na partilha dos perigos.

Nossas manhãs de esperança,
Terão razões de alegria:
O Amor é nossa aliança
E Deus é o nosso guia.

Construiremos a vida
Buscando a Felicidade.
Com trabalho e ousadia,
Com paz e fraternidade.

Este amor que nos abriga
Há-de crescer sempre mais,
Como essa ternura amiga
Que é a saudade dos pais.

Oração Universal **

Dai-nos, Senhor, o sonho e o sentido
Para sermos capazes de enfrentar
Os apelos de um tempo desmedido
Sem nos precipitarmos a julgar,
Ouvi-nos, Senhor.

Senhor, olhai a nossa ansiedade,
Tomai este fervor de juventude,
E dai-lhe a proporção da claridade,
E dai-lhe o sacrifício da virtude,
Ouvi-nos, Senhor.

Pegai, Senhor, agora em nossos braços,
Que guardem o sabor do vosso pão,
Pegai, Senhor, agora em nossos passos,
Que ganhem os valores da gratidão,
Ouvi-nos, Senhor.

Segui os nossos olhos e ouvidos,
Temperai-os, Senhor, na caridade,
Que não fiquem alheios nem contidos
Aos dramas e às dores da humanidade,
Ouvi-nos, Senhor.

Ouvi nossas palavras apressadas,
Ligai-as ao diálogo do mundo,
Que sejam pelas Vossas reguladas,
E busquem um sentido mais profundo,
Ouvi-nos, Senhor.

Nós somos dois que se amam na certeza
De um turbilhão futuro de porquês,
Vós, Senhor, vigiai nossa fraqueza
E dai-lhe a humildade e a lucidez.
Ouvi-nos, Senhor.

Rito da Paz **

Ela:
Nós os dois que nos amamos,
Por obra e graça de Deus,
Hoje, aqui vos abraçamos,
Erguendo as mãos aos Céus,
Num gesto de concórdia fraternal.
Que nossos olhos despertem,
E nossas mãos se concertem
Num desejo de paz universal,
Com Vossa Palavra, Senhor,
Raiz e bússola de Amor.

Ele:
Nós os dois que vos juntamos,
Por obra e graça de Deus,
Hoje, aqui, nos abraçamos,
Erguendo as mãos aos Céus,
Num acto de afecto e comunhão.
Se esta união nos apraz,
Seja o caminho da paz
Nossa firme e concreta obrigação,
Com Vossa Palavra, Senhor,
Raiz e bússola de Amor.

Comunhão *

Senhor, és nosso alimento,
És nosso sustento,
És o nosso pão.
Teu corpo, é fonte de vida,
É palavra viva
Da nossa Razão.

Queremos dar-Te graças
Pelo amor que aconteceu
Somos dois em Ti
Tu em nós és nosso Eu;
Queremos dar-Te graças
Pelo próximo desejo
Que já vive em Ti
A flor do nosso beijo.

Queremos dar-Te graças
Pelos pais que nos criaram,
Por nosso avós
Que também nos educaram;
Queremos dar-Te graças
Por nossos irmãos queridos,
Pelos sentimentos
Que nos tornam mais unidos.

Queremos dar-Te graças
Pelos anos que passaram
E pelos amigos
Que este amor testemunharam;
Queremos dar-Te graças
Pelo emprego que aceitamos,
Pelas relações
De trabalho onde estamos.

Queremos dar-Te graças
Por viagens e canseiras,
Pelas coisas sérias
E por nossas brincadeiras;
Queremos dar-Te graças
Pelos vários problemas
Que no dia-a-dia
Se transformam em dilemas.

Queremos dar-Te graças
Pelos povos que cruzamos
E pelos espaços
Que aos pouquinhos melhoramos;
Queremos dar-Te graças,
Pela nossa terra-mãe
E pela saudade
Dos sabores que ela retém.

Queremos dar-Te graças
Pela nossa segurança
E pela saúde
Que nos pede a esperança;
Queremos dar-Te graças
Pela fé que nos sustém
E pela Igreja
Onde nos sentimos bem.

Cântico à Mãe ***

Ó Virgem Mãe,
Tu és a mais bonita
Em graça e em valor
Tu és Aquela
Que foste a escolhida
E nos envolve sempre em amor.

Ó Santa Mãe,
Tu és nosso carinho,
O conto e a canção,
Que nos embala
E nos enche o caminho
De sonhos e de paixão.

Querida Mãe de todos nós,
Fonte de toda a ternura,
Cristalina e doce Voz,
Espelho de formosura.

Nosso colo procurado,
Conselho experimentado,
A bondade viva e pura.

Deixa-nos sentir crianças,
Dá-nos força e esperanças,
Traz-nos à Tua procura.

Pedra de toque

Amostra valiosa
Ainda sem saber de onde é e como chegou até mim, sei que a pedra tem um toque especial e por certo será preciosa, que já o foi neste tempo de a tomar em conta. Nada sei dele e ele pode ser figurado por esta ideia de pedra preciosa achada na margem do rio, rio que pode ser este tempo com suas duas margens, a da esquerda sendo a escola e a da direita sendo Braga. A princípio não dei por ele mais que dei pelos outros que não conhecia, que todos os anos ou ano após ano chegam à escola. Podemos estar juntos e não nos conhecermos, anormalidade que se justifica numa escola, embora sempre com argumentos da máxima fragilidade. Um aluno, meu educando de afecto e de encargo voluntário, aproximou-nos. Mais não sei, a não ser que é professor de Ciências no 3º Ciclo. Sei que é dedicado às viagens pela Net e sei que foi dele a iniciativa de eu construir e produzir este blogue. Pouco falamos e pouco saberemos de facto um do outro, mas o que nos resta é um futuro de conhecimento progressivo. O leitor poderá vislumbrar nesta escrita uma presciência de atracção mútua entre dois seres da mesma espécie, mas já lhe adianto que deverá acrescentar à intuição a ideia comezinha do florescimento de uma amizade e de uma admiração. Sei agora que vai para o Funchal dar aulas nos próximos três anos. Sei também o nome, António Gomes e hei-de colocar aqui a sua fotografia. Há pessoas, e o António é uma delas, a quem agradeço a casualidade do fulgor: este ano valeu por este encontro, numa escola onde o desgaste está a ser ruidosamente instalado e cultivado. Ouvirei as músicas que me arranjou com redobrado prazer e irei, na memória dos dias passados, lapidando as faces desta pedra preciosa, esperando nunca desmerecer. E que mais sei dele? Que é casado, que a esposa é bancária, como a minha. Se tem filhos? Se é de esquerda? Se... Tenho-o por «amigo titular».

domingo, junho 18, 2006

Fotos da Associação Cultural e Festiva «Os Sinos da Sé»


Grupo Folclórico de Professores de Braga, hoje Associação Cultural e Festiva «Os Sinos da Sé» na intervenção coral na Procissão de São João, em Braga, em 2002. Fotos tiradas por meu irmão António Machado. Esta associação tem mantido uma actividade regular em escolas, congressos, convívios, reuniões, festas e, de vez em quando, num ou noutro festival de folclore. Interpreta a música e a dança que configuram manifestações tradicionais das populações desta região minhota que tem Braga por capital, o Baixo-Minho. Procura uma «retoma» dessas manifestações, mas associada a uma crescente qualificação estética, não só em termos musicais e coreográficos, mas também em termos de uso de vestuário típico ou tipificado como etnograficamente representativo de costumes.

Presença da Associação Cultural e Festiva «Os Sinos da Sé»

A procissão de S. João

Associação Cultural e Festiva «Os Sinos da Sé» apresenta novo cântico a S. João na procissão do dia 24 de Junho.
Desde o princípio do ano que o Grupo Folclórico de Professores de Braga se transformou na Associação Cultural e Festiva «Os sinos da Sé», tendo, para isso, alterado os seus estatutos de modo a poder receber todas pessoas de boa vontade interessadas na prática e na criação de manifestações culturais de cariz popular, a vários níveis de intervenção, sendo um deles a presença regular na procissão de S. João de Braga, com a apresentação de cantares específicos de carácter religioso, produzidos expressamente por compositores contemporâneos. É o que vai acontecer este ano, em que o grupo, para além de retomar uma criação coral do professor Costa Gomes, com letra de José Machado, vai interpretar um hino a S. João da autoria poética de Castro Gil e da autoria musical de Joaquim Santos. Eis a letra:

HINO A S. JOÃO DE BRAGA
S. João, nós Vos saudamos,
Com fé, gratidão e amor:
No mundo em que caminhamos,
Convosco, o Senhor louvamos
De quem fostes Precursor.

Nobre mártir da verdade
Sem receio defendida:
Braga, que é Vossa cidade,
Quer a verdade na vida.

Pelas margens do Jordão
Destes a ver o Messias:
Dai-nos a mesma atenção
Na vida, todos os dias!

Se há ainda Herodes agora
A calar a Vossa voz,
Dessa coragem de outrora
É que precisamos nós.

Pequena é Vossa Capela,
Mas a devoção a afaga;
E faz, ao contrário dela,
A maior festa de Braga.

Por isso Braga e S. João
São bons parceiros leais.
E o que uniu a tradição
Ninguém o separe mais!

O pedido expresso desta composição poética ao professor Doutor Amadeu Torres, que assina as obras literárias sob o pseudónimo de Castro Gil, revestiu-se de toda a intencionalidade festiva e cultural, porquanto se trata de um poeta de fino estilo clássico, de profunda erudição e de genuína sabedoria popular. O poeta Castro Gil, entre os dias 15 e 18 de Maio deste ano de 2006, deu-nos, de facto, uma saborosa poesia de cariz popular tradicional, mantendo nela toda a presença da sua erudição bíblica e evangélica, num estilo de linguagem onde se faz presente uma construção frásica de recorte classizante, de inspiração barroca no que se refere à mistura de referências e ao cruzamento de sentidos. O refrão ou estribilho, na forma de uma quintilha, consagra as intenções da saudação e do louvor, unindo os três elementos básicos da relação religiosa – o Senhor Jesus, o profeta João e o povo –, numa hierarquia de súplica necessária às vivências no mundo contemporâneo. Depois, em cinco quadras, o poeta Castro Gil misturou sabiamente três dimensões da mensagem que a festa Bracarense ao S. João conserva e recria todos os anos: a história bíblica do Baptista, na sua condição de Precursor do Messias e de vítima da ferocidade de Herodes, a referência aos lugares da festa, a capela de S. João na Ponte e a cidade de Braga, e a lição evangélica do acto religioso, a qual se estriba na defesa dos valores como a verdade, a atenção, a coragem, a devoção e a união, absolutamente necessários hoje em dia para a vivência da fé cristã.

Sobre estes versos, o compositor Joaquim Santos produziu uma tão simples quanto interessantíssima harmonização de vozes, com diversidade rítmica e estilística, em modo maior, de modo a salientar a mensagem poética, mas também a manter vivas as características do canto popular, a capella. Com uma novidade que deixará surpreendidos os ouvintes: a melodia do refrão, em duas vozes, deverá ser acompanhada por gaita-de-foles, criando-se assim uma atmosfera de romaria galaico-portuguesa, com a presença do gaiteiro, em que o canto ocorre sob um arpejo melódico em contínuo e uma sustentação prolongada das notas principais do acorde, a tónica e a dominante, execução simultânea que a gaita-de-foles possibilita. A estrofe será cantada na forma de cânone, com o desencontro de vozes que esta forma permite, o que não deixa de estar em consonância com a impressão geral que os cantares processionais deixam no ouvido quando dispersos pelo caminho e pelos vários romeiros. Oxalá a interpretação resulte ao ar livre e os intérpretes possam estar à altura do criador, neste caso, o Padre Joaquim Santos, compositor de renome e de múltiplas obras nos vários domínios da arte musical.

Mais do que uma atitude de proselitismo religioso ou de euforia cristã, a presença da Associação Cultural e Festiva «Os Sinos da Sé», na sequência de anteriores intervenções do Grupo Folclórico dos Professores de Braga, pretende manter viva e digna de apreço uma das dinâmicas que a tradição religiosa enraizou na nossa cultura, precisamente a dimensão da peregrinação ou da caminhada festiva, para a qual e na qual o canto coral, polifónico, de criação poética e musical sempre renovadas, desempenhou e desempenha um papel de ilustração e de reflexão.

Deste modo, a Associação Cultural e Festiva «Os Sinos da Sé», respondendo ao apelo da Comissão de Festas de S. João, apela à presença atenta dos romeiros ao longo da Procissão e à sua presença no ritual litúrgico de encerramento da mesma na Sé de Braga, onde os cânticos a S. João voltam a ser interpretados.